quinta-feira, 13 de maio de 2010

O SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO ÓRGÃO CONSULTIVO DO GOVERNO EM MATÉRIA CONTENCIOSA ADMINISTRATIVA – UMA VIDA EM SOBRESSALTO.

Certidão de Nascimento e primeiros anos de vida - Separado formalmente do Conselho de Estado, que retoma a sua história de órgão de consulta política do Rei e seu Governo, o Supremo Tribunal não é alvo de uma reorganização estrutural, apesar do que o nome parece indiciar.
Em 11 de Junho de 1870, dois dias depois da criação do Supremo Tribunal Administrativo, foi estabelecido que este desempenhasse as «atribuições que, pela legislação anterior, competiam à Secção do Contencioso Administrativo do Conselho de Estado, nos mesmos termos e pela mesma forma que estava determinado nos respectivos regulamentos» (artigo1.º).Do ponto de vista material, continua tudo como dantes: o Supremo Tribunal Administrativo mantém a competência consultiva detida pelo Conselho de Estado em matéria contenciosa e de violação de lei administrativa, bem como a competência contenciosa fiscal e aduaneira e de contencioso das contas. Ao Supremo Tribunal Administrativo não competem, porém, as tarefas consultivas em matéria de administração pura, detidas pela secção administrativa do antigo Conselho de Estado, que, como se viu, passaram para o Procurador Geral da Coroa e da Fazenda «em conferência com os seus ajudantes» (artigo6.º do Decreto de 9 de Junho de 1870).
De novo o sistema jurídico-administrativo português, apesar da influência francesa, mantém uma linha evolutiva própria: ao contrário do Conseil d’État que, ao lado das funções consultivas de contencioso administrativo, possui funções consultivas em matéria de administração pura, o novo órgão herdeiro do Conselho de Estado, o Supremo Tribunal Administrativo, é um órgão que se vai pronunciar exclusivamente sobre questões contenciosas e, assim, pode dizer-se que se apresenta como um verdadeiro tribunal.
Cinco anos mais tarde, a Lei de 1 de Abril de 1875 altera a nomeação e categoria dos juízes do Supremo Tribunal Administrativo, passando estes a ser sete efectivos, um o Presidente, e dois suplentes. Junto do Supremo Tribunal Administrativo funcionam como Ministério Público dois ajudantes do Procurador Geral da Coroa e da Fazenda.
O diploma prevê que o tribunal pode funcionar com quatro membros presentes, mas para haver vencimento são necessários três votos conformes (artigo14.º). A exigência de um mínimo de conformidade de votos serve para dar autoridade à consulta, mas não deixa de ser um travão ao pluralismo enriquecedor.
Anunciada em 1870, concretamente na determinação de 11 de Junho de 1870, a lei processual do Supremo Tribunal Administrativo só foi aprovada e entrou em vigor dezasseis anos depois (Regulamento de 25 de Novembro de 1886). Antes disso, o tribunal vivia de acordo com a lei processual de 1850, constante do Regulamento do Conselho de Estado.
Nesta altura, o Código Administrativo de Costa Cabral (1842), é substituído, em 1878, pelo Código Administrativo de Rodrigues Sampaio.
Na discussão para a aprovação do Código houve a divulgação da tese republicana, já presente em Portugal, que dispunha que o julgamento do contencioso administrativo devia ser atribuído aos tribunais comuns. Mas a discussão que opôs Luciano de Castro a Rodrigues Sampaio parece ter sido a que maior impacto obteve no novo Código. O primeiro advogava a atribuição do julgamento do contencioso administrativa tribunais especiais, com garantias de independência e de imparcialidade, em substituição dos Conselhos de Distrito do Código cabralino; o segundo defendia a conservação destes. Foi a última a solução que vingou. Os Conselhos de Distrito, órgãos de primeira instância do contencioso administrativo, continuam com a mesma presidência e número de vogais. Exige-se somente que dois destes sejam formados em Direito.
Das decisões dos Conselhos de Distrito continua a admitir-se recurso, desta vez para o Supremo Tribunal Administrativo (artigo 259.º). A renovação da organização da justiça administrativa na discussão do novo Código Administrativo chamou a atenção para as dificuldades consequência da falta de imparcialidade de certas decisões do contencioso administrativo, em razão da necessidade de homologação governativa das consultas do Supremo Tribunal Administrativo, concretamente as decisões sobre a validade das eleições das comissões de recenseamento eleitoral. A necessidade de homologação tornava dificil a tomada de decisões desfavoráveis ao partido do Governo. Assim, a Lei de 8 de Maio de 1878 atribuiu, pela primeira vez no ordenamento jurídico‑administrativo português, força executória própria às decisões do Supremo Tribunal Administrativo, em matéria de validade das eleições das referidas comissões de recenseamento eleitoral (artigo17°).
Com o partido progressista no poder, surge o desejo de reforma do Código de 1878 e das leis sobre o «contencioso da administração». Em 1886, um novo Código Administrativo, aprovado pelo Governo de José Luciano de Castro, entra em vigor. A justiça administrativa de primeira instância sofre uma alteração através da substituição dos Conselhos de Distrito por tribunais administrativos distritais, formados por três juízes nomeados em comissão pelo Governo (Ministério do Reino), por três anos, de uma lista de candidatos à magistratura judicial apresentada pelo Ministro da Justiça (artigos 268.º e 269.º). Junto de cada tribunal, as funções do Ministério Público são desempenhadas por agente privativo nomeado de entre os delegados do procurador do rei(artigo279.°).
Além de competência de decisão em matéria contenciosa, os tribunais administrativos distritais continuam, ainda, a ter competência consultiva em questões administrativas (artigo 287.º). Em 12 de Agosto de 1886, estes tribunais têm uma lei processual própria.
A ideia de entregar o contencioso administrativo aos tribunais comuns é surge de novo. Para o seu abandono invoca-se a necessidade de proteger a magistratura judicial das «ardentes controvérsias da política partidária» em que esta viria a estar envolvida se lhe fosse atribuído o julgamento do «contencioso administrativo», o que significa concluir por uma fundamental diferença entre o contencioso da administração e o comum. No entanto, e por força do artigo 23.º do Regulamento do processo perante os tribunais administrativos distritais, de 12 de Agosto de 1886 «a execução dos acórdãos proferidos pelo tribunal administrativo e a cobrança das multas por ele impostas» são «promovidas perante os tribunais ordinários, segundo as formalidades prescritas na lei de processo civil».

A atribuição de competência consultiva em matéria de administração pura ao Supremo Tribunal Administrativo - em 1886, o Supremo Tribunal Administrativo é renovado – Decreto de 29 de Julho – e conhece a lei processual – Regulamento de 25 de Novembro, legislação que é complemento necessário do Código Administrativo, aprovado por Decreto de 17 de Julho do mesmo ano.
Da renovação resultou a atribuição ao Supremo Tribunal Administrativo das competências consultivas em matéria de administração pura, competências que haviam sido entregues ao Procurador Geral da Coroa e seus ajudantes em 1870. No relatório que acompanha o diploma afirma-se que seria melhor «sem dúvida a organização do conselho de estado administrativo para aconselhar o governo na preparação das propostas de lei e regulamentos e na resolução das mais graves dificuldades da administração pública, como em França, na Itália e em Espanha, mas a essa organização» opõe.se «a situação financeira do Estado», que determina «o dever de renunciar a todas as despesas que não sejam manifestamente indispensáveis». Razões financeiras obrigam o Estado ao aproveitamento do Supremo Tribunal Administrativo tal como estava constituído, atribuindo‑lhe funções consultivas em matéria administrativa (artigo5.º, §4.º do Decreto de 29 de Julho e artigos 109.º e ss. do Regulamento de 25 de Novembro), descaracterizando como tribunal e aproximando-o do Conseil d’État (França). Também, por razões financeiras, reduzem-se os vogais efectivos do Conselho, mantendo-se o seu vencimento de 1.600$00 réis anuais e criam-se vogais extraordinários, sem direito a vencimento, para ajudarem nas funções consultivas (artigo5.º, §1.º, do Decreto de 29 de Julho).
A nomeação de cada vogal efectivo do Supremo Tribunal Administrativo só podia recair em pessoas formadas em Direito, que tenham dado provas de reconhecida capacidade no exercício de cargos superiores do Estado, na prática de foro ou na publicação de obras sobre Administração Pública, essa capacidade deveria ser reconhecida pelo Governo. Os vogais extraordinários, os directores-gerais, bem como os governadores civis com mais de dez anos de serviço e os vogais dos tribunais do contencioso de primeira instância também com mais de dez anos de serviço têm preferência na nomeação.
As funções de Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo eram exercidas por dois ajudantes do Procurador Geral da Coroa e da Fazenda. Como órgão consultivo em matéria de administração, o Supremo Tribunal emite parecer sobre regulamentos gerais da administração pública, propostas de lei e outas questões que o Governo lhe submeter. Como órgão consultivo em matéria de contencioso administrativo, não só conhece dos recursos interpostos directamente de actos de autoridades administrativas como dos recursos dos acórdãos dos tribunais administrativos distritais, do Tribunal de Contas, neste caso só por incompetência, transgressão de fórmulas ou violação de lei e dos recursos dos conselhos de direcção do Ministério da Fazenda. Tm também competÊncia para conhecer dos conflitos de jurisdição entre autoridades administrativas e judiciais e dos conflitos de competências entre autoridades administrativas.
Por intermédio da lei processual do do Regulamento de 25 de Novembro de 1886, foi expressamente consagrado o recurso directo dos actos administrativos ministeriais, criando-se um processo especial de julgamento: voto de todos os Conselheiros de Estado e exigência de cinco votos conformes (artigo 6.º) – nos restantes casos exigem-se somente três votos conformes.
Ainda, pela primeira vez, a lei processual permite que o Supremo Tribunal Administrativo, na sua competência contenciosa, avoque processos «em razão de não terem os tribunais administrativos distritais proferido a sua decisão no prazo legal» (artigo 1.º e 6.º), atribuindo-lhe, assim, uma actividade de administração activa, que tira lhe tira o carácter de natureza de órgão passivo e independente. Esta competência acresce à do conhecimento dos «protestos contra as demoras que houver no julgamento, instrução ou remessa dos processos perante os tribunais administrativos distritais» (artigo 1.º e 5.º), competência igualmente longe das que inicialmente lhe eram reconhecidas.
O recurso interposto pelo Ministério Público – acção pública – em defesa do interesse público e da lei, continua previsto e reconhece-se que, em caso de desistência do recurso interposto por particular, este se não extingue, se houver «motivo de interesse público que se oponha», caso em que o agente do Ministério Público fará prosseguir o recurso (artigo49º).
Nos «recursos por incompetência e excesso de jurisdição», o tribunal «deliberará somente acerca deste ponto» (artigo45ºe 1º), tudo indicando que, nos demais casos – matéria do contencioso administrativo –, ojulgamento possa ser de plena jurisdição. Continua clara a distinção entre o material contencioso e o gracioso ou de administração pura e o tertium genus de que se falou já, ou seja, na violação da norma legal não acompanhada da lesão de um direito subjectivo.
As consultas do Supremo Tribunal Administrativo em matéria de contencioso administrativo são submetidas depois a sanção régia e referendadas pelo ministro competente (artigo 43º). Se o Governo nao concordar irá resolver o assunto em Conselho de Ministros, ouvido o Procurador Geral da Coroa, mas tem de fundamentar as razões da sua divergência (artigo 43º e 1º).
É a primeira vez que o ordenamento jurídico português se confronta com o problema da não aceitação de uma consulta do Supremo Tribunal Administrativo e a solução que consagra atinge a autoridade deste órgão, que fica colocado nas mãos do Rei e seu Governo.
O Supremo Tribunal Administrativo sai da reformulação de 1886, e tendo presente as normas processuais aprovadas neste mesmo ano, enfraquecido em poder e desvirtuado em funções.


Inês Guisadas
Nº 16958
Turma: A
Subturma: 9

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