Os processos cautelares, antes da reforma, reduziam-se à suspensão da eficácia do acto. Este meio, era visto como um meio acessório e era claramente deficiente pois só valia relativamente aos actos administrativos positivos, deixando de fora, tanto os actos com efeitos negativos, como as normas; e também por impossibilitar a sua procedência se daí resultasse um “prejuízo grave” para o interesse público dispensando-se a ponderação dos interesses em causa.
A necessidade de reforma surgiu pela, sentida, fraca tutela dos direitos do administrando mas também pela consagração constitucional expressa, com a revisão constitucional de 1997, da “protecção cautelar adequada como uma dimensão do principio da tutela judicial efectiva” (Vieira de Andrade em “A justiça administrativa”).
O Princípio da tutela judicial efectiva está assim consagrado, de forma genérica, no artigo 20º da constituição. No nº 1 do referido artigo é assegurado a todos o acesso ao Direito e aos Tribunais “…para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos…”, mas é no nº5 que encontramos aquilo que é relevante em matéria de processo cautelar, prevendo-se, genericamente, que “para a defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”. Tem-se entendido que o procedimento cautelar existe como uma consagração do princípio da tutela efectiva, porque para uma tutela efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, o direito de acção e de recurso por vezes se demonstram ineficazes, que pelo facto do acto já ter sido praticado e pela morosidade de uma decisão judicial, o particular acaba por não tirar qualquer utilidade da sentença. O procedimento cautelar tem, assim, como função salvaguardar um efeito útil de uma futura decisão judicial.
Está novamente previsto, agora em especifico, no título respeitante à administração pública, no artigo 268º/4 que, para além de prever repetidamente a garantia de tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados, prevê expressamente a “adopção de medidas cautelares adequadas”. Este direito à tutela jurisdicional efectiva é entendido, por Gomes Canotilho (e não só), como um direito que goza da protecção concedida aos direitos, liberdades e garantias, por se tratar de um direito fundamental de natureza análoga, aos quais o regime daqueles é estendido pelo artigo 17º CRP.
O princípio da tutela efectiva, para além de vir consagrado na CRP, está também consagrado no artigo 2º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e ainda no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
As providências cautelares estão previstas no artigo 112º CPTA e do seu nº1 conseguimos retirar três elementos:
1.Legitimidade, as providências cautelares podem ser intentadas por quem tenha legitimidade para intentar um processo juntos dos tribunais administrativos. A legitimidade é aferida nos termos do art. 9º CPTA que considera ser parte legitima “quem alegue ser parte na relação material controvertida” e no seu nº2 estende a legitimidade a processos principais e cautelares, àqueles que, mesmo não tendo um interesse pessoal na demanda, pretendam defender valores e bens constitucionalmente protegidos. Estão assim abrangidos “…qualquer pessoa, bem como as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o ministério público…”.
2.Providência cautelar antecipatória ou conservatória. As providências antecipatórias (art. 120º/1 c) ), são aquelas que têm como objectivo a concessão de um certo direito provisoriamente, quando haja um fundado receio de produção de prejuízos de difícil reparação, mas que só serão concedidas quando se preveja que a acção principal possa vir a ser julgada procedente. Por outro lado, as providências conservatórias (art.120º/1 b) ), são aquelas que se destinam a salvaguardar a situação constituída, anterior à data do procedimento cautelar de modo a evitar previsíveis prejuízos de difícil reparação e, ao contrário do que sucede com as antecipatórias, a providência será concedida excepto quando seja manifesta a falta de fundamento ou quando existam circunstâncias que obstem o conhecimento do mérito da pretensão.
3.Adequação para assegurar a utilidade da sentença a proferir. A providência cautelar deve ser concedida quando demonstre ser o meio adequado para evitar a lesão do direito ou interesse que o requerente pretende ver protegido na sentença proferida na acção principal.
Para além do artigo 112º, o artigo 120º CPTA estabelece os requisitos que têm que ser respeitados para que a providência possa ser decretada.
Na alínea b) do nº1 do artigo 120º CPTA, impõe-se que, no caso de providências conservatórias, o requerente tem apenas o ónus de provar que a sua pretensão não é manifestamente infundada e que existe um fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação. Por sua vez, a alínea c) do mesmo número do mesmo artigo, prevê que para o caso de providências antecipatórias, para além disso, o requerente terá, ainda, que provar que a pretensão que formulou no processo principal será provavelmente julgada procedente (o juiz, através de um juízo de prognose, deve atender ao grau de probabilidade de êxito do processo principal, mas dentro dos limites do processo cautelar porque não se pode antecipar um juízo de mérito).
O nº2 do artigo 120º CPTA prevê um juízo de proporcionalidade pelo tribunal para a concessão da providência, ou seja, impõe que se faça um juízo de ponderação entre os benefícios, públicos e privados, e os danos que possam resultar da concessão da providência cautelar. Tem-se entendido, seguindo o pensamento de Miguel Prata Roque, que ponderados estes benefícios/danos através de um juízo de prognose, só poderá ser negada a providência cautelar se houver um grau de convicção muito próximo da certeza da superioridade dos interesses dos requeridos. Não se pode fundar na mera probabilidade, pois estão em causa possíveis prejuízos de difícil reparação e deste modo, quando não haja certeza deve-se decidir in dubio pro.
Por fim, o artigo 120º nº3 vem impor um último requisito: o principio da necessidade e da adequação. As providências cautelares devem limitar-se ao necessário e ao que se revele mais adequado para evitar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente. Tendo em consideração a necessidade e a adequação, o tribunal não está vinculado à providência requerida pelo titular do interesse ameaçado, podendo adoptar outra ou outras providências, em cumulação ou em substituição da requerida. Esta ponderação de necessidade e adequação tem como objectivo permitir que os interesses do requerente fiquem salvaguardados com o menor sacrifício possível dos interesses do requerido, implica no fundo uma ponderação de equilíbrio.
Bibliografia:
- ALMEIDA, Mário Aroso – “ O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos” – Coimbra, 3ª edição, 2005
- VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos – “A Justiça Administrativa” (Lições) – 8ª Edição
- GALANTE ALVES, Eduardo André – “O Procedimento Cautelar no Novo Contencioso Administrativo” – Relatório de Mestrado realizado no âmbito da disciplina de Direito Constitucional, Mestrado em ciências jurídico-políticas – 2007/2008
- PINA, Catarina Moreno – “Providências Cautelares a 120.º…Mas com Critérios. (no âmbito do contencioso administrativo)” – Relatório na disciplina de Contencioso Administrativo, Mestrado em Administração Pública – 2006/2007
- MARTIN, Sophia Caetano – “Da providência Cautelar para a suspensão de eficácia de normas com efeitos circunscritos ao caso do requerente”- Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas – 2006/2007
- MARTINS CUNHA, Ana Gouveia e Freitas – “A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo (Em especial, nos procedimentos de formação dos contratos)” – Dissertação de Mestrado em ciências jurídico-políticas - 2002
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