terça-feira, 4 de maio de 2010

Modelos de justiça administrativa

A leitura do actual modelo do contencioso administrativo português só pode ser feita através do estudo da sua evolução histórica e com o auxílio do Direito Comparado.
Em termos latos, a contraposição de modelos relativos à justiça administrativa, pode ser feita pela diferenciação entre os modelos objectivistas e os subjectivistas, tendo por base dois critérios: a função e o objecto do processo administrativo.
Nos modelos objectivistas, a principal função é a defesa da legalidade da actuação administrativa, tendo por base um preponderante interesse público que se identifica com a legitimidade do exercício do poder administrativo.
Contrariamente, nos modelos subjectivistas, a função do processo é, à semelhança do que acontece no Processo Civil, a defesa dos interesses próprios dos particulares, consubstanciados nos direitos individuais. Nestes casos, a lesão dos direitos particulares, permite recorrer aos tribunais para se julgar a actuação administrativa do ponto de vista dos cidadãos.
A diferenciação de modelos é explicada pela história.
O modelo tradicional de processo administrativo, o modelo francês, altamente objectivista deve-se à sua génese liberal e consequentemente na estrita separação entre o poder administrativo e o poder judicial. Neste modelo, o poder de julgar a actuação da administração foi entregue a tribunais administrativos, que não eram normalmente verdadeiros tribunais mas sim entidades administrativas independentes cuja actuação era jurisdicionalizada.
Neste processo, a fiscalização limitava-se ao recurso de anulação de actos e a certas acções mais restritas no âmbito contratual e de responsabilidade civil.
Posteriormente, com a evolução do pensamento sobre a separação de poderes e da tutela judicial da actuação administrativa, surgiu o modelo alemão influenciado por uma corrente anglo-saxónica mais preocupada com a tutela de interesses subjectivos em detrimento da estrita legalidade da actuação administrativa.
Em Portugal, o contencioso administrativo surgiu na época liberal, pelo que foi incutido pelo espírito objectivista do modelo francês, baseando-se nos princípios da separação de poderes e da legalidade.
No período decorrente até à entrada em vigor da Constituição de 1976, alternou-se entre modelos mais ou menos legalistas mas sempre com base na ideia de que julgar a administração é ainda administrar e portanto as interferências judiciais devem limitar-se ao estritamente necessário para apurar da legalidade da actuação.
A reforma mais relevante foi introduzida precisamente com a Constituição de 1976 que formulou um modelo judicialista, consagrando em definitivo a existência de tribunais administrativos e definindo-os como verdadeiros tribunais competentes na jurisdição administrativa.
Muito relevante foi ainda a revisão de 1982 que, para além do alargamento da jurisdição administrativa, veio prever uma nova forma de acesso aos tribunais administrativos: a acção de reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos, mecanismo que veio permitir uma maior tutela directa de posições jurídicas subjectivas. Para além disso introduziu-se a figura impugnatória de normas, abrangendo os regulamentos estaduais.
Na revisão de 1989 foi introduzida a jurisdição administrativa como obrigatória, sendo a jurisdição aplicável em matéria administrativa.
O actual contencioso é marcadamente subjectivista, não só pelo alargamento dos meios de acção contenciosa mas também pelo alargamento das entidades com legitimidade activa para intentar a acção (arts 9.º; 40.º; 55.º; 68.º e 73.º CPTA).
São ainda traços do modelo subjectivista a possibilidade de cumulação de pedidos prevista em termos bastante alargados: art. 37.º CPTA.
Foi igualmente consagrado o princípio da tutela jurisdicional efectiva: art. 2.º CPTA e 268.ºCRP, de modo a garantir que todos os sujeitos com legitimidade activa possam efectivamente fazer uso do processo administrativo.
Finalmente é ainda consagrado o princípio da igualdade de armas em similaridade com o Processo Civil, prevendo a igualdade entre o recorrente e a administração e consagrando assim um processo de partes.

É assim evidente que a reforma no contencioso administrativo quis introduzir um modelo subjectivista, na perspectiva das partes e da sua efectiva tutela, não esquecendo, no entanto a sua origem histórica e a finalidade primária que corresponde igualmente à fiscalização do exercício do poder administrativo.


Marta Sofia Antunes: A1
N.º 16952

Sem comentários:

Enviar um comentário