quinta-feira, 20 de maio de 2010

Pode o juiz administrativo carrear factos novos para o processo ou isso fará dele uma parte processual?

À semelhança do Direito Processual Civil, também no Contencioso Administrativo vigora o princípio do dispositivo, segundo o qual o objecto do processo está na disponibilidade das partes a quem compete a alegação dos factos constantes da causa de pedir e a respectiva prova destes, ficando o juiz vinculado a tomar uma decisão de acordo com os factos alegados. Como dispõe o artigo 95º/1 CPTA, na sentença final deve constar a apreciação de todas as questões que tenham sido levadas a tribunal pelas partes e apenas estas.

Poder-se-ia dizer, deste modo, que não pode o juiz carrear novos factos para o processo, sob pena de tornar-se uma parte do mesmo. Porém, a solução não nos aparece com tanta clareza assim e a doutrina tem vindo a identificar dois tipos de pedidos igualmente válidos: um primeiro pedido, o imediato, que consubstância-se nos efeitos que a parte pretende ver realizados e um segundo pedido, mediato, que consiste na tutela de um direito subjectivo por via dos efeitos do primeiro pedido. Este pedido mediato não tem de ser alegado pela parte interessada pois encontra-se, de certo modo, implícito no primeiro pedido; no entanto, o juiz não pode abster-se de considerá-lo e tutelá-lo, concretizando o princípio vigente do contencioso de plena jurisdição que visa a atribuição de todos os poderes necessários ao tribunal para garantir a tutela efectiva dos direitos subjectivos dos particulares. Deste modo, o juiz administrativo poderá levar em conta factos que não foram alegados por nenhuma das partes, factos extra-autos e, por isso denominados, factos novos. E tal atribuição não torna este juiz parte do processo; limita-se a efectivar o supra mencionado princípio de plena jurisdição.

O próprio princípio do inquisitório, extraído do CPC mas com aplicação no Contencioso Administrativo, vem permitir que o tribunal investigue e esclareça os factos relevantes para a apreciação da acção; do mesmo modo, cabe nos poderes do juíz a obtenção dos factos instrumentais ao processo (aqueles que indiciam os factos essenciais alegados pelas partes e que auxiliam o tribunal na apreciação dos mesmos), bem como tomar todas as diligências probatórias a seu respeito. Também os factos de conhecimento oficioso são trazidos ao processo pelo juíz e levados em conta, quer em questões de direito, quer em matéria de facto, através dos factos notórios e dos factos de conhecimento funcional em virtude do normal exercício das funções do tribunal.

Feita esta análise das possibilidades de introdução de novos factos no processo por parte do juíz, parece ser de concluir que sim, este pode carrear factos novos para o processo, não se tornando por isso parte do mesmo; ao fazê-lo, está apenas a contribuir para a dinâmica do processo no cômputo dos seus deveres de ver esclarecidas todas as questões relevantes para a avaliação do mérito da causa, respeitando sempre os limites que se lhe impõem.

Bibliografia
"O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise" - Prof. Vasco Pereira da Silva
"Código de Processo Civil"

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