No Contencioso Administrativo há uma grande controvérsia quanto à delimitação do âmbito de aplicação destas duas formas de processo, surgindo mesmo o art. 51º, nº 4 CPTA como um meio de resolução de situações mais flagrantes.
Temos, contudo, de ter em conta que existem alguns pontos menos claros, onde a linha entre uma e outra acção é nebulosa e de difícil percepção. Analisemos com calma cada um dos pressupostos.
A acção de impugnação de Actos Administrativos (art. 50º e SS. CPTA), visa, claramente, tutelar uma posição lesada por um acto (maxime, de conteúdo positivo), enquanto a acção de condenação (art. 66º e SS. CPTA) visa, sobretudo, ultrapassar um acto (de conteúdo negativo) e levar a Administração a praticar o referido acto legalmente definido.
Escusamo-nos aqui de referir os casos típicos, tão citados pela doutrina e também pelos colegas em alguns dos trabalhos anteriormente publicados neste blog (cuja leitura aconselho vivamente a quem ainda não o fez…).
Queremos centrar este pequeno trabalho numa lógica de definir a pedra de toque entre estas duas figuras (afinal, como disse um dos meus colegas, a acção de condenação está a tomar o lugar da acção de impugnação de forma “retumbante”).
Ora, olhando para o regime legal verificamos que há uma clara preferência pela acção de condenação, como meio de tutela mais eficaz das intenções do particular – tal decorre do art. 51, nº 4 CPTA, quando o próprio tribunal convida a parte a mudar o pedido e do art. 66º, nº 2 CPTA. Mas temos de ter em conta que este tipo de acção tem pressupostos definidos, latos, mas definidos – os previstos no art. 67º, nº 1 CPTA. Analisemos, brevemente, cada um deles.
Em primeiro lugar, o da alínea a) do referido dispositivo legal: a inércia da Administração em tomar uma decisão no prazo legalmente estabelecido. Muito linear – a Administração, perante um requerimento (v. art. 54º e 74º e SS. CPA) não se pronuncia no prazo estabelecido (art. 108º e 109º CPA para, numa interpretação sistemática, retirar 30 dias úteis ou então um que seja criado em lei especial); o particular, querendo ver a sua pretensão protegida, intenta acção de condenação.
Segundo lugar, o da alínea b): o indeferimento da prática do acto devido, que podemos resumir a uma intenção de o particular fazer valer um direito que considere que é tutelado normativamente e que o acto da Administração claramente viola.
O caso da alínea c), por outro lado, é um caso de recusa de apreciação do próprio requerimento (em clara violação do art. 9º CPA). Caso menos recorrente, mas, nem por isso, inaplicável. Poderíamos considerá-lo quase como um “pré-indeferimento”.
Além destes pressupostos típicos, o Prof. Vieira de Andrade admite o acção para a condenação à prática do acto devido para mais dois casos:
- de inactividade oficiosa comprovada (quando a administração deveria, ex officio, agir num determinado sentido), para defender valores comunitários e alguns interesses particulares
- (em cumulação com impugnação) de indeferimento parcial ou indirecto – quando mera impugnação não consiga uma satisfação integral do interesse do particular
Ora, assim sendo, deveríamos dizer que há, na verdade, dois tipos de pressupostos: o indeferimento do requerimento e a inércia.
Analisemos um caso, que no âmbito da preparação da simulação processual, me levantou algumas questões quanto ao meio processual mais adequado. O caso, em linhas esquemáticas, consiste em: A entra num concurso público para ser nomeado para um cargo, mas a entidade que lançou o concurso vem a cancelá-lo (um acto de cessação). A, claramente, quer que o acto do concurso venha a ser restaurado, considerando (admitamos que o faz com razão) a cessação inválida. Ora, a questão que se coloca aqui é esta: será a pretensão de A, o seu interesse em agir, que o concurso seja represtinado com a anulação do acto ou, mais do que isso, que o Tribunal venha a condenar a entidade administrativa a lançar um concurso – ou mesmo que seja o próprio tribunal a efectuar, materialmente, o concurso? Não há uma resposta fácil, tendo em conta a grande complexidade que aqui se coloca, perante esta situação tão nebulosa…
Parece-nos que a resposta se encontra, como é óbvio, nos pressupostos supra citados.
O pressuposto quanto à inércia não se verifica, quer quanto ao silêncio da Administração atender ao requerimento do particular quer quanto à inactividade desta perante um dever legal, porque há um acto – o acto de cessação do concurso.
Não há igualmente um indeferimento (total ou parcial), porque em momento algum o A faz um requerimento, logo não é possível haver, no acto de cessação, um não deferimento deste. Poderíamos, no entanto, alegar que ao cessar o contrato está, tacitamente, a negar o “pedido de ser devidamente avaliado” para efeitos de admissão para o cargo. Contudo, tal argumentação parece-nos excessiva e não passaria de uma tentativa (pouco feliz) para tentar integrar o caso em apreço na acção de condenação à prática do acto devido.
Também a recusa de apreciação parece estar afastada, uma vez que não há um requerimento por parte do particular que a Administração esteja a recusar apreciar.
Restaria, assim, a figura da impugnação de actos administrativos. Esta é usada quando o autor quer afastar da ordem jurídica um acto que lhe é lesivo. No caso, temos um acto lesivo – a cessação do concurso, que A quereria que fosse afastado da ordem jurídica. Parceria, assim, que a impugnação seria bastante para satisfazer as necessidades de A.
Contudo, não podemos ser tão lineares e devemos procurar a justificação para esta escolha no próprio interesse a titular.
Sabemos que A visa, ao ir a tribunal, que o acto de cessação seja desconsiderado e que a Administração retome o concurso. É esta a pretensão que ele quer fazer valer: a manutenção do concurso! Ora, tal poderia ser conseguido através de uma condenação do tribunal para que a entidade pública efectuasse o concurso. Mas… seria necessário ao tribunal condenar a Administração a praticar o acto ilegalmente recusado ou omitido (a abertura do concurso?). Aqui, o que há é um acto ilegalmente tomado. Ora, ao impugnar o acto, o TAF vai afastar da ordem jurídica aquele acto, fazendo, assim, com que o concurso “reabra”, satisfazendo plenamente a satisfação de A quanto à manutenção do concurso.
Parece-nos, neste caso, que deveria colocar-se uma acção de impugnação do acto de cessação do concurso.
Pedro Augusto Albuquerque, nº 16818, Subturma 12
Bibliografia
ANDRADE, José Carlos Vieira de, “A Justiça Administrativa”, 10ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009
BARBOSA, Paula, “A Acção de Condenação no Acto Administrativo Legalmente Devido”, AAFDL, Lisboa, 2007
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