A admissibilidade de órgãos como partes processuais coloca vários problemas no âmbito do contencioso administrativo, quer quanto à sua legitimidade quer quanto à sua personalidade…
Ora, no Código do Procedimento Administrativo (CPTA) apenas vem regulada expressamente a legitimidade processual, não havendo qualquer referência quanto a questões de personalidade judiciária. Contudo, estes é, prima facie, o pressuposto que queremos analisar, de forma a correctamente compreendermos a legitimidade dos órgãos da Administração, uma vez que não faz sentido falar em legitimidade quando não há uma personalidade judiciária.
Personalidade Judiciária
Esta figura surge, no processo civil, como a “susceptibilidade de ser parte [em juízo]”, conforme a definição do art. 5º CPC. Não havendo, como já dissemos, qualquer referência no CPTA sobre este pressuposto processual, devemos aplicar a referida norma do CPC por força do art. 1º CPTA. Assim, usamos os critérios do processo civil para verificar quem é ou não passível de ser parte no processo administrativo.
Ora, o primeiro critério é o referido no nº 2 do art. 5º CPC, i.e., a equiparação de personalidade jurídica a personalidade judiciária. No caso em apreço, claramente não é o caso – os Órgãos da Administração são partes integrantes da Pessoa Colectiva Pública que compõem, não havendo uma autonomia jurídica entre esta e aqueles.
Teríamos então de aplicar os critérios subsidiários dos art. 6º e 7º CPC. Contudo, também aqui encontramos problemas. Estes artigos são taxativos. Prevêem realidades diversas, mas não englobam aqui o Estado. Ora, tal posição pareceria impor que não há personalidade judiciária dos órgãos [neste sentido, v. Ac. STA 3/3/2010, Processo 0278/09, Rel. João Belchior, mas desta feita quanto à personalidade judiciária dos Ministérios em Acção de Responsabilidade Civil Extracontratual]. Tal solução está em perfeita harmonia com o art. 10º, nº 2 e 3 CPTA.
Contudo, tal posição não é de acolher, centrando-se as nossas dúvidas no art. 10º, nº 6 CPTA, que admite um litígio entre dois órgãos da mesma pessoa colectiva. Se os órgãos não têm personalidade judiciária, então este seria uma contenda onde a entidade X iria estar em tribunal contra… a entidade X! Ora, claramente se coloca aqui, a título de legitimidade, um problema evidente de personalidade judiciária (ou então de que o legislador precisa de um psiquiatra…). Perante esta situação específica, devemos então tentar delinear a natureza processual que assumem os órgãos administrativos no âmbito do processo administrativo.
Além da norma geral acima referida, no âmbito do processo administrativo especial de impugnação de actos administrativos, o art. 55º, nº 1, alíneas d) e e) fazem referência a órgãos administrativos com legitimidade para requerer a anulação de actos de outros órgãos.
Em todos estes pontos, o Código, a título de legitimidade fala directamente de órgãos administrativos enquanto partes no processo. Mas, segundo a parca jurisprudência e na parquíssima doutrina, os órgãos de pessoas colectivas públicas não se consideram como dotadas de personalidade judiciária.
Tal, contudo, não parece ser a posição a adoptar. Ora, a personalidade judiciária é um pressuposto processual que condiciona todos os outros, como diz o Prof. Castro Mendes, i.e, só faz sentido falar se os órgãos administrativos são ou não legítimos se estes tiverem personalidade judiciária. Se recusarmos, à partida, a personalidade judiciária, temos de considerar os art. 10º, nº 6 e 55º, nº1, alíneas d) e e) CPTA como aberrações que deveriam ser afastadas. Não podemos fazê-lo, nem que seja em homenagem ao art. 9º, nº 3 CC. Encontremos então um sentido útil para estes preceitos normativos.
Temos de ter em conta que há uma relação íntima entre a figura da legitimidade processual e da personalidade judiciária (uma implicância directa e inversa, nas palavras da Prof. Paula Costa e Silva), onde se pode retirar de uma admissão de legitimidade processual, implicitamente, a consagração da sua personalidade judiciária. Esta parece ser a solução mais adequada para resolver esta inconsistência do sistema. Contudo, tal personalidade seria muito reduzida, qual princípio da especialidade, às acções em que o CPTA dá legitimidade aos órgãos (tal é a posição defendida pelo Prof. Vieira de Andrade).
Defendemos assim, uma personalidade judiciária dos órgãos administrativos, num âmbito limitado.
Pedro Augusto Albuquerque
Bibliografia
ANDRADE, José Carlos Vieira de, “A Justiça Administrativa”, 8ª Edição, Almedina, Coimbra, 2006
FAUSTINO, Paula Bordalo, “Reflexões Acerca da Legitimidade Activa Singular no Contencioso Administrativo – Estudo Comparado do Actual Regime com o da Nova Reforma”, s.e. (relatório de mestrado na ULFD), Lisboa, 2003
RATO, António Esteves Fermiano, “Contencioso Administrativo: Novo Regime Explicado e Anotado”, Almedina, Coimbra, 2004
SILVA, Paula Costa e, “O manto diáfano da personalidade judiciária”
in: “Estudos em honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão”, vol. 2, Coimbra, 2008
segunda-feira, 17 de maio de 2010
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