quarta-feira, 19 de maio de 2010

O “Fenómeno” dos Processos em Massa



Uma curiosa norma que me chamou a atenção foi a constante do artigo 48º do Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos que, a meu ver, é uma concretização absoluta dos princípios da economia e da celeridade processual. Dispõe o nº1 desse artigo que ao serem intentados mais de vinte processos que se reportem à mesma relação jurídica material ou que sejam susceptíveis da aplicação das mesmas normas e, portanto, de uma decisão formulada nos mesmos moldes e fundamentos, e desde que cumpridos os restantes requisitos do mesmo, poderá o Presidente do Tribunal determinar que se proceda ao andamento de apenas um deles (ou alguns deles), suspendendo-se a tramitação dos demais, existindo uma posterior apensação numa unidade de processos. Assim, desde que ouvidas as partes, o Tribunal poderá escolher um “processo-modelo” a partir do qual todos os casos serão decididos, casos esses já reportados ou intentados na pendência do processo seleccionado.

Explica o Professor Vieira de Andrade que tal norma resulta das experiências nacionais e internacionais sentidas aquando da entrada de um elevadíssimo numero de processos no Tribunal, suscitados todos pela entrava em vigor da mesma norma ou preceito que afecte igualmente esse numero elevado de pessoas.

No meu entender tal preceito poderá colocar alguns problemas de aplicação. Digo isto porque, como o Professor Vieira de Andrade menciona (e que é mesmo requisito explícito do nº 3 do artigo 48º), dever-se-á com tal processo garantir que se possa “debater todos os aspectos relevantes de facto e de direito da questão, e não se proceder a qualquer limitação do âmbito de instrução”. Ora a meu ver, só o facto de o Tribunal ter que proceder a uma “pré-selecção” dessas relevantes questões de facto e de direito leva de certa forma a um entrave ao próprio objectivo deste mecanismo, que é a economia processual. Ora ou o Tribunal procede a essa escolha com tempo e dedicação para não ferir os direitos e interesses legítimos criados pelas situações em causa, aos concretos titulares dos mesmos, ou, pelo contrário, o Tribunal fará essa escolha com tal rapidez que esses mesmos direitos e interesses serão eles prejudicados. Além de que quase que será já introduzir questões de decisão do mérito da causa, aquando da escolha feita pelo Tribunal dessas relevantes questões. Visto que a tramitação deste processo é a dos processos urgentes (como é referido no nº4 do artigo 48º), o necessário cumprimento dos prazos (demasiados curtos para os casos), levará ou à situação que atrás mencionei ou mesmo ao incumprimento desses mesmos prazos.

Razão essa, leva mesmo a que a própria lei estabeleça direitos para o autor (que devem, a meu ver, caber a todas as restantes partes também), para que sejam de certa forma apaziguadas essas possibilidades de lesão dos direitos e dos interesses legítimos de cada pessoa e de cada parte, criados pela situação concreta. Exemplo disso é a própria concessão de desistência do processo ou principalmente, entre outros, o requerimento para a continuação do seu próprio processo, não limitando a sentença final os direitos das partes dos processos suspensos (nº5 do artigo 48º).

Em jeito de conclusão, como referi logo inicialmente, chamou-me a atenção este mecanismo exactamente por este tipo de problemas que poderá suscitar, no meu entender. Tendo em conta o direito que o interessado tem de ver a sua situação resolvida, embora em prazo razoável (artigo 20º nº4 da Constituição da República Portuguesa) parece-me de invocar que acima desse direito existe ainda o da protecção dos direitos, liberdade e garantias pessoais (nº5 do mesmo artigo da CRP). Assim princípios como os da celeridade processual e da economia processual não poderão preterir os direitos que a todos assistem, incluindo no caso concreto. Parece-me que o facto de ser necessária a audiência das partes já ajuda nesse sentido, bem como os direitos a elas concedidos especificamente no âmbito do artigo 48º.

Cumprirá no caso concreto o Tribunal averiguar a situação e prever todo o tipo de lesão aos direitos das partes de forma a poder evitá-lo e a conseguir equilibrar esses direitos com os restantes, bem como com os princípios enunciados. Concluo dizendo que uma possível repetição futura deste mecanismo de forma acentuada poderá inclusive levar a uma menor efectivação dos direitos das partes pelo facto de verem esses seus direitos e interesses “difundidos” num mesmo processo-modelo, ressalvando contudo que na prática me parece difícil a aplicação de tal preceito pelos requisitos necessários para tal.


Trabalho elaborado por Maria Emanuel Marques Soares, nº16757, subturma9

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