quinta-feira, 20 de maio de 2010

Condenação à prática do acto devido: problemas de separação de poderes.

O actual CPTA prevê expressamente a acção administrativa especial de condenação à prática de acto devido, sendo esta uma inovação da reforma do contencioso administrativo que teve a sua génese na Revisão Constitucional de 1997.
Na referida Revisão de 97 foi introduzido o art. 268.º/4 que consagra o princípio da tutela jurisdicional efectiva, também referido no art. 2.º CPTA e no art. 7.º que corresponde a um corolário deste.
Este princípio pretende que os lesados por uma actuação da Administração tenham a maior protecção judicial possível, podendo ver a sua situação decidida por um órgão judicial.
A consagração expressa deste princípio teve repercussões materiais profundas, nomeadamente através da consagração de novas acções administrativas, como foi o caso da acção de condenação à prática de acto devido. Também se traduziu por um alargamento da legitimidade activa para intentar acção contenciosa junto dos tribunais administrativos. Para além disso o princípio da tutela jurisdicional efectiva veio a ter repercussões a nível do âmbito de jurisdição dos próprios tribunais.
O art. 268.º/4 CRP refere possíveis modos de o legislador ordinário consagrar o princípio da tutela jurisdicional efectiva, nomeadamente através da determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos.
Desta forma, o legislador ordinário decidiu introduzir uma acção própria para estes casos, dando concretização directa aos desejos do legislador constituinte.
Efectivamente, de acordo com o art. 46.º/1 e 2, b) em conjugação com o art. 66.º CPTA é possível concluir que a nova acção de condenação à prática do acto devido é uma acção especial que segue a forma única constante dos arts. 78.º a 96.º (por remissão do art. 35.º/2 CPTA), e não a forma regulada no CPC, de acordo com o valor da causa (art. 35.º/1 CPTA).
De acordo com o art. 66.º/1 CPTA, esta acção destina-se a obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um acto administrativo ilegalmente omitido ou recusado. Esta solução assemelha-se ao caso alemão, em que se prevê a admissibilidade da acção de condenação para os casos de omissão ou de recusa. Para além disso, constitui um avanço significativo dado que, anteriormente à reforma, a condenação da Administração apenas ocorria nos casos de relações paritárias (nomeadamente no âmbito dos contratos). Agora, mesmo os actos de poder (como é paradigma o acto administrativo) podem levar a que esta seja condenada.
Assim, o acto administrativo devido corresponde aos casos em que, do ponto de vista da parte activa, deveria ter sido emitido um acto administrativo por parte da Administração e tal não ocorreu, quer porque houve total omissão, quer porque essa emissão foi recusada pela Administração.
Nestes últimos casos é sempre possível aplicar a ressalva do art. 66.º/2, que determina, no caso de recusa da prática do acto, que o objecto da acção é a condenação à prática do acto e que se esta prosseguir haverá cessação dos efeitos do acto de indeferimento.
Quanto ao objecto desta acção suscitam-se assim dúvidas relativamente aos tipos de actos cuja prática pode ser exigida pelo Tribunal.
Efectivamente, a condenação da Administração a praticar determinado acto que esta, por sua vontade recusou, ou que, por inércia não emitiu, pode suscitar problemas de interposição do poder judicial na margem de discricionariedade que é concedida à Administração e que lhe permite precisamente decidir sobre questões da sua competência de forma autónoma e independente de outros poderes, nomeadamente o judicial.
Assim, poderia dizer-se que a nova acção de condenação à prática do acto devido poderia violar o princípio da separação de poderes quando a decisão judicial decidisse sobre questões de mérito que são da competência da Administração. Esta premissa pode ser genericamente aceite mas deve ser concretizada.
O CPTA, no seu art. 71.º admite que o poder judicial possa decidir-se pela condenação da Administração à prática de actos vinculados, mas também de actos discricionários.
Os actos vinculados são aqueles que não suscitam problemas de apreciação e valoração administrativas do caso em apreço, sendo estritamente vinculados à lei, pelo que o simples preenchimento dos seus requisitos legais permite formular uma decisão.
Nestes casos estipula o art. 71.º/1 CPTA que o tribunal administrativo não se limita a devolver a questão ao órgão administrativo competente, mas pronuncia-se igualmente sobre a pretensão material do interessado, impondo a prática do acto devido. Assim, o tribunal não só pode exigir que se pratique o acto, como pode igualmente exigir que ele seja praticado com determinado conteúdo, isto porque, sendo um acto vinculado à lei, a questão em apreço é de mera legalidade e portanto o tribunal, no âmbito dos seus poderes, pode conhecê-la sem se suscitar qualquer problema relativo à separação de poderes.
Solução diferente será dada aos casos de actos discricionários que correspondem aos casos em que a decisão sobre a prática do acto pressupõe um juízo de mérito por parte da Administração, algo que cabe no âmbito dos seus poderes de discricionariedade, que são precisamente aquilo que define o poder administrativo.
Nestes casos, ao admitir-se que o tribunal pudesse, sem mais, condenar a Administração à emissão do acto e igualmente determinar qual o conteúdo a que esse acto deveria corresponder seria claramente um caso de violação da separação de poderes, algo que deve existir entre os órgãos administrativos e judiciais.
É que precisamente aquilo que define o poder administrativo é a sua margem de discricionariedade e assim, a possibilidade de, dentro dos critérios de legalidade previamente fixados, determinar qual a decisão que, na sua opinião, melhor se adequa ao caso. Ora, se fosse admitido que o tribunal em acção contenciosa definisse o que a Administração deve fazer e como o deve fazer, estaria a permitir-se que, sempre que o interessado descontente com um indeferimento, pudesse “tentar” a sua sorte pela via judicial, o que levaria a um esvaziamento do mérito dos órgãos administrativos.
Assim o art. 71.º/2 CPTA vem clarificar a situação para os actos discricionários, admitindo que o tribunal possa condenar a Administração à prática de um acto, sem determinar o seu conteúdo. Nestes casos o tribunal pode explicitar as vinculações a que o órgão se sujeita aquando da emissão do acto, que devem ser cumpridas pela Administração. No entanto, deixa a valoração da pretensão à decisão do órgão competente, pelo que não há interferência no mérito da acção e consequentemente não se viola o princípio da separação de poderes.
Esta solução é assim compatível com o art. 3.º/1 CPTA que refere precisamente que os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua actuação.

Marta Sofia Antunes
Turma A 1
N.º 16952

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