terça-feira, 18 de maio de 2010

Recurso Hierárquico: Necessário ou nem tanto?

Actualmente, após a reforma do contencioso administrativo que seguiu as teorias subjectivistas, dever-se-á entender o acto administrativo em sentido amplo. De acordo com o art.120º CPA, o acto administrativo compreende toda e qualquer decisão que vise produzir efeitos jurídicos numa situação específica, rejeitando-se, deste modo, o entendimento do prof. Marcello Caetano que defendia que o acto administrativo tinha de ser definitivo e executório.
Porém, nem todos estes actos são passiveis de impugnação contenciosa; são-no, apenas, aqueles que se apresentem como susceptíveis de lesar direitos subjectivos e constitucionalmente consagrados dos particulares (arts. 202º e ss CRP e art. 51º CPTA), tendo por base o princípio da tutela judicial e efectiva desses direitos – art.268º/4 CRP, artigo que também visa permitir um controlo judicial e imediato dos actos praticados pelos subalternos.

É este controlo imediato, a somar à violação do princípio da separação entre Administração e Justiça (porque apenas se pode recorrer a tribunal após esgotar todas as instâncias administrativas) que afasta a exigência de um recurso hierárquico necessário e que leva o Prof. Vasco Pereira da Silva a considerá-lo inconstitucional, uma vez que o art. 268º/4 CRP permite ao particular recorrer, de imediato, ao tribunal para tutelar os seus direitos; e ainda que o particular decida fazer uso da via administrativa, isso não pode condicionar a faculdade de suscitar a apreciação jurisdicional do litígio. Conclui então o Professor que todas as garantias administrativas são facultativas, não dependendo delas o acesso ao juiz.

Porém, parece ser preferível adoptar uma outra posição, menos radical e que consegue conciliar as figuras do recurso hierárquico necessário e/ou facultativo em perfeita harmonia com o sistema legal português. Decorre dos arts. 51º e 59º/4 e 5 CPTA que, por regra, a utilização das vias de impugnação administrativa não é necessária para aceder à via contenciosa; ou seja, a menos que haja imposição legal em contrário, os actos administrativos com eficácia externa são imediatamente impugnáveis judicialmente. O problema coloca-se quando existe essa exigência legal de impugnação administrativa necessária. No seguimento do defendido pelos Profs. Vieira de Andrade e Aroso de Almeida, quando assim seja, continua a aplicar-se o recurso hierárquico necessário. Deste modo, verifica-se uma inversão de ordem: o recurso facultativo é agora a regra. A impugnação administrativa já não é uma diligência indispensável à posterior impunação judicial, mas apenas uma tentativa de levar a própria Administração a satisfazer a pretensão do interessado. Só assim não o é nos casos em que a lei preveja a necessidade de recurso hierárquico, sob pena de não ser depois possivel aceder à tutela judicial.
Assim, apesar da alteração de paradigma que coloca agora o recurso facultativo como regra, a questão não sofreu alterações de fundo e, como tal, não há incompatibilidade com o preceito constitucional, mesmo que existam normas que ainda prevejam impugnações administrativas necessárias. Estas não restringem o acesso aos tribunais (art.20º CRP) nem violam o direito à tutela judicial efectiva (art.268º/4), sendo que o administrado pode sempre impugnar contenciosamente a eventual decisão desfavorável da impugnação administrativa.

Concluindo, o recurso hierárquico necessário, apesar de ter perdido alguma importância, não se tornou desnecessário, desempenhando ainda uma função relevante no nosso ordenamento jurídico sempre que legalmente previsto.

Bibliografia:
O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise - Prof. Vasco Pereira da Silva
A Justiça Administrativa - Prof. Vieira de Andrade

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