O recurso hierárquico é um recurso administrativo, não se confundindo com os recursos de natureza jurisdicional, é uma garantia graciosa terá assim de se interposto perante uma autoridade administrativa e não perante um tribunal o que consequentemente leva a que o recurso hierárquico seja decidido por acto administrativo e não por sentença. Outro aspecto importante é que enquanto o recurso contencioso é fundamentado na ilegalidade do acto recorrido, o recurso gracioso além desta pode ser fundamentado na injustiça ou inconveniência do acto. Apesar disso ambos são meios de impugnação de actos de autoridade e ambos têm por objecto decisões da Administração.
Anteriormente à reforma do contencioso administrativo a doutrina distinguia os recursos hierárquicos entre necessários e facultativos, torna-se necessário explicar aqui quais os critérios que presidiam a esta distinção.
Como refere Vasco Pereira da Silva, esta discussão é um resquício dos “traumas de infância” infligidos ao contencioso administrativo pelo sistema de administrador-juíz.
Para que um acto fosse impugnável, era exigida a executoriedade e definitividade (horizontal e vertical), sendo que hoje só se exige a sua eficácia externa.
Portanto não sendo o acto definitivo e executório o particular via-se obrigado a esgotar todas as garantias administrativas até poder impugnar o acto contenciosamente, daí o recurso ser chamado “necessário”.
Com a reforma do contencioso administrativo, o art. 59º/5 CPTA, entra em conflito directo com o 167º nº 1, dispondo que nada impede o interessado de interpor em simultâneo recurso administrativo e contencioso. Isto porque se anteriormente se exigia a definitividade e executoriedade do acto, agora apenas se exige a sua eficácia externa (art. 58º/1 CPTA).
Este problema surge no âmbito da definitividade do acto. Esta pode ser dividida em horizontal, ou seja, que no procedimento administrativo o acto seja aquele que põe termo ao procedimento (com a introdução da primeira parte do art. 51º/1, já não há argumentação possível que sustenha este requisito); e vertical, significando que não haja órgão algum na administração a que seja possível recorrer desse acto.
O recurso hierárquico necessário encontra-se na dimensão vertical da definitividade e, na doutrina discute-se se o art. 59º/4/5 representam a estocada final na definitividade vertical ou se, em alguns casos ela ainda represente um requisito para a impugnabilidade do acto.
Após a reforma estabeleceram-se duas posições gerais, uma pela manutenção do recurso hierárquico necessário e outra pela revogação do nº 1 do art. 167º.
Em defesa do recurso contencioso necessário, encontramos o Prof. Mário Aroso de Almeida. Este Autor diz que a introdução dos 59º/4/5 CPA, não vem acabar com a figura do recurso hierárquico, este afirma que as diversas leis avulsas que estabelecem recursos hierárquicos necessários se mantêm e que, nesses casos em concreto é necessário recorrer administrativamente para posteriormente se poder impugnar o acto pela via contenciosa.
Para além disso a falta de menção expressa pelo CPTA de que pretendia terminar com este instituto, significa que estas leis avulsas passam a ser especiais em relação à lei geral. Será portanto um caso em que a norma geral é afastada, e a isso não obsta o facto de as leis especiais serem anteriores.
Neste sentido, o art. 167º CPA, por não fazer mais que reconhecer a existência desta figura, não pende para afirmar o requisito da definitividade vertical como basilar no sistema. O que ele faz é reconhecer que só deve haver lugar a recurso hierárquico necessário, quando este resulte de uma opção “consciente e deliberada” do legislador.
Outra consequência de fundo da reforma, será a revogação tácita do art. 164º do CPA, pelo art. 59º/4, “que só atribui efeito suspensivo à reclamação quando o acto a que ela se reporta esteja sujeito a impugnação administrativa necessária”.
Em consequência da extinção da figura do indeferimento tácito, deve interpretar-se 175º/3 no sentido de que “a falta de decisão do superior confere ao interessado a faculdade de lançar mão do meio de tutela adequado à protecção dos seus interesses”.
É então dado como certo, para este autor que esta figura não levanta problemas de constitucionalidade, ao contrário de outros autores, como se verá mais à frente.
A discussão centra-se nos art. 267º/2 e 268º/4 da CRP.
Com a reforma constitucional de 1989 e a queda do requisito da definitividade do acto, uma parte da doutrina defende que este passou a ser proibido, vedando deste modo a possibilidade de se estabelecerem recursos hierárquicos necessários.
No entanto o Prof. Aroso de Almeida é da opinião que apesar de deixar de ser um requisito geral, nada obsta a que se possam estabelecer estes meios de impugnação administrativa, este considera que o recurso hierarquico necessário não ofende o postulado imposto pelo 267º/2 CRP
Não sendo insensível aos eventuais problemas e deficiências da figura do recurso hierárquico necessário, este autor defende que faria mais sentido, nos casos em que tal se afigurasse justificável, a imposição aos interessados: “do ónus de se dirigirem (...) a organismos administrativos independentes, porventura para-judiciais, instituídos para proceder, de modo célere e eficaz à apreciação e resolução extrajudicial dos conflitos que perante eles sejam colocados, deste modo libertando o contencioso administrativo de muitos processos inúteis”.
Estas pretensões residem no facto de variadas vezes, o recurso necessário ter uma relativa inultilidade, por falta de independência do órgão que analisa o recurso, tendencialmente predisposto a seguir a posição adoptada pelo seu subalterno.
Ainda em defesa desta figura,encontramos o Prof. Vieira de andrade. Afirma, a sua concordância, com Aroso de Almeida, inclusive remetendo para ele. Assim, em face da actual legislação, só haverá lugar a recurso hierárquico em caso de ser previsto expressamente em lei especial.
Ainda antes da reforma do contencioso administrativo, já Vasco Pereira da Silva pugnava pela inconstitucionalidade deste instituto. Com a remoção dos critérios da definitividade e executoriedade do art. 268º/ 4 CRP, deixa de fazer sentido, para este autor, que a lei ordinária ainda preveja situações de esgotamento de garantias administrativas de modo a poder recorrer de um acto administrativo.
Tal previsão, constituirá um resquício do sistema de administrador-juíz, não muito longe da regra de exigência de decisão-prévia, prevista no sistema Francês. Esta promiscuidade entre administração e justiça, acaba por ter a consequência grave de poder precludir o direito de acesso aos tribunais, por força de um obstáculo artificial criado ao particular. O acto já reunia todas as condições para a sua impugnação, o que a lei vem estabelecer não acrescenta argumentos que levem a uma melhor decisão por parte do Tribunal, serão portanto diligências inúteis, contrárias ao espírito da lei, nomeadamente o art. 8º/2 CPTA.
Convém assim, enumerar os argumentos que, para Vasco Pereira da Silva, tornam este instituto inconstitucional.
Ocorre desde logo, uma violação do princípio da plenitude da tutela dos direitos dos particulares (art. 268º/4 CRP); constitui uma negação do direito fundamental de recurso contencioso, a sua recusa quando não tenha havido impugnação administrativa prévia.
Por seu turno, a exigência da utilização da garantia administrativa prévia, sob pena de ser precludido o direito de acesso ao tribunal, constitui uma violação do princípio constitucional da separação entre administração e justiça, como consagrado nos art. 114º, 205º e ss, 266º e ss CRP.
O princípio da desconcentração administrativa (art. 267º/2 CRP), implicará “a imediata recorribilidade dos actos dos subalternos sempre que lesivos, sem prejuízo da lógica do modelo hierárquico da organização administrativa, pois o superior continua a dispor de competência revogatória (art. 142º do CPA)”.
Finalmente, o princípio da efectividade da tutela (art. 268º/ 4 CRP), isto porque o reduzido prazo de 30 dias (art. 168º/2) pode levar a que na prática, seja impossibilitado o exercício do direito e, deste modo pode ser equiparado a uma lesão do conteúdo essencial do direito.
É de retirar, como primeira conclusão, que em tudo o que sejam inconstitucionais, os art. 167º, 168º e 170º CPA, devem ser removidos da ordem jurídica.
Como refere no seu “Em Busca do Acto Administrativo perdido”, em relação aos actos praticados pelo subalterno e pelo seu superior: “ambos são decisões provenientes de autoridades administrativas, no domínio do direito público, que produzem efeitos jurídicos de carácter individual e concreto, sendo os dois igualmente susceptíveis de lesar os direitos dos particulares”. Não haverá, então qualquer razão para impôr condições ao recurso contencioso.
Acrescenta ainda que, se por hipótese académica se admitisse a definitividade vertical como característica dos actos recorríveis, sempre tiveram de se admitir excepções, por exemplo para os actos praticados pelos subalternos, ao abrigo de competências exclusivas.
Quanto ao argumento aduzido por Aroso de Almeida, quando este diz que as leis avulsas seriam leis especiais em relação à regra geral do CPTA, Vasco Pereira da Silva tece as maiores críticas, esclarecendo a priori, que lhe parece, estar esta posição do Prof. Aroso de Almeida mais assente em opções de política legislativa do que argumentos jurídicos.
Conclui, que a ser a regra geral o recurso hierárquico, nos moldes previstos anteriormente à reforma, as leis avulsas seriam meramente confirmativas e, portanto com a revogação da regra geral, não é necessário referir que todas as outras repetições dessa regra são também revogadas. De modo que, a admitir recurso hierárquico, só para situações a criar no futuro.
De todo o modo, refere V. Pereira da Silva, o problema está mal colocado, para além da caducidade destas leis, por inconstitucionalidade, elas caducam também por falta de objecto.
No seguimento do exposto, V. Pereira da Silva, não consegue compreender como é que se pode afirmar que deixando de ser um pressuposto para se impugnar o acto, o recurso hierárquico possa continuar a ser exigido, criando uma situação tal de incoerência em que haveria um recurso “hierárquico desnecessário necessário”.
Ainda assim, esta figura é provida de utilidade, isto porque tem uma vantagem para o particular que o recurso contencioso não tem, a suspensão imediata dos efeitos do acto. Para além disso, a contagem do prazo para recurso contencioso é suspensa, daí que não seja prejudicado o acesso aos tribunais.
Analisando os argumentos expostos e por força das disposições do CPTA a meu ver é de excluir o recurso hierárquico necessário. A luz do Direito Contencioso Administrativo actual, concordo com o Prof. V. Pereira da Silva, quando afirma que este não permite o recurso hierárquico necessário. O art. 59º/5 CPTA é claro ao dispor que nenhuma impugnação administrativa condiciona a interposição de recurso contencioso e, sendo assim tem de se ter por revogado, em tudo o que se mostrar adequado, os art. 167º; 168º e 170º CPA.
Posto isto, com uma adequada adaptação do modelo a um mecanismo mais centrado na imparcialidade e no particular, do que na hierarquia e, com as necessárias alterações no CPTA, penso que o recurso hierárquico poderia ser admissível, no entanto à luz da lei actual, não vejo aberta a possibilidade quer à manutenção das leis antigas, nem muito menos à criação de novas leis que o prevejam.
Marlene Dias
subturma 12
quinta-feira, 20 de maio de 2010
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário