Expressamente prevista nos artigos 9º e ss Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante CPTA), a legitimidade constitui um pressuposto processual. São pressupostos processuais, todos os requisitos necessários para que o tribunal possa proferir uma decisão, ou como refere Vieira de Andrade, constituem pressupostos processuais, ou condições de procedibilidade, “ os elementos de cuja verificação depende, num determinado processo, o poder-dever do juiz se pronunciar sobre o fundo da causa, isto é, de apreciar o mérito do pedido formulado e de sobre ele proferir uma decisão…”. Assim, enquanto pressuposto processual relativo aos sujeitos, está indissociavelmente ligada aos problemas da qualidade de parte. De acordo com a lógica clássica, a legitimidade constituía o critério de acesso ao juiz, e esta era determinada em razão do interesse directo, pessoal e legitimo dos particulares no afastamento do acto administrativo da ordem jurídica. Hoje, a legitimidade decorre da alegação da posição de parte numa relação material controvertida, o que significa que o critério, é agora o da atribuição da legitimidade “ em razão da posição dos sujeitos e da alegação de direitos e deveres recíprocos, na relação jurídica substantiva”. Tem portanto, de haver assim uma ligação entre a relação material/substantiva e a relação processual/adjectiva.
Deve, neste sentido, começar por separar-se legitimidade activa e passiva, consoante implique titularidade do direito de acção, ou relativa a entidade contra quem se formula o pedido/ entidade prejudicada pela sua procedência.
No que respeita a legitimidade activa, estabelecida no art 9º CPTA, é regra geral, considerada parte legitima o autor, quando “alegue ser parte na relação material controvertida”, ou seja, sempre que alegue ser titular de um direito ou interesse legalmente protegido. Salienta Vasco Pereira da Silva, que “basta alegação plausível, pelo autor, da titularidade da posição subjectiva respectiva, pois, «saber se ele é ou não titular do direito é algo que pertence ao fundo da causa»”, ou seja é algo que se vem a descobrir no próprio processo.
Mas, em bom rigor, a legitimidade activa, prevista no art.9º CPTA, pode caber, não apenas a particulares como também a entidades públicas. Vem, neste sentido, o art.9º/2, estender a legitimidade processual a quem não alegue, nos termos do nr 1, ser parte numa relação material que proponha submeter à apreciação do tribunal. Este preceito tem portanto em vista o exercício por parte dos cidadãos, do direito de acção popular. Esta, traduz-se, num alargamento da legitimidade processual activa a todos os cidadãos, independentemente do seu interesse individual ou da sua relação específica com os bens ou interesses em causa.
Esta abertura, vem igualmente prevista no art 52º/3 CRP, o que faz desta norma uma das mais importantes conquistas processuais para a defesa de direitos e interesses fundamentais constitucionalmente consagrados.
Retiram-se, pois destes dois números do art. 9º CPTA, que para além dos sujeitos privados, que actuam na defesa dos seus próprios interesses (9º/1), sejam também abrangidos e considerados como sujeitos processuais, o actor público e o actor popular. Estes, agem para a defesa da legalidade e do interesse público “independentemente de ter interesse pessoal na demanda”, prosseguindo a tutela objectiva de bens e valores constitucionalmente protegidos como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais.
Cabe portanto distinguir: Quanto á legitimidade activa: nos termos do 9º/1, o contencioso administrativo, com a intervenção dos particulares, individualmente considerados assume a sua função predominantemente subjectiva (de protecção dos direitos dos particulares). No entanto, no âmbito do 9º/2 CPTA, assume já uma função predominantemente objectiva, de tutela da legalidade e do interesse público, que é realizada de forma mediata pela acção de defesa de direitos, e de forma imediata através da intervenção do actor público e do actor popular (art. 9/2 CPTA).
No que respeita a legitimidade Passiva, o critério é também o da relação material controvertida, considerando-se como partes as entidades públicas, mas também os indivíduos ou pessoas colectivas privadas, sujeitos às obrigações e deveres simétricos dos direitos subjectivos alegados pelo autor. São portanto sujeitos passivos, as partes contra quem se vai propor a acção. Nestes termos, a legitimidade passiva, caberá em princípio ao titular do dever na relação material controvertida, em regra, uma pessoa colectiva pública, mas também aos terceiros contra-interessados, enquanto prejudicados directos com a procedência do pedido. No entanto, tal como refere Vieira de Andrade, poderá também suceder que os pedidos sejam dirigidos contra sujeitos privados, “ quando estes, pela actividade que desenvolvem, sejam equiparados a entidades publicas, quer quando estejam em causa pretensões contra eles de outros sujeitos privados, perante a inércia administrativa ou mesmo de pessoas colectivas publicas que não possam ou não queiram utilizar os seus poderes de autoridade”.
Vasco Pereira da Silva, salienta ainda como características da moderna Administração, a dimensão multilateral das “formas de actuação administrativa”. Considera neste sentido, que hoje, muitas das relações administrativas já não são simplesmente bilaterais, ou seja, já não se perspectivam numa simples relação entre dois sujeitos (particular vs autoridade administrativa), sendo antes multilaterais, por implicarem o envolvimento ou chamamento a juízo de todos os titulares da relação material controvertida, ou seja de todos os sujeitos situados em pólos diferentes dessa mesma ligação.
No contexto da reforma do Contencioso Administrativo, e não obstante se ter mostrado mais preocupado com os problemas das relações bilaterais, o legislador parece ter tido em conta, a realidade da dimensão multilateral das formas de actuação administrativa, que marca os dias de hoje e a consequente necessidade de fazer destes intervenientes, sujeitos processuais. Consagrou assim algumas normas relevantes neste âmbito: art. 12º (coligação), 48º (processos em massa) e 57º (contra-interessados) CPTA. Previu-se, neste sentido, a possibilidade da ocorrência de situações de pluralidade de partes que correspondem às figuras gerais do litisconsórcio e da coligação.
Haverá portanto litisconsórcio nos casos em há um único pedido, assim como uma única relação jurídica substancial em litígio. Assim, , quando todos os pedidos são formulados por todas as partes - litisconsórcio activo- e, quando formulados contra todas as partes - litisconsórcio passivo. Considera ainda quanto a este respeito, o Professor Viera de Andrade, estar previsto no art. 10/8 CPTA, um litisconsórcio necessário passivo nas pretensões dirigidas contra uma entidade pública, entre essa entidade e outra(s), cuja colaboração seja exigida pela satisfação de tais pretensões.
Conclui-se nestes termos, que este pressuposto processual –Legitimidade- ,assegura que no Contencioso Administrativo, haja uma efectiva tutela a quem quer que se lhe dirija. Assim, e apesar de ter na sua base ou como sua função principal a tutela de interesses particulares, é ainda necessário ter-se em consideração a sua função objectiva de defesa da legalidade e do interesse público. Pelo que, assegura uma efectiva tutela, não apenas relativamente aos indivíduos que intervêm em defesa dos seus direitos e interesses, mas também quanto aos outros sujeitos, que de alguma forma sejam afectados pela prática ou omissão do acto administrativo.
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