sexta-feira, 21 de maio de 2010

O Recurso Hierárquico Necessário : um estado de “Morto-bem vivo”!

Uma das grandes questões com que a doutrina nacional se entretém é aquela em que se debate se ainda hoje existe ou não recurso hierárquico no nosso ordenamento jurídico.
O Prof. Vasco Pereira da Silva, ainda antes da reforma, afirmava ser inconstitucional a regra do recurso hierárquico necessário. Tinha como argumentos o facto de tal recurso ser contrário aos princípios da plenitude da tutela dos direitos dos particulares (artº 268º/4 da CRP), da separação entre a Administração e a Justiça (artºs 114º, 205º e ss., 266º e ss.), da desconcentração administrativa (artº 267º/2) e da efectividade da tutela (de novo artº 268º/4). Argumentos que ainda hoje mantém.
Após a reforma Contencioso Administrativo o Prof. sustenta que diversas são as regras contidas no CPTA que afastam a necessidade de haver recurso hierárquico, enquanto pressuposto da impugnação contenciosa dos actos administrativos. A saber: a consagração da impugnabilidade contenciosa de qualquer acto administrativo, bastando que este seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos (artº 51º/1 do CPTA), a atribuição de efeito suspensivo do prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo à utilização de garantias administrativas (artº 59º/4) e o estabelecimento da regra segundo a qual, mesmo quando o particular utilizou uma garantia administrativa, tal não impede a possibilidade de imediata impugnação contenciosa do acto administrativo (artº 59º/5).
A maioria da doutrina portuguesa,bem como alguma jurisprudência mostram ter posição divergente daquela do regente. O Prof. Aroso de Almeida, defende não ser inconstitucional a exigência de recurso hierárquico porque não caberá à C.R.P. fixar os pressupostos de impugnabilidade dos actos administrativos. No que toca ao regime actual do CPTA, considera que deixando de fazer qualquer referência ao requisito da definitividade, o diploma não visou revogar as várias disposições legais avulsas que determinam a exigência de impugnações administrativas. Tais normas só poderiam desaparecer por via de revogação expressa. Seriam regras especiais face à regra geral.
Para o regente, Vasco Pereira as Silva, tais argumentos não colhem. O Professor diz que não faz sentido a compatibilização da regra geral de admissibilidade de acesso à justiça com as referidas regras especiais. Tal significaria continuar a dar relevância a um pressuposto que desapareceu do CPTA (de facto, hoje-em-dia apenas se exige que o acto “seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos”: artº 51º/1). Mais, as normas especiais, não o são! Não são verdadeiras normas especiais, uma vez que, antes da reforma mais não eram do que a confirmação do que estatuía a regra geral. Assim sendo, tal como esta desapareceu, também aquelas se devem considerar “extintas”. O Professor avança mais e fala, mais do que em revogação, em caducidade. Nas suas palavras “a única razão de ser da exigência do recurso hierárquico necessário era a de permitir o acesso ao juiz". No entanto, "agora, o Código de Processo estabelece que tal garantia prévia não é mais um pressuposto processual de impugnação de actos". Isto significa que "a exigência do recurso hierárquico em normas avulsas deixa de ter consequências contenciisas". Assim sendo pode-se afirmar que "tais normas caducam”. Ao nível da CRP estas normas afirmam-se como sendo incompatíveis com a Lei Fundamental por violação do conteúdo essencial do direito fundamental de acesso à justiça (administrativa). Estas normas criam um regime de impugnação específico para certos actos administrativos. Como último argumento Vasco Pereira da Silva invoca o art. 7º do CPTA que concretiza o princípio da promoção do acesso à justiça (artº 7º), no qual o legislador consagrou a regra segundo a qual devem ser evitadas “diligências inúteis” (artº 8º/2). Daqui retira-se a "desnecessidade" de qualquer exigência legal de recurso.

Posto isto, a que conclusão chegar?! Sem dúvida que afirmamos o fim do recurso hierárquico necessário. Mas o que afirmamos não é o que ocorre na prática, tanto que, como já referi, a maioria da doutrina e da jurisprudência continua a defender a necessidade de recurso hierárquico.

Bibliografia:
"O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise" - Vasco Pereira da Silva
"O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos" - Mário Aroso de Almeida

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