quinta-feira, 29 de abril de 2010

A "excepção" alemã

Nos países que adoptaramo modelo europeu-continental, em contraposição com o modelo anglo-americano, o Direito Administrativo tem uma amplitude mais lata, abrangendo aquilo que Rivero chama de "Direito Administrativo descritivo", preocupando-se em delimitar o estatuto dos órgãos públicos administrativos do Estado e das colectividades locais, a estrutura dos serviços públicos e os mecanismos dos procedimentos referentes a certas actividades (a sua fonte é a lei e o regulamento). O Direito Administrativo rege as relações jurídicas que nascem da acção da Administração, fixa suas prerrogativas e obrigações, rege as garantias outorgadas aos particulares contra o arbítrio (em França a sua fonte é a jurisprudência). A autonomia do Direito Administrativo é neste modelo o resultado da criação de um corpo de regras e princípios próprios, originais, sendo em relação ao direito comum derrogatório. Não se contenta em considerar problemas não propostos no direito privado, procurando resolvê-los fazendo apelo a noções que o próprio direito privado ignora (utilidade pública, interesse público), e, para além disso, quando surgem problemas comuns ao direito privado (decorrentes de contratos por exemplo), o Direito Administrativo dá soluções diferentes das propostas pelo Direito Civil. Contudo, apesar das semelhanças e da existência de raízes comuns relevantes, a verdade é que a autonomia e originalidade da matriz germânica é evidente.

Enquanto em França o Direito Administrativo surgia após a Revolução de 1789, rompendo com o sistema anterior, na Alemanha não houve necessidade de tão grande e abrupta ruptura. O Direito Administrativo foi resultado de várias experiências e transformações que não se processaram de igual modo nem à mesma velocidade nos diferentes Estados. Como afirma Fritz Fleiner, a transformação “não se desenrolou segundo um ritmo uniforme nos diferentes Estados alemães, e em nenhuma parte o velho direito foi em algum momento totalmente eliminado para ser substituído por um direito novo; constata-se, em cada período, a subsistência de reminiscências jurídicas de concepções passadas. Mas em cada um desses períodos, a situação do poder público em relação aos sujeitos e em relação ao direito é determinada por uma concepção nova, que se afasta das tendências anteriores”.

Na Idade Média, a protecção jurídica para a Administração e para o particular eram iguais, sujeitando-se às instâncias jurisdicionais dos tribunais. No entanto, cabia ao Príncipe um direito eminente (jus eminens), composto por uma série de prerrogativas e poderes que devia exercer no interesse da colectividade. Numa fase posterior, ampliou-se o poder do Príncipe, constituindo-se o jus politiae (direito de polícia) que, partindo da ideia de poder sobre a vida religiosa e espiritual do povo, acabou por concentrar, na mesma pessoa, poderes de interferir na vida privada dos cidadãos, encapotado pelo argumento da segurança e do bem-estar colectivo. Neste período ocorreu ainda uma separação entre polícia e justiça: enquanto que as primeiras diziam respeito à Administração e podiam ser aplicadas pelo Príncipe, as segundas podiam apenas ser aplicadas pelos juízes não sendo abrangidas pelas suas competências. Não era assegurado qualquer direito de apelo aos tribunais por parte dos particulares.

Em resposta a esta fase absolutista, foi elaborada a Teoria do Fisco que considerava que o património público não pertencia nem ao Príncipe nem ao Estado, mas sim ao Fisco. O Fisco era considerado como uma pessoa de direito privado, com personalidade diversa da do Estado, estando submetido aos comandos do direito privado e aos tribunais judiciais. O Estado, enquanto pessoa de direito público, regia-se pelas normas editadas pelo Príncipe que não estavam sujeitas a qualquer controlo jurisdicional por parte dos tribunais. Estes tribunais passaram a reconhecer, em favor do indivíduo, a titularidade de direitos contra o Fisco, todos eles fundamentados no direito privado. Efectivamente, parecia não haver outro direito além do direito civil.

Como analisa Otto Mayer, “o resultado foi que nesse período do regime de polícia existiu efectivamente um direito civil, um direito penal, um direito processual; numa palavra: o direito de justiça. Contudo, em relação à Administração não existiam regulamentos obrigatórios para o exercício da autoridade frente ao súbdito: não há direito público. No Estado Moderno conservou-se do regime de polícia a ideia de soberania do Estado e, embora tendo sido elimina o dualismo entre Estado e Fisco, manteve-se a ideia de submissão de uma parte da actividade estatal ao direito civil. Por outro lado, deixou este de ser o direito único, pois desenvolveu-se o direito público, em especial o Direito Administrativo, para reger as relações entre o Estado e os administrados, passando o direito civil a ter uma aplicação meramente subsidiária".

É importante voltar a frisar que, embora o direito público alemão tivesse sofrido influência do direito francês, foi diversa a origem do seu direito administrativo e a sua própria formação: o Direito Administrativo em França foi produto de elaboração pretoriana do Conseil d'État, desenvolvida para atender a necessidades puramente práticas, surgidas em cada caso concreto; diferentemente, na Alemanha, predominou a elaboração sistemática e científica, mais abstracta, a cargo da doutrina. No direito alemão, a influência do direito civil foi muito maior na elaboração do Direito Administrativo do que ocorreu no direito francês. Neste houve uma tendência obsessiva de rejeição em bloco de normas do direito privado, construindo-se o Direito Administrativo como conjunto de normas derrogatórias e exorbitantes do direito comum, enquanto na Alemanha a sistematização do direito administrativo, por ideias herdadas do Estado de Polícia, seguiu muito mais a orientação adoptada pelos pandectistas na interpretação do Código Civil. Daqui resulta que, apesar de homónimos, quer o "Droit Administratif" quer o "Verwaltungsrecht", a sua aplicabilidade prática consubstanciou-se e concretizou-se em moldes bastante diferentes. Na Alemanha, contrariamente ao que sucede em França, o "Droit Administratif" não significa uma espécie particular de Direito. Para Fritz Fleiner, “no sentido mais amplo, o “Direito Administrativo” designa todas as normas que regulam a actividade das autoridades estatais administrativas, quer façam parte do direito público ou do direito privado. Mas a ciência do direito não entende a noção dessa maneira tão ampla. Ela parte da consideração de que as normas particulares não foram elaboradas pela Administração Pública senão nos casos em que as normas gerais do direito privado, do direito penal e do processo não podem proteger, pelo menos de maneira suficiente, em razão do modo mesmo pelo qual elas são concebidas, os interesses especiais da administração pública”. Acrescenta o mesmo autor que se entenderá por Direito Administrativo “o direito público estabelecido na medida das necessidades da administração pública”. A relação de parentesco entre o Direito Administrativo alemão e francês é como a de dois irmãos: um francês, mais velho, que sofre ainda hoje os excessos da sua infância, e um alemão, mais novo, que logo na adolescência deixou de olhar com admiração para o seu irmão mais velho, partindo em busca de si próprio, de forma solitária, sofrendo reveses (inevitáveis desta rebelião), porém certo que iria conseguir transformar o que havia aprendido em algo de concreto (é disto exemplo a Constituição de Bonn de 1949). Hoje é indubitável a relevância da herança germânica e o impacto que teve (e ainda tem), quer a nível interno, quer mais recentemente, a nível da UE.

A Alemanha começou por experimentar o modelo judiciarista (ou quase-judicialista) que consistia numa forma de justiça delegada, onde a resolução dos litígios relativos à Administração cabia a autoridades judiciárias (chamados de "tribunais administrativos"), órgãos administrativos independentes, "quase-tribunais" que não se integravam na estrutura dos tribunais judiciais. Havia uma certa confusão e até promiscuidade (ou "pecado original") na relação estabelecida entre função administrativa e jurisdicional. Parafraseando o Professor Vasco Pereira da Silva "aquilo que se criou em nome do princípio da separação entre autoridades administrativas e judiciais não foi a separação mas a confusão entre o poder administrativo e o judicial, o que se erigiu foi um sistema em que o administrador era juiz e o juiz era administrador". Exemplo deste modelo intermédio foi a experiência do Geheimer Rat na Constituição de Württemberg de 1819. Na primeira metade do século XIX predominava nos vários Estados germânicos a figura do administrador-juiz, na figura da justiça reservada. Esses órgãos especiais eram os Verwaltungsrechtspflege (meios de garantia administrativa). Por esta razão, e de forma divergente do que sucedia em França onde se procurava acentuar o auto-controlo da Administração, na Alemanha o controlo jurisdicional era sucessivamente adoptado pelos diversos Estados alemães (exemplo disto era o § 182.º da Constituição de Frankfurt: "os meios de garantia administrativa terminaram, agora os tribunais decidem todas as lesões de direitos"). O papel dos tribunais desenvolveu-se de forma algo precoce em solo germânico (quando comparado com o que sucedeu em França), muito por influência O. Bähr que promoveu a ideia do Estado de Direito (Rechtsstaat), a efectividade do Direito e da Lei, enquanto garantes da protecção dos particulares, exigindo para isso a sujeição da actividade da Administração ao controlo judicial. Essa fiscalização acabou por ser confiada, não aos tribunais comuns, mas a tribunais especiais: os tribunais administrativos (Gneist).

Contudo, a evolução foi dispare: no norte da Alemanha vigorava o sistema do administrador-juiz na sua modalidade da justiça delegada. Na Prússia predominava assim um sistema autoritário, predominantemente objectivista, semelhante ao modelo francês (havia um auto-controlo da Administração). No sul da Alemanha começou a caminhar-se mais cedo para a jurisdicionalização do Contencioso Administrativo. A matriz subjectiva, mais virada para a protecção dos direitos dos particulares (tal como havia dito supra) foi alimentada pelas influências determinantes de O. Bähr e Gneist. A diferença entre estes dois sistemas "cifrava-se na contraposição entre o "princípio da enumeração", que limitava os actos sindicáveis, associado a um controlo total da legalidade (no norte), e um "princípio de definição", que admitia a sindicabilidade universal dos actos, associado a um controlo limitado à lesão de direitos e, portanto, menos intenso no que respeita ao controlo da discricionariedade (no sul)" (Vieira de Andrade).

Em França, a fase do "baptismo" (da jurisdicionalização) do Contencioso Administrativo pautou-se pela paulatina libertação do "cordão umbilical" que ligava a tribunais e Administração. A ideia de Justiça Administrativa começava a ganhar forma e o "milagre" da sujeição do Estado ao Direito (que ele próprio cria). Estado passa a ser um "sujeito" e não "dominus" do Direito. Para Vasco Pereira da Silva o verdadeiro milagre não seria o do Estado passar a estar submetido ao Direito, "mas sim o facto de uma instituição, que nasceu com o objectivo de proteger a Administração do controlo dos tribunais, se ter transformado num verdadeiro tribunal através da sua actuação, e de ter dado simultaneamente origem ao Direito Administrativo, cujo fim não é a defesa da Administração mas a garantia dos direitos dos particulares" (Vasco Pereira da Silva dá conta da existência, não de apenas um milagre, mas de um “duplo milagre”). Em solo alemão, após a Primeira Grande Guerra (1914-1918), a Constituição de Weimar (1919) consagrou um sistema plenamente jurisdicionalizado e de matriz subjectiva. Este percurso foi alvo de um duro revés com a ascensão de Adolf Hitler (líder do NSDAP) ao poder que levou à instituição do regime Nacional-Socialista de matriz totalitária e pendor eminentemente anti-semita. Todos os passos dados pelos subjectivistas que pretendiam a proteger e garantir os direitos dos particulares face às actuações administrativas ficaram em standby, entorpecidos até 1945. Durante o interregno, "pecado" voltou a ser a palavra de ordem nas relações que se estabeleciam entre a Administração e a Justiça através da instituição de um contencioso objectivista e com a contaminação política dos tribunais. O "Herrschaft" que a Administração exercia face aos tribunais verificava-se pela falta de garantias de isenção e independência dos tribunais administrativos, tornando-se por demais evidente com a "politização do controlo" operada pelo NSDAP que alargou exponencialmente o número de "actos políticos" contenciosamente insindicáveis.

Com o final da Segunda Grande Guerra, a República Federal Alemã (RFA) torna-se pioneira na Constitucionalização de uma Justiça Administrativa jurisdicionalizada (nomeadamente no seu "königliche Artikel" 19 § 4) e com a finalidade de protecção plena e efectiva dos direitos dos particulares. A codificação em matéria de Contencioso Administrativo foi uma consequência lógica da Constitucionalização da Justiça Administrativa e ocorreu em 1960 com a Lei dos Tribunais Administrativos (VwGO: Verwaltungsgerichtsordnung).

A fase da "confirmação" do Contencioso Administrativo, na sua dupla dimensão jurisdicional (juiz é completamente independente e tem plenos poderes sobre a Administração) e subjectiva (protecção integral e efectiva dos direitos dos particulares), foi na Alemanha fruto da Constituição de Bonn de 1949. O período da Constitucionalização do Contencioso Administrativo é o primeiro período da fase da "confirmação" e foi, na Alemanha, uma forma de expiação dos pecados que o Nacional-Socialismo havia trazido para a relação entre Administração e Justiça. A Constituição de 1949 foi uma forma de afirmação da "excepção" alemã que foi pioneira na dignificação da essencialidade da Justiça Administrativa. Os traumas das atrocidades levadas a cabo pela Alemanha nazi levou ao reforço da ideia de que só através de uma tutela forte conferida pelos tribunais (consagrada e plasmada na Lei Fundamental) à necessidade de protecção do indivíduo face ao poder do Estado se poderia realizar a verdadeira Justiça Administrativo e efectivar o Rechtsstaat. A dimensão processual dos direitos fundamentais e a consagração de direitos subjectivos a nível processual passaram a constar do elenco constitucional alemão. Tal como diz M. Fromont "não apenas as jurisdições administrativas foram incorporadas formalmente no poder judiciário, como também - e, sobretudo - o processo perante as jurisdições administrativas foi concebido para permitir aos indivíduos fazer valer os seus direitos subjectivos contra a Administração". A matriz alemã assumiu grande relevo na Europa dos pós Segunda Guerra apesar de, na realidade, caminharmos cada vez mais para o desaparecimento das diferenças entre os diversos Contenciosos Administrativos (assumindo relevo a ideia da necessidade de equilíbrio entre as características subjectivistas e objectivistas dentro de cada ordenamento). A necessidade de operatividade do novo Contencioso alemão reflecte-se nos meios processuais existentes, quer a título principal, cautelar e executivo, de forma a tutelar plenamente os direitos dos particulares. O elenco dos meios processuais, ao invés do que acontecera com o Enumerationsprinzip, está sujeito a um princípio de não tipicidade, uma verdadeira cláusula aberta destinada a proteger e abranger o maior número possível de pretensões dos particulares face a acções ou omissões da Administração (§ 40.º VwGO; este é um corolário do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrada no famigerado art. 19.º, IV da Constituição). Em relação aos meios processuais existem:

--- a título principal:

-- acções de condenação:

- de actos administrativos (Verpflichtungsklage);

- de regulamentos (Normenerlassungsklage);

- de outras formas de actuação da Administração (Allgemeine Leistungsklage);

-- acções de anulação:

- de actos administrativos (Anfechtungsklage);

- de regulamentos (Normenkontrollklage);

-- acções de simples apreciação (Feststellungsklage);

-- acções especiais ou sui generis;

--- a título provisório (providências cautelares; § 123.º VwGO): efeito suspensivo automático dos actos administrativos impugnados (§ 80.º VwGO);

--- a título executivo (remissão para o ZPO; § 167.º VwGO).

O segundo período da fase da "confirmação" do Contencioso Administrativo foi o da Europeização. No que toca à Alemanha, o VwGO foi alvo de algumas alterações, apesar de ter mantido intocado o seu espírito e núcleo essencial. Como a "excepção" alemã conferiu especial ênfase à necessidade de tutela dos direitos dos particulares logo em 1949 (pretendia evitar-se que algo de semelhante ao que havia sucedido no período de Hitler voltasse a acontecer), a Europeização não trouxe muitas novidades. A fase da confirmação na Alemanha, ao contrário de outros países europeus, encontrava-se já bem sedimentada e impunha-se como modelo de excelência e paradigma legislativo aos seus parceiros. Porém, convém não esquecer que, apesar de tudo, Europeização não significa obrigatoriamente "Germanização", havendo desde logo necessidades de convergência. Aconteceu, aliás, uma situação curiosa em matéria cautelar: enquanto a maior parte dos países europeus reforçavam a sua tutela cautelar, a Alemanha caminhou no sentido inverso limitando a regra geral do efeito suspensivo automático da acção de anulação de actos administrativos (reforma do VwGO de 1996/1997). Esta reforma foi sujeita a inúmeras críticas, nomeadamente sendo-lhe apontadas limitações aos direitos dos particulares como a já referida limitação do efeito suspensivo em matérias cautelares, mas também o estabelecimento de prazos mais curtos (2 anos) para impugnação de normas regulamentares (§ 47.º, I, II VwGO). Este retrocesso objectivista em matéria de tutela dos direitos dos particulares resulta do confronto entre a precoce Constitucionalização e as necessidades da Europeização (influenciadas pela nova realidade económica da UE). A subjectivização operada desde o século XIX levou a que se tentasse reverter e conter o seu ímpeto subjectivista através de algumas limitações que já haviam sido notadas pelas pressões (objectivistas) europeias respeitantes à fiscalização da conformidade das decisões administrativas com o Direito Comunitário "sobretudo a propósito do "efeito directo" das directivas não transpostas ou mal transpostas" (Vieira de Andrade). A urgência do Estado Social cujas tarefas, atribuições e concretizações a nível social e infra-estrutural são inúmeras, exige retoques na realidade da Justiça Administrativa sob pena da Administração entrar em colapso. Os interesses da colectividade, o interesse público pode, muitas das vezes, de uma perspectiva objectivista, ser tão ou mais útil à realização da justiça administrativa e à tutela jurisdicional efectiva dos direitos dos particulares, daí a necessidade de compatibilização e equilíbrio entre características subjectivistas e objectivistas no âmago do Contencioso Administrativo. Na verdade, é visível que o Verwaltungsrecht, por toda a experiência que adquiriu ao longo da sua (já longa) história, começou a denotar com o avançar da idade, os normais tiques paternalistas que, porém, acabaram por não ser unanimemente aceites no seio da (nova) realidade europeia, uma comunidade igualitária com ambições comuns de harmonização jurídica, levando à necessidade da Alemanha assumir uma posição (antes impensável) de alguma expectativa, de “refriamento” do ímpeto subjectivista que sempre foi o rosto do seu Contencioso Administrativo.

A Impugnabilidade de Actos Preparatórios

A Impugnação de Actos Preparatórios:
A Definitividade Horizontal

O requisito da definitividade horizontal como pressuposto da precedência da acção de impugnação de actos foi alvo de muitas críticas pela doutrina tendo vindo a ser afastado.
O art.51º nº1 do C.P.T.A. refere que é impugnável o acto inserido num procedimento administrativo, desde que, tenha eficácia externa (especialmente os que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos), o art.51º nº3 também prevê a possibilidade de impugnar actos procedimentais ao referir “que não ter impugnado qualquer acto procedimental não impede o interessado de impugnar o acto final com fundamento em ilegalidades cometidas ao longo do procedimento.”. Estes actos podem ser impugnados por quem tenha interesse na sua remoção da ordem jurídica, visto que estes podem produzir efeitos externos, embora ainda não se esteja perante o acto final mas apenas perante um acto inserido no procedimento administrativo. Para que a impugnação de actos procedimentais seja possível é necessário que estejam verificados dois pressupostos: um deles é a legitimidade para impugnar o acto e o outro é a verificação do interesse em agir. No fundo eles reconduzem-se ao interesse directo e pessoal previsto no art. 55º nº1al.a) do C.P.T.A.. No entanto, segundo Aroso de Almeida, deve excluir-se esta possibilidade do interessado impugnar actos procedimentais com eficácia externa se esse acto se revelar como um acto meramente preparatório na esfera jurídica do interessado (ou seja não se projecta na sua esfera jurídica). O art.51º nº3 salvaguarda a possibilidade de se impugnar o acto final, mesmo se o interessado não tiver impugnado o acto procedimental, com duas excepções:

1. O acto destacável – são actos que inseridos num procedimento produzem efeitos jurídicos externos autonomamente sem necessitarem do acto final, por exemplo, o acto que determina a exclusão do interessado do procedimento, este acto produz imediatamente efeitos externos, definindo de imediato a situação do interessado;

2. A lei especial – que imponha a tempestividade de actos procedimentais, sob pena de preclusão, ou seja, a existência de uma norma especial que refira que se aquele acto procedimental não for impugnado pelo interessado num determinado período não poderá ser posteriormente impugnado através da impugnação do acto final.

Para Vieira de Andrade surge o problema de saber se são impugnáveis as decisões administrativas preliminares (pré-decisões, pareceres vinculantes, etc.), que determinem peremptoriamente a decisão final de um procedimento com efeitos externos, mas que não tenham, elas próprias, capacidade para constituir esses efeitos externos, que só se produziram através com essa decisão final. Tem-se sustentado a impugnação destas decisões, como se fosse uma expressão de uma “defesa antecipada” dos interessados na impugnação (embora o acto só por si não tenha capacidade para produzir o efeito lesivo, apenas indirectamente o produz através da sua efectivação na decisão final) visto que em regra ou com um elevado grau de probabilidade irão criar lesões em direitos dos particulares. Este autor alerta para o facto de esta possibilidade não resultar directamente do art. 51º C.P.T.A. pelo que, por uma questão de certeza jurídica tal possibilidade deveria resultar expressamente de uma lei, não podendo daqui resultar um ónus de impugnação: visto que o não exercício de impugnar não poderia obstar à impugnação das decisões finais respectivas. Isto seria transformar numa desprotecção efectiva do interessado aquilo que deveria ser uma garantia do particular.
Ilustrativo desta conclusão é o acórdão do STA de 29 de Junho de 2006, processo 044141. Neste acórdão estava em causa se um Juiz poderia propor de imediato uma acção de anulação de uma deliberação do CTAF sem esperar pelo fim do procedimento. O CTAF instaurou um processo disciplinar, contra um Juiz, do qual poderia resultar para este a possível suspensão do exercício de funções e o congelamento da promoção da carreira. O STA decidiu que o juiz não poderia impugnar porque o acto preparatório não era lesivo dos direitos e interesses do juiz.
O STA decidiu que o acto preparatório, não directamente lesivo, não é como tal recorrível contenciosamente, e só a decisão final pode ser objecto de impugnação, aí podendo ser invocada qualquer ilegalidade reputada aos actos preparatórios do procedimento, com base no princípio da impugnação unitária. Isto só não será assim nos casos em que o acto preparatório tiver, em concreto, características de lesividade autónoma e imediata, desencadeando só por si (directamente) na esfera do interessado consequências lesivas imediatas, são os já anteriormente referidos actos destacáveis, fora destes casos só o acto final do processo disciplinar assumirá a natureza de acto lesivo, aí se podendo invocar todas as ilegalidades ocorridas no procedimento. Para o STA este entendimento está assente numa concepção finalista consagradora do princípio da impugnação unitária, que para o STA em nada ficou alterado com a revisão constitucional de 1989, ao nº4 do art. 268º C.R.P., nesta revisão constitucional a tónica da impugnação passou a ser a lesividade do acto deixando de ser decisivas as características de definitividade e executoriedade do art. 25º da L.P.T.A..
A lesividade referida no texto constitucional é objectiva e actual (actualidade da lesão) não meramente abstracta ou possível (potencialidade lesiva), ou seja, que altere objectivamente a ordem jurídica e visa definir uma concreta situação jurídico-administrativa. Isto não colide com a garantia de acesso à justiça do art. 20º da C.R.P., pois, a inimpugnabilidade contenciosa de actos preparatórios que não são dotados de lesividade autónoma e imediata, não implica qualquer supressão ou limitação do direito de ver apreciada a questão, art. 53º nº3 C.P.T.A.

Diferentemente, Vasco Pereira da Silva entende que houve uma extensão da impugnabilidade e portanto é possível a apreciação dos actos procedimentais, o que implica uma relevância jurídica autónoma do procedimento e o abandono definitivo da ideia de definitividade horizontal dos actos administrativos como critério de impugnabilidade dando cumprimento ao imperativo constitucional que tornou inconstitucional aquela exigência. Qualquer acto administrativo é susceptível de impugnação contenciosa se lesar os direitos dos particulares, incluindo todos os actos procedimentais, apenas interessa saber se o acto afecta imediatamente os direitos dos particulares não interessando se o acto foi praticado no início, no meio ou no fim do procedimento. O particular perante um acto lesivo dos seus direitos pode escolher entre impugnar desde logo essa actuação, ou esperar pela decisão final do procedimento, sem que o seu direito à protecção judicial seja afectado. Parece-me dever ser esta a doutrina a seguir.

Bibliografia:

1. Almeida, Mário Aroso de, O Novo Regime Do Processo Nos Tribunais Administrativos.
2. Andrade, José Carlos Vieira de, A Justiça Administrativa.
3. Silva, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise.

Texto Elaborado Por:
Cláudia Elias
Nº16567
Subturma: 1.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Tarefa 2: Legitimidade Processual – Acção Popular:

A Legitimidade Processual pode ser entendida enquanto pressuposto de admissibilidade da acção.

Até 1989 a C.R.P. apenas referia que era reconhecido o direito de acção popular «nos casos e termos previstos na lei». A partir desta data como se pode verificar pelo art. 52º, nº3 da C.R.P. passámos a ter uma acção popular enquanto direito cívico, um direito fundamental de participação política, destinada a defender a legalidade e o interesse público.
Uma das principais inovações introduzidas pela Reforma do Contencioso Administrativo foi a ampliação da legitimidade activa, através do alargamento do âmbito da acção pública e da acção popular. Disposição especial em relação ao regime geral é o art.9º, nº2, que faz uma extensão da legitimidade para quem não alegue ser parte numa relação material que se proponha submeter à apreciação do tribunal. Nos termos deste artigo são sujeitos activos do Contencioso Administrativo o actor popular e o actor público (principal poder de intervenção processual do Ministério Público). Além da função subjectivista que já vimos que predomina no Contencioso Administrativo, este possui ainda uma função objectiva, no sentido da tutela da legalidade e também do interesse público, que também é uma função essencial da Justiça Administrativa. Assim ao lado dos privados que actuam para a defesa dos seus próprios direitos, temos ainda o actor popular e o actor público que actuam para a defesa da legalidade e ainda do interesse público.
A acção popular encontra-se regulada pelo disposto na Lei 83/95, de 31 de Agosto. Quando no art. 9º, nº2 do C.P.T.A. se refere «nos termos previstos na lei» isto significa uma remissão para a Lei da Acção Popular: LAP (Lei 83/95, de 31 de Agosto).
A acção popular ocorre «independentemente de terem interesse directo na demanda», prosseguindo a tutela objectiva de valores constitucionalmente protegidos como a saúde pública, o urbanismo, o ordenamento do território, o ambiente, entre outros. Quer seja para a defesa de bens da titularidade do Estado, das regiões autónomas ou das autarquias locais: art. 52º, nº3, alínea b.
Os processos que sejam intentados para a defesa dos valores em cima mencionados apresentam especificidades que justificam a introdução de adaptações ao modelo de tramitação normal. Nos artigos 13º e seguintes da LAP o legislador estabeleceu um conjunto de soluções especiais, mas que apenas se referem a alguns aspectos da tramitação processual, têm que continuar a ser observadas também as regras gerais.
A admissibilidade da acção não depende apenas da legitimidade, mas também do interesse em agir próprio de cada figura: se os cidadãos podem defender quaisquer interesses, as associações e fundações só podem defender interesses colectivos incluídos nos respectivos fins (Principio da especialidade do fim); as autarquias locais apenas podem defender interesses colectivos ou comunitários no âmbito das suas atribuições e relativas ao seu território (Principio da Competência) e o Ministério Público apenas pode defender os valores comunitários enquanto interesses públicos ou direitos fundamentais.
Já em países como a Alemanha ou França estes valores objectivos apenas são perseguidos de forma indirecta, como consequência da acção para a defesa de direitos.
Andreia Rodrigues, nº15850, subturma9

Primeira Tarefa. O Contencioso Administrativo no Sistema Português actual – o modelo constitucional subjectivista

Professor, venho aqui postar o trabalho que tinha feito no blog anterior para lhe facilitar a procura.

Primeira Tarefa. O Contencioso Administrativo no Sistema Português actual – o modelo constitucional subjectivista

Tendo em conta tudo o que já fora exposto pelos meus colegas, e para não cair em repetição, proponho-me a analisar o sistema contencioso administrativo que vigora actualmente no nosso país.

Introdução histórica:

Na história pré-liberal do contencioso administrativo português desenvolveram-se sistemas que visavam, principalmente, a defesa dos direitos e interesses dos administrados perante os poderes públicos. Nisso consistia o Estado de Justiça (medieval) e o Estado de Polícia, entre outros. Assim admitiam-se mecanismos jurisdicionalizados contra a execução de actos “administrativos” existindo uma concentração total de poderes neste âmbito.
A instauração do princípio da separação de poderes (a par e passo com o princípio da legalidade administrativa) foi o marco decisivo do início da história do contencioso administrativo português, a quando da época liberal. Com a Revolução Francesa triunfam os ideais de liberdade individual contra o autoritarismo tradicional da Monarquia Europeia.
Os cidadãos passam a ser titulares de direitos subjectivos públicos, invocáveis perante o Estado. A Coroa perde o poder legislativo, que é atribuído ao Parlamento, e o poder judicial é confiado aos Tribunais, ficando apenas para si o exercício do poder executivo. Por outro lado a Administração é impedida pelo Princípio da Legalidade de invadir a esfera dos particulares ou prejudicar os seus direitos sem ter base numa lei emanada do poder legislativo. “Administrar converte-se em sinónimo de executar as leis.” Se os órgãos da Administração violarem a lei ou violarem os direitos dos particulares, estes poderão recorrer a tribunal rara fazer valer esses direitos contra a própria Administração, através de várias garantias jurídicas, a eles concedidas, para protecção conta o arbítrio administrativo.

A actualidade:

A Constituição da República Portuguesa é inequívoca ao consagrar direitos e garantias dos administrados contra o exercício do poder administrativo, pelos órgãos competentes, se esse exercício violar os princípios da legalidade e da separação de poderes, assegurando aos particulares uma protecção plena perante a Administração dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. Existem assim diversos mecanismos, entre outros:

- O princípio da tutela jurisdicional efectiva, incluindo a tutela cautelar (art. 2º/1 CPTA e art. 20º CRP), garantindo-se inclusive a condenação da administração á pratica de acto administrativo devido, a condenação à não emissão de actos administrativos, a intimação para adopção ou abstenção de comportamentos administrativos e a declaração da ilegalidade por omissão de regulamentos;

- Consagra-se a existência de direitos e interesses subjectivos dos particulares para protecção contra o exercício arbitrário do poder administrativo (artigos 2º e 3º CPTA);

- Consagra-se também um princípio de in dúbio pro actione, sendo que, em casos de dúvida, se deve interpretar as normas processuais num sentido que favoreça a emissão de pronúncia sobre o mérito das pretensões formuladas (art. 7ºCPTA);

- A criação de duas formas processuais, a acção administrativa comum e a acção administrativa especial;

- Mantém-se um conceito muito vasto de legitimidade para a impugnação de actos;

- Reconhece-se o papel preponderante do Ministério Publico para a fiscalização da legalidade;

- Consagra-se o princípio da igualdade de armas entre o recorrente e a Administração no sentido da consagração de um verdadeiro “processo de partes” patente em normas como as de pagamentos de custas pela administração e a possibilidade da sua condenação por litigância de má fé;

- Regula-se o processo executivo no sentido de aperfeiçoamento das garantias dos particulares e da legalidade contra a inexecução ilegítima de sentenças administrativas;

Assim o modelo Português, nomeadamente depois da Reforma efectuada, estabeleceu um modelo subjectivista, consagrando o processo administrativo como um processo de partes, bem como alargando os poderes do Juiz perante a Administração (notando-se, contudo, algumas nuances de um objectivismo, nomeadamente quanto à legitimidade activa e quanto à previsão de litígios inter-administrativos).

A tutela jurisdicional dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados é prosseguida pelos tribunais administrativos e fiscais, uma das cinco categorias de tribunais previstos na Constituição da República Portuguesa.
O julgamento das acções e recursos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas 53 e fiscais é da competência dos tribunais administrativos e fiscais (art.º 212.º, n.º 3, da CRP), órgãos de soberania (art.º 110.º, n.º 1), independentes (art.º 203.º), a quem incumbe a administração da justiça em nome do povo (art.º 202.º, n.º 1), assegurando a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimindo a violação da legalidade democrática e dirimindo os conflitos de interesses públicos e privados (art.º 202.º, n.º2).

A jurisdição, constitucionalmente, encontra-se repartida entre diversas ordens de Tribunais, repartições essas que, horizontal e verticalmente, assumem o significado político resultante da divisão de poderes. A multiplicidade de tribunais, com competências exclusivas, impede, por um sistema equivalente ao de “checks and balances”, que se configure um hipotético órgão supremo, expoente de um mítico “poder judicial”.

Trabalho elaborado pela aluna
Maria Emanuel Marques Soares
Subturma 9 , nº16757
Publicada por Maria Soares em 17:38 1 comentários

terça-feira, 27 de abril de 2010

Do indeferimento tácito à condenação à prática do acto devido

Até à revisão constitucional de 1997, a impugnação de actos administrativos era a única forma de acesso dos particulares à jurisdição administrativa. Perante a inércia da administração a única forma de acesso aos tribunais administrativos era ficcionar a existência de um acto administrativo impugnável.
A inércia ocorria, quando perante uma petição de um particular, a administração não emitia qualquer decisão expressa.
O indeferimento tácito foi assim criado para que os particulares pudessem exigir da administração uma decisão. Pois o acesso aos tribunais administrativos era apenas permitido perante um acto lesivo da administração. Então, uma vez ultrapassado o prazo legal para a prática dos actos requeridos pelos particulares, estes considerar-se-iam tacitamente indeferidos, para que pudesse haver recurso contencioso do suposto indeferimento.
Apesar de não haver acto impugnável (pressuposto processual da impugnação) a ficção deste garantia a protecção dos particulares no recurso a tribunal.
É paradoxal (e recorrendo às palavras de Vasco Pereira da Silva em “Em busca do acto administrativo perdido”) que um acto considerado “de autoridade e funcionalmente ligado ao exercício do poder do Estado (…dotado de uma imperatividade e coactividade “exorbitante”) (…) agora apareça como um instrumento privilegiado de protecção do cidadão”.
Temos que admitir que é um pouco rebuscado e, objectivamente, de difícil concretização, o facto de perante o silêncio da administração, termos que “imaginar” um acto que não existe, que é uma ficção, para podermos impugná-lo. Aliás tal ideia é ironicamente retratada na afirmação de Vasco Pereira da Silva “como o poeta, também o jurista é um “fingidor”, finge que existe um acto administrativo de indeferimento, para permitir que o particular finja que o impugna e para que depois, o tribunal possa fingir que o anula”. Neste, mundo de “faz-de-conta” do indeferimento tácito, a tutela dos particulares sai prejudicada.
Achava-se que o juiz podia apenas anular os actos, não podia nunca condenar a administração à prática do acto devido, porque ao estar a dar ordens à administração estaria a administrar e isso poria em causa o Principio da separação de poderes. A função jurisdicional estaria, assim, a invadir a função administrativa.

Isto hoje, com a passagem de um contencioso de anulação para um contencioso de plena jurisdição, não faz muito sentido, porque quando o juiz condena a administração à prática de um acto, cuja prática é imposta por lei e que corresponde a um direito de um particular lesado, está a julgar e não a administrar; o juiz não está a praticar um acto pela a administração.
Nas palavras do Vasco Pereira da Silva, isto, não só não viola o principio da separação de poderes como “é mesmo a forma mais adequada (…) para reagir contra comportamentos administrativos que, por acção ou omissão, lesam direitos dos particulares decorrentes da negação de actos legalmente devidos”.
Foi apenas na Revisão Constitucional de 1997, com forte influência Alemã, através da alteração do artigo 268º/4, que a par da impugnação de quaisquer actos passa-se também a prever “…a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos”. Consagrou-se assim uma tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares.
No CPTA foi no art.66º que se começou a prever que “a acção administrativa especial pode utilizada para obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um acto administrativo ilegalmente omitido ou recusado”. Este acto tem que ser legalmente obrigatório, contudo não se deve entender como abrangendo apenas as omissões contrárias à lei, mas sim todas as omissões que sejam contrárias à ordem jurídica (incluindo princípios e imposições internacionais por exemplo).
Surpreendentemente, em 2004, contrariando a maioria da doutrina, o STJ veio “ressuscitar” o acto de indeferimento tácito, alegando que, desde que se mostre necessário à eficácia e prontidão das decisões, devíamos considerar que ao lado do regime geral, vigorassem regimes especiais de indeferimento tácito.
Ora, isso (na opinião de André Pais Proença, no seu relatório de mestrado) só geraria confusão, incerteza e insegurança jurídica, principalmente em relação a prazos, porque a acção de condenação à prática do acto devido pode ser interposta até um ano após a omissão, enquanto que para o indeferimento tácito, o prazo é só de três meses. Os particulares ficariam assim na dúvida em relação ao prazo a cumprir.

Perante a condenação à prática do acto devido, surge a dúvida se ela também abrange os casos de acto tácito de deferimento, previsto no artigo 108º CPA. O diferimento tácito corresponde às situações em que é necessária uma aprovação ou autorização da administração para a prática de um acto administrativo ou exercício de um direito e perante a omissão da administração, passado o prazo estabelecido por lei, essa autorização considera-se concedida.
Com o artigo 67ºCPTA (que prevê a condenação à prática do acto devido) a maioria da doutrina considera que o indeferimento tácito (Art. 109º CPA) foi revogado. Contudo, entende que abrange apenas o silêncio negativo e não o silêncio positivo, que é o caso do diferimento tácito previsto no art. 108º CPA.
Por outro lado, Colaço Antunes, entende que ao não se fazer nenhuma distinção expressa entre o silêncio negativo e o positivo no art. 67º/1 a) CPTA, deve-se incluir no seu âmbito tanto um como o outro, e considerar abrangido não só o indeferimento como o diferimento tácito.
Mário Aroso de Almeida, vem defender, a posição, que na minha perspectiva, parece fazer mais sentido, que é a seguinte: o que o art. 108º CPA prevê, é uma presunção legal, ou seja, depois da decorrência do prazo legal, se não for praticado qualquer acto pela administração, presume-se que a decisão foi tomada. Ou seja, não se trata de um ficção, mas sim de uma presunção jurídica. Assim, não fará sentido a intervenção judicial para a condenação à prática do acto devido, se a produção do acto omitido já resulta da própria lei.
Como já vimos anteriormente, a ficção legal existia pelo facto do acesso judicial estar circunscrito apenas à impugnação de actos, então perante a omissão da administração tínhamos que o ficcionar para que houvesse um acto susceptível de impugnação. Perante o diferimento tácito, não há assim, essa necessidade, porque a prática do acto já resulta da lei.
O diferimento tácito confere só por si uma forte tutela das situações particulares, porque pretende-se evitar os prejuízos que resultariam da excessiva demora na resolução do caso, “é um mecanismo de “agilização administrativa”, forçando a administração a dar resposta expressa” (Nas palavras de Carlos Cadilha).
Contudo há um forte argumento contra: a oposição dos particulares está assegurada de qualquer modo, seja pelo art.67º CPTA, seja pelo 112º CPTA que prevê a possibilidade de um processo cautelar, que permite obter licença ou aprovação provisoriamente até que o processo principal se resolva. O que faria do diferimento tácito uma figura totalmente desnecessária.
Apesar deste argumento, por questões de celeridade e eficiência, o diferimento tácito satisfaz melhor os interesses dos particulares, porque evita uma desnecessária intervenção judicial.
É esta também a posição que se retira da interpretação sugerida por Vieira de Andrade do artigo 67º/1 a) CPTA, que considera só poder haver condenação à prática do acto devido perante a omissão do acto requerido no prazo legalmente estabelecido para a decisão e desde que a lei não preveja outras consequências. Ora no artigo 108º CPA, a lei prevê outra consequência: prevê o diferimento tácito.

Como podemos verificar no artigo 67º CPTA, a omissão do acto não é a única situação que possibilita a acção de condenação à prática do acto devido. O indeferimento expresso, total e directo do acto devido e a recusa de apreciação de requerimento dirigido à prática do acto são também fundamentos da acção de condenação à prática do acto devido, apesar de Vasco Pereira da Silva considerar que a existência ou não de um acto ser totalmente irrelevante, pois o que está em causa na acção de condenação é o próprio direito da relação jurídica substantiva. O que o tribunal vai apreciar é a relação administrativa existente entre o particular e a administração e não propriamente e o acto; é um juízo sobre a relação administrativa.


Bibliografia

-SILVA, Vasco Pereira – “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise” – 2ª Edição Almedina 2009
-SILVA, Vasco Pereira – “Em busca do Acto Administrativo Perdido” – Almedina Coimbra 1996
-PROENÇA, André Rosa Lã Pais – “As duas faces da condenação à prática do acto devido” – Relatório de Mestrado no Seminário de Contencioso Administrativo 2005
-VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos – “A Justiça Administrativa (Lições)” – 6ª edição Almedina 2004
-SERVULO CORREIA, José Manuel – “Impugnação de Actos Administrativos” in Cadernos de Justiça Administrativa 1999
-GONÇALVES, Pedro – “Relações entre as impugnações administrativas necessárias e o recurso contencioso de anulação de actos administrativos” – Almedina Coimbra 1996

Âmbito de aplicação da Lei 67/2007

De acordo com a filosofia The King Can Do No Wrong o actuação do soberano não podia dar origem a qualquer tipo de responsabilização. A ideia de responsabilizar o Estado, obrigando-o a suportar as consequências dos seus actos, foi uma novidade do século 19. Laferriere, considerado um dos fundadores do direito administrativo escreveu a este propósito que "le propre de la souveraineté est de s´imposer à tous [..] sans compensation".
A primeira tentativa de criar a obrigação de indemnizar prejuízos causados a particulares por parte do Estado em princípios autónomos, diversos do direito civil, foi feita pelo Acordão Blanco de 8 de Fevereiro de 1873 proferido pelo Tribunal de Conflitos Francês.
Com a entrada em vigor do novo ETAF e do CPTA a jurisdição administrativa passou a ser competente para toda e qualquer acção de responsabilidade a propor contra o Estado e outras entidades públicas, seja por actos de gestão publica seja por actos de gestão privada cuja distinção deixou de ser relevante ( artigo 4º alíneas h) e i) do ETAF ).
A responsabilidade civil extracontratual corresponde à obrigação, fora do âmbito de uma relação contratual, que recai sobre uma entidade envolvida em actividade de natureza pública que tiver causado prejuízos aos particulares e é a lei 67/2007 de 31 de Dezembro que aprova o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, tendo sido alterada pela lei 31/2008 de 17 de Julho.
O novo regime legal, ao contrario do diploma anterior, aplica-se à responsabilidade civil extracontratual decorrente de actos da função administratia, legislativa e judicial (artigo1ºnº1). O que é feito em nome do Estado e do interesse da colectividade através de acções ou até de omissões das respectivas instituições, não pode ser imune ao dever de reparar os danos provocados aos particulares; as condutas, os danos ressarcíveis, as circunstâncias, os limites e condições da reparação são susceptiveis de discussão. A lei 67/2007 no seu artigo 2º salvaguarda os regimes especiais de responsabilidade civil por danos decorrentes da função administrativa, como é o caso do regime júridico da responsabilidade por danos ambientais. Não obstante a referência ao Estado e demais pessoas colectivas de direito público, o ambito de aplicação subjectiva foi alargado pelo legislador às pessoas colectivas de direito privado que actuem com prerrogativas de poder público ou sob a égide de princípios e regras de direito administrativo ( 1ºnº2 ). A lei também se aplica à responsabilidade dos titulares dos orgãos, funcionários e agentes públicos.

Legitimidade - acção administrativa comum e acção administrativa especial

  • Como que um primeiro enquadramento, importa referir que no nosso Código de Processo dos Tribunais Administrativo (doravante CPTA) o legislador regulou 5 meios processuais, a saber: acção administrativa comum, acção administrativa especial, processos urgentes, processos cautelares e o processo executivo. No entanto apenas nos debruçaremos sobre a dicotomia acção administrativa comum (art. 37º e ss. CPTA) vs. acção administrativa especial (art. 46º e ss. CPTA) , mais concretamente acerca do pressuposto processual da legitimidade (“qualidade jurídica que define a posição do autor e do réu, em relação ao processo judicial” - ANTÓNIO ESTEVES FERMIANO RATO, «Código de Processo nos Tribunais Administrativos anotado» ). Em sentido diferente, o Professor Vieira de Andrade defende o dualismo entre “forma comum” e “forma especial/urgente”.
  • Sobre a distinção entre os dois meios, com base nos art. 37º e 46º CPTA, é possível apontar dois critérios: um de natureza processual e outro de natureza substantiva. O Professor Vasco Pereira da Silva aponta para uma distinção segundo a qual caberão na acção administrativa especial os actos e os regulamentos administrativos, e na acção administrativa comum as restantes formas de actuação da administração: depende, então, das formas de actuação administrativa. Ora, sendo a acção administrativa especial a mais usual, o Professor, no meu entendimento com razão, questiona se não teria mais sentido ser este meio processual denominado antes como “acção administrativa comum”.
  • Debruçando-me agora sobre a questão da legitimidade, importa começar por referir que o processo administrativo é hoje, inequivocamente, um “processo de partes”: particulares e Administração são partes no processo e a sua participação é orientada segundo um principio de igualdade efectiva, conforme o art. 6º e 8º CPTA.
  • O regime geral da legitimidade encontra-se previsto no art. 9º e 10º do referido Código, de onde decorre, em conformidade com o disposto no art. 26º/3 Código de Processo Civil, que esta é vista como um problema processual acerca da posição das partes em face da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor, independentemente da verificação das suas alegações (basta que estas sejam plausíveis). Acrescenta-se que, além das alegações, nos termos do nº1 do art. 9º CPTA exige-se, do autor, um interesse pessoal ou subjectivo em agir, enquanto que o nº2 do mesmo art. alarga de forma objectiva a legitimidade do autor: trata aqui de interesses públicos e/ou difusos. No art. 10º CPTA encontramos a legitimidade passiva, que é atribuida aos "titulares de interesses contrapostos aos do autor" (ou seja, a legitimidade passiva depende do pedido) e que têm interesse em contradizer a acção.
  • A par desta figura genérica de legitimidade, encontramos no CPTA, apesar da lei acabar por repetir o que tinha fixado em termos gerais, figuras especificas a propósito de cada um dos meios processuais: art. 40º (matéria de contratos), art. 55º (impugnação), art. 68º (condenação à prática do acto devido), art. 77º (declaração de ilegalidade por omissão) e art. 73º (declaração de ilegalidade por acção).
  • Ocupar-me-ei agora apenas com a legitimidade, na acção administrativa especial, presente no art. 55º CPTA, nomeadamente na alínea a) do seu nº1. O artigo, na sua íntegra, dispõe acerca da legitimidade activa para impugnar os actos administrativos, considerando como actores processuais os sujeitos privados (defesa de interesses próprios, pelos indivíduos ou pessoas colectivas privadas), os sujeitos públicos, o actor popular (defesa da legalidade e do interesse público, bem como eleitores no gozo dos seus direitos civis) e o Ministério Público (titular do direito de acção pública), cfr. VASCO PEREIRA DA SILVA, «O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise» .
  • Analisando então a al. a) do nº1 do art. 55º CPTA, é feita referência ao “interesse directo e pessoal” alegado, ou seja, ao interesse actual/imediato que, por via da procedência da acção de impugnação, traz uma vantagem concreta para o autor (ANTÓNIO ESTEVES FERMIANO RATO, «Código de Processo nos Tribunais Administrativos anotado»). No entanto, na parte final desta alínea, é feita referência aos “direitos ou interesses legalmente protegidos”, o que, segundo alguma doutrina, sugere a ideia da necessidade de verificação do mérito das alegações do autor, contrariamente ao entendimento do art. 9º CPTA.
  • Para concluir, queria referir apenas que, depois de 1997, a impugnação dos actos administrativos baseia-se num critério de lesividade: tem interesse pessoal quem for prejudicado pela acção ou omissão administrativa. Alargou-se assim o âmbito do art. 9º CPTA, uma vez que terceiros à relação material controvertida podem ter legitimidade para a impugnação de actos administrativos!

Alexandra Martins Onofre, sub turma A1, nº 16440

A Aceitação do Acto Administrativo

A aceitação do acto administrativo está consagrada na ordem jurídica portuguesa nos artigos 56º do CPTA e 53º/4 do CPA, surgindo como instituto que impede o indivíduo aceitante de impugnar o acto por ele aceite. Apresenta-se assim, à primeira vista, como requisito negativo de interposição de recurso por parte do sujeito aceitante. Fundando-se numa manifestação de vontade de concordância com o conteúdo de um acto, pressupõe um comportamento comunicativo que exprima a vontade do particular, que é valorada pelo Direito. A lei determina a produção de um efeito – a perda da faculdade impugnar – perante a verificação de um acto jurídico, independentemente do conteúdo da vontade do agente quanto à produção desse resultado. Exige-se uma vontade espontânea e sem reserva, mas os efeitos preclusivos da aceitação não têm de ser queridos pelo aceitante. Pode-se afirmar, como Vieira de Andrade[1] refere, que a lei ficciona a renúncia à impugnação, desde que haja aceitação livre dos efeitos do acto.
O respeito pelo princípio da legalidade e o direito fundamental à impugnação de actos administrativos expressamente consagrado na Constituição (268º/4 CRP) não podem deixar de ser tidos em consideração quando analisamos a figura da aceitação do acto, pois esta limita, por efeito dos preceitos legais, o direito à impugnação de actos. É importante indagar as motivações subjacentes à positivação do instituto da aceitação pois, por um lado, quando se fixam as razões que levaram o legislador a restringir os valores referidos está a relevar-se a existência de outros princípios que justificam tal restrição e, por outro, estes contra-fundamentos servem para limitar os casos em que se pode conceber a existência de uma aceitação do acto administrativo.
Identificamos dois fundamentos essenciais da aceitação do acto: a segurança jurídica[2] e o princípio da boa-fé. A primeira é um princípio basilar do ordenamento jurídico e uma concretização específica do princípio do Estado de Direito Democrático, que postula uma certeza, estabilidade e previsibilidade na realização do Direito. A aceitação com efeito preclusivo da destruição do acto aceite contribui para a sua permanência na ordem jurídica e, assim, permite esta estabilidade jurídica. Ainda que, muitas vezes, para o sujeito aceitante que vê precludida a possibilidade dessa destruição, não esteja em causa um acto constitutivo de direitos, este pode sê-lo para terceiros ou representar um garante da prossecução de determinados interesses públicos.
A boa fé é um princípio que dita que os sujeitos de direito devem ter, nas suas relações, comportamentos correctos, leais e éticos e que encontra forte projecção na tutela de expectativas e na protecção de confiança gerada nos outros. Está previsto no 266º/2 da CRP e no 6º-A do CPA como princípio estruturante da actividade administrativa e vincula, não só a Administração, mas também todos os particulares que com ela se relacionem. A concepção de uma Administração autoritária tem-se esbatido com a convocação, cada vez mais frequente, dos particulares a intervir na tomada da decisão pública, e é neste contexto que se deve encarar a boa fé como um conjunto de deveres acessórios que as partes devem respeitar no âmbito de uma relação jurídica administrativa. Desta forma, a figura da aceitação como manifestação de vontade de um sujeito de concordância com o conteúdo de um acto encontra fundamento na boa fé, porque o indivíduo que a presta não pode agir em contrariedade com tal declaração, sob pena de pôr em causa expectativas e investimentos de confiança que os destinatários ou terceiros interessados tenham feito a partir de tal comportamento. Sendo a Administração Pública a principal destinatária do acto de aceitação, será primacialmente face a ela que se deverá tutelar a confiança, pelo que este instituto visa assim também garantir a prossecução do interesse público.
Uma concretização da boa fé ligada à protecção da confiança legítima que pensamos fundamentar especificamente a aceitação do acto é a proibição do venire contra factum proprium, que não permite que se adopte uma conduta com um certo sentido e, posteriormente, se venha adoptar uma outra em sentido contrário. Consiste numa proibição de comportamentos contraditórios, que se justifica pelo facto de, desse modo, não se frustrar a confiança gerada em relação ao sentido dum primeiro comportamento. No caso da aceitação, uma eventual impugnação do acto aceite, corresponderia a uma conduta contrária à inicialmente praticada, pelo que se frustrariam as expectativas daqueles que acreditaram que o sujeito aceitante não iria pôr em causa o conteúdo do acto aceite. Seguimos assim Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira[3], que consideram tal impugnação como um venire contra factum proprium.
Esclarecidos os fundamentos da figura, vamos analisar a caracterização da aceitação ao nível do processo administrativo. Pode discutir-se se a perda do direito de iniciativa do requerente se trata de perda de legitimidade, de falta de interesse em agir ou de um pressuposto processual autónomo. Sabemos que, tanto no CPA (artigo 53º), como no CPTA (artigo 56º), ela vem inserida no âmbito da legitimidade processual. Isto faz com que a maioria da doutrina[4] e a jurisprudência a configurem como um requisito negativo de legitimidade. Para outros autores, porém, trata-se de um pressuposto processual autónomo[5] e para Vasco Pereira da Silva[6] configura-se como uma falta de interesse em agir processualmente.
A legitimidade activa consiste no pressuposto processual através do qual a lei selecciona os sujeitos de direito admitidos a participar no processo levado a tribunal e decorre do 9º do CPTA. Baseia-se na titularidade da relação jurídica controvertida ou na titularidade de um interesse difuso para a acção popular.
O interesse em agir, por outro lado, consiste no interesse do recorrente em obter a tutela judicial de uma situação através do uso de determinado meio processual. Trata-se de aferir a utilidade que o sujeito tem no recurso à via judicial, ou seja, saber se tem uma necessidade de protecção judicial para tutelar os seus direitos e se, ao mesmo tempo, retira uma utilidade na procedência do pedido. O recorrente deve ter um interesse real e actual quando se socorre dum meio processual junto dos tribunais para fazer valer a sua posição jurídica substantiva. O fundamento do interesse em agir como pressuposto processual é a economia processual, pois visa-se evitar que sejam impostos custos e incómodos ao tribunal numa situação que não carece de tutela e que sejam forçadas a vir a juízo pessoas para defender os seus interesses numa situação em que não há necessidade.
Apesar de, no Processo Administrativo, o interesse em agir vir apenas referido a propósito das acções administrativas de simples apreciação (artigo 39º do CPTA), a doutrina tem entendido recentemente que é um pressuposto processual de impugnação geral no contencioso administrativo. Não há razão para delimitar a legitimidade com base num interesse em agir, como já foi feito no passado, fazendo sentido sim autonomizá-lo como pressuposto ao nível do Processo Administrativo[7].
Analisando, então, a possível recondução da aceitação ao pressuposto do interesse em agir, não nos parece haver fundamento para assimilar as figuras. Relacionando-se a aceitação com um acto com aspectos desfavoráveis que lesam direitos do sujeito, parece que este terá sempre necessidade de protecção judicial pois dela retirará sempre uma utilidade. Assim sendo, haverá sempre interesse em agir da parte do sujeito aceitante, razão pela qual não parece possível considerar a figura como um requisito negativo de interesse em agir. A aceitação funda-se num acto de vontade do sujeito e na inadmissibilidade de comportamentos contraditórios, pelo que a utilidade da acção pode perfeitamente subsistir após a aquiescência.
Vamos, então, verificar se é possível reconduzir a aceitação a um requisito negativo de legitimidade. Se averiguarmos os motivos subjacentes à não impugnação no caso da ilegitimidade, verificamos que tal sucede porque o recorrente não é titular de uma posição jurídica substantiva. Já relativamente à não impugnabilidade devido à aceitação do acto, vemos que a razão não é a mesma, pois neste caso a não impugnação deve-se a uma autovinculação do sujeito a um comportamento inicial de concordância com um acto que o impede de contestar depois. Aliás, esta norma legal específica (única no contexto das ordens jurídicas mais próximas) acerca da aceitação seria completamente inútil se a interpretássemos como uma faceta da legitimidade processual. Na verdade, se para a aceitação tácita do acto relevassem apenas os factos que implicassem a extinção do interesse directo, pessoal e legítimo, as normas da aceitação nada acrescentariam, uma vez que a legitimidade, entendida precisamente como interesse directo, pessoal e legítimo, tem de se manter durante todo o processo. Se o indivíduo praticar um facto que extinga o seu interesse na anulação do acto, haverá uma ilegitimidade superveniente que produz efeitos independentemente da existência da norma relativa à aceitação.
Afastadas estas duas possibilidades, subsiste a hipótese de autonomizar a aceitação como um pressuposto processual autónomo, como Vieira de Andrade e Carlos Cadilha. A construção da aceitação do acto como pressuposto processual autónomo, que implica uma inadmissibilidade valorativa do recurso, não provoca uma restrição inconstitucional do direito fundamental a uma tutela judicial efectiva dos administrados, pois há valores constitucionalmente relevantes que justificam o condicionamento e restrição do direito de acesso aos tribunais administrativos, desde que no âmbito da legislação competente para a respectiva ordenação processual.
Integramos assim esta figura no âmbito dos pressupostos relativos às partes. Neste caso, o pressuposto surge formulado pela negativa, exigindo-se que o recorrente não se encontre na posição de ter aceite um acto. Esclareça-se, porém, que a aceitação do interessado não sana a invalidade do acto, apenas impede que aquele que o aceitou, expressa ou tacitamente, dele recorra contenciosamente, sem obstar ao direito de recurso de outros interessados.
Em conclusão, defendemos que a aceitação é um acto jurídico que implica a perda de todos os meios processuais cujo uso revelaria um venire contra factum proprium em relação a uma orientação inicial de aquiescência espontânea, livre e sem reserva, e que contribui desta forma para a estabilização dos efeitos do acto na ordem jurídica.
[1] Cfr. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Aceitação do Acto Administrativo, in BFD – Volume Comemorativo, 2003
[2] Considerando a aceitação como homenagem ao valor da segurança jurídica, SÉRVULO CORREIA, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, 1987. Para PAULO OTERO, prevalecem os valores da segurança e da confiança sobre o direito fundamental de acesso à justiça na aceitação, in Legalidade e Administração Pública, o Sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade, 2003.
[3] Cfr. Código de Processo dos Tribunais Administrativos, vol. I, 2006.
[4] Neste sentido, SÉRVULO CORREIA, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, 1987; MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, vol. I, 1991; RUI MACHETE, Sanação do Acto Administrativo Inválido, DJAP, vol. VII; MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/ PEDRO COSTA GONÇALVES/J. PACHECO AMORIM, Código de Procedimento Administrativo Anotado, 1997; PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública, o Sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade, 2003; e DIOGO FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, vol. IV, 1988.
[5] Neste sentido, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Aceitação do Acto Administrativo, in BFD – Volume Comemorativo, 2003; e CARLOS CADILHA, A Aceitação da Nomeação versus Aceitação do Acto Administrativo, in CJA n.º 37, Jan/Fev 2003.
[6] Cfr. O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2005.
[7] Neste sentido, VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2005; MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2003; JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), 2004.
Ana Teresa Faria n.º16500 Sub-turma 5

Do processo de actos ao processo de partes...

Tarefa 2: Processo Administrativo: Do processo de actos ao processo de partes..


Na concepção clássica do Contencioso Administrativo, desenvolvido em França sobretudo graças ao papel de protagonista desempenhado pelo Conseil d’ Ètat, este assumiu uma feição claramente objectivista, na medida em que o que estava em causa era, acima de tudo, a defesa da legalidade e a prossecução do interesse público por parte da administração. De acordo com as concepções que se afirmaram na época a defesa dos direitos dos cidadãos perante a Administração Pública, era fundamentalmente assegurada por intermédio do Princípio da Legalidade da Administração, conjugado com o Princípio da Separação de poderes, entendido na sua acepção organizatória, tudo conduzindo a que o parlamento se tivesse tornado no órgão central da vida do Estado, pois era ai que a lei era feita, ficando um pequeno espaço de actuação da Administração. Isto explica, que segundo com essa concepção clássica o particular não fizesse valer no contencioso administrativo verdadeiros direitos, tendo um papel quase que funcionalizado ao objectivo de garantir o cumprimento da lei por parte da administração.
Todavia, em Portugal o legislador foi caminhando no sentido da consagração de um processo de partes. Em 1976 impõe através da Constituição, o tratamento do indivíduo como sujeito nas relações administrativas e a sua consideração como parte no contencioso administrativo integrado no poder judicial. Posteriormente com a reforma de 1984/85 as intervenções processuais dos particulares e das autoridades públicas passam a ser equiparadas.
Actualmente, o Código postula não só que a Administração e particulares são partes no processo, como possuem uma igualdade efectiva no âmbito da sua participação processual.

Tânia Pires sub-turma 9 N.º16882

Impugnação de actos administrativos - alguns aspectos

O artigo 212 da CRP atribuí aos tribunais administrativos julgar os processos que tenham por objecto litígios com origem em relações jurídicas administrativas. É uma cláusula geral através do qual se define o âmbito material do exercício jurisdicional do Estado através da ordem jurisdicional administrativa.
Deste modo, o acto administrativo é uma densificação da referida cláusula. Podemos retirar essa conclusão, embora de forma implícita do artigo 212 nº3 da CRP e do artigo 268 nº4 da CRP, nomeadamente na referência feita à impugnação de quaisquer actos administrativos.
De referir que a referida cláusula faz parte do âmbito de uma cláusula maior: a de relações jurídicas administrativas.
O acto administrativo é uma cláusula geral porque abrange todas as condutas, independentemente do seu conteúdo substancial. A relação jurídica administrativa é uma cláusula ainda mais geral confere ao imperativo constitucional de tutela jurisdicional efectiva um âmbito que não depende das formas jurídicas de actuação da administração. Esta situação obriga a que o sistema de meios processuais seja um sistema aberto, que admita figuras atípicas, quando as típicas não sejam suficientes para assegurar a tutela efectiva. Será através do acto que chegamos á relação jurídica administrativa, e inferir se o litígio pertence ou não á jurisdição administrativa.

De facto, o acto administrativo é um modo de criar, modificar ou de extinguir relações jurídicas administrativas, havendo portanto uma interacção entre uma realidade procedimental e uma realidade substancial, realidades essas que serão indissociáveis. O acto é um instrumento de composição de interesses públicos e privados. Como técnica de criação de efeitos, o acto administrativo contamina a relação jurídica administrativa sobre a qual incide, passando esta a ter o conteúdo de acto administrativo. Assim, discutir a validade do acto significa discutir a conformação do mesmo com a relação jurídica que lhe está subjacente, e por isso a sentença que anule o acto transmite uma conformação jurisdicional da relação tal como definida no acto.
Segundo a doutrina alemã, a acção anulatória é a acção através da qual se promove uma alteração imediata da situação jurídica controvertida, o que por si só assegura uma maior tutela jurisdicional.
Apesar de assistirmos a uma maior diversidade de modos de actuação da administração, o acto administrativo “é rei e senhor” nas formas de actuação administrativa em Portugal.

No sistema constitucional português, a consagração da separação de poderes, leva a uma reserva total da função jurisdicional a favor dos tribunais, como sistema de órgãos cujos titulares formam o denominado poder judicial. Podemos afirmar, que os tribunais poderão ter competência para praticar determinados actos administrativos, nomeadamente no que concerne à gestão dos efectivos humanos, mas não poderão assumir a sistemática prossecução de interesses públicos distintos do da observância da ordem jurídica para assegurar a paz jurídica. É a lógica subjacente á ideia de que é necessária uma correspondência entre a função administrativa e os órgãos sujeitos a responsabilidade política, o que não é o caso dos tribunais, pois não são responsáveis politicamente, ao contrário do Governo, que é o órgão superior da Administração Pública e responsável politicamente.
Este raciocínio permite extrair um critério interpretativo das normas que definem o âmbito funcionalmente a jurisdição administrativa. Deste modo, os tribunais não podem dar ao controlo exercido sobre a Administração o carácter de exercício substitutivo das competências materiais dos órgãos administrativos. Porém pode actuar, o tribunal, através da acção para determinação da prática de acto administrativo.
Neste seguimento, quando estejamos perante competências de órgãos da Administração exercidas por acto administrativo, os meios processuais têm de se centrar sobre a figura do acto administrativo.


A conclusão que podemos retirar destes pequenos tópicos sobre a impugnação de acto administrativo, passa pelo seu vital papel no processo administrativo, e por outro lado que no caso de estarmos perante competências administrativas exercitáveis através de acto administrativo, a retenção do acto como objecto do processo respeita a jurisdição e a função administrativas.

Gonçalo Frutuoso sub turma 12

segunda-feira, 26 de abril de 2010

O acto administrativo impugnavel...

Em primeiro lugar, antes de analisar o acto impugnável, vou examinar o acto administrativo. Este serve para definir as actuações da Administração Pública submetidas ao controle dos Tribunais Administrativos. O acto administrativo passou, assim, a ser um conceito que funciona ao serviço do sistema de garantias dos particulares. Logo, o acto administrativo serve primeiro como garantia da Administração e só depois é que serve como garantia para os particulares. Contudo, ao longo do tempo sofreu várias alterações: o Estado Liberal foi caracterizado por uma Administração agressiva, dita de “polícia” tinha como influencias Otto Mayer e Maurice Hauriou; com Estado Social surge uma administração preocupada com os direitos dos particulares, prestadora, caracterizada por actos administrativos favoráveis; por fim o Estado Pós-Social trás consigo o “novo conceito” de Administração, que resulta das várias relações jurídicas, com base na colaboração de entidades públicas e privadas para realizar a função administrativa.
Tratando do acto contenciosamente impugnável, este, tanto pode ser um acto conclusivo do procedimento administrativo, como um acto propulsor do procedimento ou de uma decisão intermédia. Mas, o que importa destacar é o facto deste acto administrativo ter eficácia externa para que possa afectar os direitos ou interesses legalmente protegidos, art. 51º, nº1 Código Procedimento dos Tribunais Administrativos, pois só assim poderá haver impugnabilidade do acto. Desta forma, são actos susceptiveis de impugnação os actos de eficácia externa que lesem apenas a legalidade objectiva e os actos que afectem os interesses difusos.

Em relação à noção de acto administrativo que nos é dada pelo Código Procedimento Administrativo (CPA) no seu artigo 120º que compreende toda e qualquer decisão destinada à produção de efeitos jurídicos numa situação individual e concreta e a noção prevista no artigo 51º do Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos (CPTA) dá-nos uma definição que suscita alguns problemas. Para o Professor Vieira de Andrade o acto administrativo impugnável tanto tem um âmbito amplo como restrito. Considera-o mais amplo na sua vertente orgânica , pois o acto administrativo impugnável inclui não só decisões tomadas por entidades privadas que exerçam poderes públicos como ainda actos emitidos por autoridades não integradas na administração pública, art. 51º, nº2 CPTA. E pode ser mais restrito devido à sua eficácia externa, ou seja, aos actos que produzem efeitos jurídicos no âmbito das relações entre a administração e os particulares. Por sua vez, o Professor Vasco Pereira da Silva refere que a amplitude do acto abarca não só as actuações unilaterais dos órgãos dos outros poderes do estado como as actuações dos particulares em colaboração com a administração no exercício da actividade administrativa, art. 4º, nº1 alineas d) e f) ETAF. Já a vertente mais restritiva não é de admitir porque se compreende também no âmbito do acto administrativo impugnável outras actuações da administração imediatamente lesivas dos direitos dos particulares que tanto podem ser intermédias, como decisões preliminares ou simples actos de execução , além das decisões finais e perfeitas criadoras de efeitos jurídicos novos.

Cátia Dias
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subturma9