Exmo. Senhor Juiz de Direito do Tribunal
Administrativo e Fiscal dos Desempregados,
Secção n.º2, Processo n.º 123632-B/08
Nos termos dos artigos 1º e 3º do Estatuto do Ministério Público, do art. 219º da Constituição da República Portuguesa e 85º, nº 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos compete ao Ministério Público representar o Estado e os interesses determinados por lei em defesa dos direitos fundamentais.
O MP tem o poder de pronúncia na fase preparatória sobre o mérito da causa, vem então requerer a sua intervenção, não julgando necessária a realização de diligências instrutórias (art. 85/2 CPTA).
A petição inicial não obedece a requisitos indispensáveis para prosseguir. Com efeito, não é indicado o valor da causa (art. 78º nº2 al. i) CPTA), nem o domicílio profissional do mandatário judicial (art. 78º nº2 al. c), como tal a petição deveria ter sido recusada pela secretaria nos termos do art. 80º nº 1, al. c) CPTA.
Não obstante, entende-se serem ponderosos os motivos que levam à emissão de parecer do Ministério Público quanto aos actos em causa.
Quanto à legitimidade activa, António Atento tem legitimidade para impugnar os actos uma vez que ele se considera lesado pelo acto de cessação do concurso público e consequente preterição da sua candidatura ao referido cargo (art. 55º nº1 al. a) CPTA). Assim, ele seria titular de um interesse directo e pessoal na impugnação, dado que alega uma lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos.
Relativamente a Luís Sindicalista, é reconhecida às associações sindicais legitimidade processual para defesa dos seus direitos e interesses colectivos e para defesa colectiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores, sem prejuízo da autonomia individual (art. 9º nº 2 e art. 55º nº 1 al. c) CPTA). Assim, ambos poderiam intervir em juízo.
Quanto à legitimidade passiva, possuem legitimidade passiva o Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP enquanto autor do acto (art. 10º nº 1 e art. 57º in principio CPTA) e João Sempre Disponível uma vez que em caso de provimento do processo impugnatório ele poderá ser prejudicado, sendo que também detém manifesto interesse na manutenção dos actos impugnados (art. 57º in fine). Assim, é o próprio art. 57º CPTA a impor o litisconsórcio necessário, quando existam contra-interessados.
Ao MP cabe intervir no processo em causa a título de defesa da legalidade administrativa, com efeito, é sua incumbência verificar, apenas, se estavam reunidos os requisitos legais que permitissem a cessação do concurso e a nomeação de João Sempre Disponível.
Efectivamente, a nomeação para o cargo de Director do Centro de Emprego exigia concurso público para ocupação do mesmo. Conforme resulta dos autos, o concurso foi feito nos termos da lei, todavia, o mesmo cessou sem ter chegado ao fim o procedimento legalmente previsto.
O procedimento concursal pode cessar com a ocupação dos postos de trabalho constantes da publicação. Verifica-se que o posto foi efectivamente ocupado por João Sempre Disponível, logo se nada mais houvesse a referir, por exemplo, se João Sempre Disponível tivesse sido nomeado após esse concurso e em consequência de nele ter ficado em primeiro lugar, este teria cessado validamente.
Contudo, não resulta dos autos que assim tenha acontecido. João Sempre Disponível nem sequer se candidata ao referido concurso, sendo nomeado em regime de substituição. Não estão, todavia, reunidos os pressupostos para que possa haver nomeação em regime de substituição, nos termos do art. 27º nº1 e 2 da Lei 2/2004. Assim, parece não se ter verificado o procedimento legal para a selecção e recrutamento dos cargos de direcção da Administração Pública.
Assim, e nos termos do art. 135º CPA, o acto de cessação do concurso é anulável por violação das normas jurídicas aplicáveis. O facto de António Atento não poder ser admitido no cargo pelo facto de o regime regra da Administração Pública ser o da exclusividade (art. 26º Lei 12-A/2008), não havendo ainda motivos que justificassem a acumulação de funções (art. 27º da referida lei), não é motivo válido para a cessação do concurso e eventual valoração dos demais candidatos. A Administração tem o dever de assegurar, através do procedimento do concurso instaurado e salvo fundamento legal em contrário, o preenchimento dos lugares postos a concurso. Ora, como refere o Prof. Paulo Otero, a nomeação em regime de substituição constitui uma situação excepcional e provisória, não se trata de uma verdadeira nomeação por não implicar o preenchimento do lugar do quadro a título permanente. Assim, o procedimento não deveria ter cessado, sendo o acto que o faz cessar ilegal, por violação das regras legais aplicáveis.
O autor pretende também que em consequência da anulação do acto de cessação do procedimento concursal, seja retomado o concurso público. No entanto, não propõe a correcta acção para o efeito. Senão vejamos, o autor pretende a impugnação do acto de cessação, todavia pretende ao mesmo tempo que o procedimento anterior a esse acto seja retomado, logo teria que intentar uma acção de condenação à prática de acto devido (arts. 66º e ss. CPTA). Assim, o autor deveria impugnar o acto que considera ilegal, isto é, o acto de cessação do concurso (o que fez), cumulando todavia a condenação com a acção impugnatória. Caso contrário, a mera impugnação do acto não satisfaz a sua pretensão, logo deveria haver uma cumulação de pedido, nos exactos termos do art. 47º nº 2 al. a) CPTA.
Da cessação do concurso e consequente não admissão de António Atento ao cargo, não parecem resultar expectativas jurídicas tuteláveis, nem em sede de responsabilidade extracontratual, uma vez que dificilmente ele seria admitido uma vez que não se encontrava em regime de exclusividade, nem parece ser de justificar uma situação de acumulação de cargos.
Numa palavra, a cessação do concurso é ilegal. Contudo daí não resultam consequências directas para António Atento uma vez que ele não poderia ser nomeado para o referido cargo. Interessa porém a anulação do acto uma vez que o mesmo termina um procedimento que foi regularmente constituído para a ocupação de um cargo a título permanente já que o regime da substituição em que João Sempre Disponível não visava o preenchimento do cargo a título permanente, mas sim fazer face a uma presumível situação excepcional e provisória.
O facto de João Sempre Disponível ter sido nomeado pela segunda vez para o cargo em regime de substituição não constitui, por si só, motivo de impugnação. Se fosse intenção de Manuel Venham Mais Cem, Presidente do Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P, manter o cargo ocupado até ao fim do procedimento concursal, nada obstaria a tal facto. Todavia, o contrário parece resultar dos autos, uma vez que se cessou o concurso e imediatamente se procedeu à nomeação de João Sempre Disponível.
Quanto ao pedido de anulação da nomeação de João Sempre Disponível para cargo de director do Centro de Emprego. Os elementos de facto e provas apresentadas pelas partes são algo contraditórias, não cabendo ao MP a sua valoração, mas tendo sido claramente violadas as normas de procedimento atinentes à nomeação, deve ser de proceder o pedido de impugnação e consequente anulação do acto. Importa clarificar, se estivessem reunidos os pressupostos da nomeação em regime de substituição e tivesse sido respeitado o procedimento de nomeação nada obstaria a essa nomeação, contudo não foi isso que se verificou, como tal deve proceder o pedido de impugnação do acto.
Pelo exposto intervém assim o Ministério Público
O Procurador da República
Roberto Justiceiro
(Ana Ragageles; Fábio Morgado; Francisco Gaspar Cardoso; Inês Santos Morais; João Taipas; Leila Sargento; Pedro Sequeira)
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