segunda-feira, 17 de maio de 2010

A Legitimidade Processual na Acção Popular

O direito de acção popular surgiu na versão originária da C.R.P. de 1976 no seu art. 49º, n.º2, remetendo para a lei a sua concretização. Uma maior “densificação” desse direito vem a ocorrer com a revisão constitucional de 1989 garantido a possibilidade de recorrer a tal meio de defesa para prevenir, fazer cessar ou “perseguir judicialmente” sempre estivessem em causa bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o ordenamento do território, etc. A actual letra do preceito resultou da revisão constitucional de 1997. Esta segue a mesma linha da redacção anterior com a diferença de que se prevê na alínea b) do direito de reagir para “assegurar a defesa dos bens do Estado” (art. 52º, n.º3). No sentido de concretizar este direito surgiu a Lei 83/95 referente à Acção Popular e Participação Procedimental. O seu artigo 1º não foi mais longe do que a C.R.P. Aliás o conteúdo n.º 2 do art. 1º da Lei é "ipsis verbis" o mesmo da alínea b) do n.º3 do art.52º da Constituição.
A redacção destes preceitos merece fortes críticas por parte do prof. Vasco Pereira da Silva. O regente afirma que esta veio criar alguma confusão entre a tutela objectiva e subjectiva. A primeira visando a protecção do interesse público e da legalidade. A segunda defendendo os direitos e interesse próprios dos particulares. Esta sendo garantida pelo direito de acção dos titulares de direitos subjectivos previsto nos arts. 20º e 268º, n.º4 da C.R.P. Aquela caindo, ou devendo cair, no art. 52º, n.º 3 da C.R.P., pois de facto ao assegurar a defesa de interesses legalmente protegidos o artigo parece assegurar “uma modalidade de acção juridico-subjectiva, de defesa de direitos ou interesses próprios”. Ou seja, o preceito parecia não fazer mais do que assegurar uma tutela individual de “interesses difusos” e que já estava previsto no art. 53º, n.º2, alínea a) do C.P.A. Nas palavras do Prof. : “trata-se de um expresso reconhecimento legislativo de direitos de defesa dos particulares ancorados nos direitos fundamentais”. Onde estava então a acção popular? É na resposta a esta pergunta que o regente vem defender a interpretação correctiva do art. 1º da Lei da Acção Popular recorrendo para isso ao artº 2º, dando-lhe preferência sobre o 1º, quando afirma que são titulares do direito de acção popular aquelas pessoas que visem a defesa dos direitos e interesses já referidos “independentemente de terem ou não interesse directo na demanda”. Assim a acção popular é caracterizada pela ausência de interesse “directo” na demanda, visando-se a defesa da legalidade e do interesse público. Este é o primeiro objectivo da acção popular, embora também possa ser usada para defender o direitos individuais quando se tratem de grupos de pessoas cujos interesses privados sejam homogéneos, indissociáveis ou “cuja individualização seja impossível”. Neste sentido trata-de de uma extensão da legitimidade. Para o prof. Vasco Pereira da Silva diz a Lei da Acção Popular apenas estabelece uma série de regras especiais de legitimidade que são aplicáveis a todas as formas de processo, não sendo, por isso, uma modalidade de acção especial já que não é um meio processual diferente dos previstos tanto para os tribunais judiciais, como para os administrativos. Difere assim de Mário Aroso de Almeida, para quem a possibilidade de haver acção popular e o regime traçado pela Lei 83/95 estabelecem um processo especial para estes casos. No mesmo sentido vai Vieira de Andrade.
No que toca à acção popular na acção administrativa especial a lei parece estabelecer duas modalidades. A primeira decorre do art. 55º, n.º1, alínea f) do C.P.T.A. É a chamada acção popular genérica. A segunda, resultante do n.º2 daquele preceito, diferencia-se daquela por possuir um âmbito autárquico. É a acção popular correctiva. O prof. Vasco Pereira da Silva diz que a segunda foi absorvida pela primeira pelo facto de a acção genérica ter requisitos de admissibilidade mais amplos que assim “engolem” os daquela.
Quanto ao pedido de condenação à prática de acto devido o a “legitimidade popular” aparece regulado no art. 68º, n.º 1, alínea d) em conjunto com o art. 9º, n.º2 do C.P.T.A. Neste domínio o o regente afirma que o legislador foi longe demais, não se justificando a intervenção do actor popular. De facto se a acção popular visa defender a legalidade e o interesse público independentemente de haver interesse directo na demanda, não se compreende como é que está é admitida num tipo de acção vocacionada para a tutela de direitos subjectivos. É contraditório! É por isto que o prof. Vasco Pereira da Silva defende que a acção popular tal como vem desenhada no art. 68º, n.º1, alínea d) deve estar sujeita às mesmas restrições que sofre a legitimidade do Ministério Público (alínea c)), pelo que só deve ter lugar quando o dever de praticar o acto resulte directamente da lei, esteja em causa a tutela de direitos fundamentais ou um interesse especialmente relevante.
No domínio da impugnação de normas regulamentares a acção popular é admitida para pedir a declaração de ilegalidade de normas emanadas no exercício da função administrativa, mas esta apenas produzirá efeitos no caso concreto, o que significa que não se trata de uma verdadeira declaração de ilegalidade mas mais uma "desaplicação" da norma à situação em concreto, tal como aliás o refere o art. 73º, n.º2. A solução é estranha uma vez que ao M.P. é permitido requerer a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral (n.º2) e tanto este como o actor popular intervêm na acção administrativa como defensores da legalidade e do interesse público. A solução para os dois sujeitos deveria ser igual, mas ao invés aproximou-se o actor popular do sujeito particular...
Já na declaração de ilegalidade por omissão a acção popular é admitida nos mesmos termos em que é admitida para o M.P. (art. 77º, n.º1), o que significa que é permitida sem limitações.
Resta por fim analisar a acção popular no campo da acção administrativa comum. Aqui importa distinguir dois tipos de pedidos: os referentes à validade dos contratos (art. 40º, n.º1) e os referentes à execução dos contratos (idem, n.º2). Em ambos os casos o actor popular está presente. Nas palavras do prof. Vasco Pereira da Silva é uma situação que não se compreende uma vez que se tratam de acções que iram apreciar relações contratuais. Ora a própria noção de contrato parece ser incompatível com esta abertura do processo a quem não faz parte da relação contratual. Não faz sentido o legislador ter atribuído legitimidade “a quem não possui qualquer “interesse processual na demanda”, o que é contraditório com a natureza da relação contratual.

Bibliografia:
A Justiça Administrativa - Vieira de Andrade
O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise - Vasco Pereira da Silva
O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos - Mário Aroso de Almeida

Pedro Tarrinha Sequeira, sub-turma 12

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