segunda-feira, 3 de maio de 2010
O Recurso Hierárquico Necessário: Realidade Presente ou Ultrapassada?
A Reforma Constitucional de 1989 trouxe para a doutrina administrativa uma interessante discussão que se pode configurar nos seguintes termos:
Esta revisão veio retirar ao actual artigo 268º/ nº 4 da Constituição da República Portuguesa (C.R.P. de aqui em diante), a exigência de definitividade vertical para os actos recorríveis, ou seja, quebrou-se ai o dogma do acto definitivo e executório como sendo o único “capaz” de recurso contencioso, passando agora a tónica da susceptibilidade do acto ser impugnado contenciosamente a pender sobre a lesão de direitos dos particulares que esse acto administrativo seja susceptível de causar.
De facto, antes da revisão constitucional, para além se prever como requisito do recurso contencioso de um acto administrativo, a definitividade vertical desse mesmo acto, havia ainda várias leis avulsas que previam também essa definitividade como requisito de recurso; o que revelava ainda uma perspectiva algo autoritária por parte da Administração, ao exigir que a “última palavra” sobre determinado acto administrativo fosse sempre dada pela Administração e só depois disso seria possível ao particular impugnar contenciosamente o acto.
Desde então, doutrina e jurisprudência têm se batido apaixonadamente sobre o tema, sustentando alguns a inconstitucionalidade superveniente das disposições em leis avulsas que prevejam a exigência de definitividade vertical do acto para que possa ser deduzido recurso administrativo, e outra parte, mantendo uma postura mais conservadora defendendo que a alteração do artigo 268º nº 4 da C.R.P. veio apenas “reformular” o recurso contencioso e não proibir de todo a existência de acto definitivo e executório para que este possa ser deduzido.
Defendendo esta última posição, temos vários nomes ilustres da doutrina administrativista como o Prof. Rogério Ehrhardt Soares, o Prof. Freitas do Amaral, o Prof, Mário Aroso de Almeida e o Prof. Vieira de Andrade.
Atentemos nas posições destes dois últimos autores: Para o Prof. Mário Aroso de Almeida, a questão está em saber se os artigos 51º nº1 e nº4 e 59º/4 e 5 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (C.P.T.A. de aqui em diante) vieram eliminar definitivamente da nossa ordem jurídica a figura do recurso hierárquico necessário, uma vez que estes artigos vieram consagrar uma clara preferência do legislador pela acção de condenação da administração à prática de acto devido, sobre acção de anulação de actos administrativos ( o que resulta expressamente da letra do 51º nº 4 do C.P.T.A). Poderíamos colocar então a questão, já acima suscitada, se estas normas irão contra o artigo 167º nº1 do Código de Procedimento Administrativo (C.P.A. de aqui em diante), que continua a dispor que o recurso hierárquico pode ser necessário ou facultativo quando o C.P.A. parece ter já desconsiderado a hipótese de impugnação administrativa de actos com carácter necessário. Defende o autor, que apesar de letra da lei, não tem o C.P.T.A. carácter de norma revogatória geral da exigência de recurso hierárquico necessário, consagrando apenas uma regra de que, em geral os actos administrativos não se encontram sujeitos a qualquer tipo de recurso hierárquico, ou a qualquer tipo de impugnação administrativa, o que não invalida que possa haver leis especiais avulsas que consagrem essa exigência. Para sustentar a sua posição invoca o autor que assim se cumpre a exigência constitucional de desconcentração admimistrativa (267º nº2 da C.R.P.), e não obstando a tal entendimento o facto de ter sido retirada do artigo 268º nº 4 da C.R,P, a exigência de definitividade dos actos. Entende o autor que não é necessário que a Constituição se pronuncie sobre pressupostos processuais, recorrendo para tal ao Acórdão 499/ 96 do Tribunal Constitucional, que entende como único limite para a exigência de recurso hierárquico necessário o facto de essa mesma exigência não poder ir contra o artigo 18º nº2 da Constituição a fim de não constituir uma restrição inadmissível de direitos fundamentais dos particulares. Este Acórdão vai no sentido da posição proposta pelo Prof. Ehrhardt Soares, ao dizer que a Constituição ao consagrar um direito de impugnação contenciosa dos actos administrativos não tem que especificar que “voltas” terá esse acto que dar até ser impugnável, o que, convenhamos, não iria alterar em nada a situação que já existia antes da revisão constitucional.
Por último, defende ainda uma solução algo utópica face ao panorama administrativo actual, baseada numa “reconversão” dos artigos 167º e 161º do C.P.A., e na instituição de mecanismos céleres e eficazes, “para-judiciais”, para a reapreciação das decisões administrativas; o que nos leva a questionar se não serão os Tribunais Administrativos suficientemente imparciais e independentes da Administração para poderem reapreciar com objectividade as suas decisões.
Uma nota apenas para explicara aqui a posição do Prof. Vieira de Andrade face ao tema, que na mesma linha de defesa do Prof. Aroso de Almeida, defende ainda assim uma posição um pouco diferente, dizendo que só não será exigível o recurso hierárquico necessário legalmente previsto, quando tal recurso não suspenda imediatamente a decisão executiva da Adminitração, ou então quando o prazo para interpor recurso hierárquico necessário seja tão curto que constitua uma restrição injustificada de direitos fundamentais que vá contra o artigo 18º nº2 da C.R.P.
Por outra parte, há autores que defendem a posição contrária como os Prof. Paulo Otero e o Prof. Vasco Pereira da Silva.
De facto, parece-nos ser esta a melhor visão do problema, uma vez que a visão da “meia- constitucionalidade”, defendida anteriormente parece não colher. Assim pensamos ter razão o Prof. Paulo Otero quando questiona utilidade da modificação do artigo 268º nº4 da Constituição, quando na verdade se continua a permitir a exigência de recurso hierárquico administrativo em lei especial, quer ela seja anterior ou posterior à alteração constitucional; pois não é a Constituição a Lei Fundamental? Então se é esta mesma lei que excluí do seu preceito a figura do recurso hierárquico necessário - ao excluir a exigência de definitividade do acto no artigo 268º nº4º - continuará a ser exigível o recurso hierárquico necessário em lei especial? Seja anterior ou posterior à alteração constitucional? Pensamos que não.
De facto, o nosso sistema constitucional não se compadece com a interpretação da Constituição feita conforme a lei especial que preveja o recurso hierárquico necessário. Para argumentar a favor da Constitucionalidade destas disposições pensamos que também não procede o argumento de que tal respeita o princípio da desconcentração administrativa (267º nº2 da C.R.P.), uma vez que, os particulares continuam a não estar impedidos de deduzir recurso hierárquico facultativo, como aliás bem demonstra o artigo 59º/4 do C.P.T.A.
Pensamos até que este preceito adquire agora uma nova utilidade, uma vez que pode servir para suspender a execução imediata do acto administrativo, o que não impede aliás que se deduza entretanto recurso contencioso (59º nº5 do C.P.T.A.) ; o que vai expressamente contra aquilo que se dispõe no artigo 164º nº1 do C.P.A.
Assim sendo, podemos retirar duas conclusões do actual regime relativo ao recurso hierárquico necessário: as leis avulsas que antes da revisão constitucional previam o recurso hierárquico necessário, devem considerar-se feridas de inconstitucionalidade superveniente; enquanto que as normas que de ai em diante continuem a fazer essa exigência devem considerar-se originariamente inconstitucionais uma vez que versam sobre uma figura que foi efectivamente eliminada da Constituição.
Ana Margarida Sapateiro Subturma 5 nº16474
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