quarta-feira, 12 de maio de 2010

Nada se Perde, Tudo se Transforma.

Com a Revisão Constitucional de 1989 procedeu-se à chamada “subjectivização” do Contencioso Administrativo, alterando o artigo 268º nº4 da Constituição da República Portuguesa, de ora em diante designada pela abreviatura de C.R.P. . Com esta alteração, o legislador português concedeu aos particulares o direito à “determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos”. Esta disposição, foi depois regulamentada pela legislação ordinária, nomeadamente pelo Código de Processo dos Tribunais Administrativos, doravante designado por C.P.T.A., neste, foi mais recentemente introduzida uma nova modalidade de acção administrativa especial, a acção de condenação à prática de acto devido, prevista nos artigos 66º e ss. do C.P.TA.
Com esta nova modalidade de acção administrativa, pretendeu o legislador suprir ineficiências existentes no sistema de tutela dos direitos dos particulares perante a Administração, e melhorar uma quadro anteriormente existente, que passava essencialmente por uma visão objectivista do Contencioso Administrativo, influenciado pela matriz francesa. Neste sistema o recurso de anulação de acto administrativo concentrava em si as possibilidades de o particular fazer valer os seus direitos, tendo como consequência ( em caso de decisão favorável ao particular), o reconhecimento dos direitos deste, mas nada mais do que isso, sendo necessário que o particular intentasse de seguida uma nova acção ( de execução da sentença)para que pudesse ser posto em prática o que anteriormente tinha sido decidido a seu favor.
A introdução da acção de condenação da Administração à prática de acto devido, suscitou na doutrina opiniões bastante fracturantes, divergências que entendemos que ainda não estão de todo sanadas, e dúvidas para quais ainda não há respostas acertivas.
A primeira questão que nos parece relevante nesta sede, prende-se com o interesse que ainda poderá manter a acção de impugnação de acto administrativo, prevista no artigo 50º e ss. do C.P.T.A., face à acção de condenação à prática de acto devido, a dúvida coloca-se porque, de acordo com o artigo 179º nº1 do C.P.T.A., havendo uma sentença que reconheça os direitos do particular face à Administração, o tribunal deve especificar o conteúdo dos actos e operações a adoptar para dar execução à sentença; ao mesmo tempo que, de acordo com o nº5 desse mesmo artigo, estando em causa a prática pela Administração de um acto administrativo de conteúdo vinculado à lei, pode o tribunal substituir-se à Administração, e emitir sentença que tenha os mesmo efeitos do acto em falta. Havendo mesmo doutrina que propõe a inutilidade da introdução de uma acção de condenação à prática de acto devido, entendendo que ambas as acções ( de condenação e de impugnação), acabam por ter os mesmos efeitos; nesta linha há posições bastante críticas da acção de condenação à prática de acto devido, como a da Doutora Maria Francisca Portocerro.
Não entendemos que assim seja, mantendo os dois tipos de acção cada um a sua utilidade e não havendo desfazamento ou duplicação de meios. Entendemos que assim é, porque enquanto na acção de impugnação de acto administrativo prevista no artigo 50º e ss. do C.P.T.A., é necessária acção subsequente de execução dessa mesma sentença, prevista no artigo 173º e ss. do C.P.T.A., disposições nas quais se insere o citado artigo 179º do C.P.TA. . Assim, a doutrina que critica esta disposição, e considera inútil a acção de condenação à prática de acto devido, não tem em conta que, enquanto anteriormente o particular tinha que aguardar, por vezes durante anos, que o processo para a anulação do acto praticado pela Administração chegasse ao fim, tinha depois de interpor nova acção de execução da sentença anteriormente proferida, com todo o dispêndio de meios que isso implicava, e com todos os prejuízos inerentes à morosidade de tal processo, sob pena de, quando fosse emitida a sentença que concilia o processo de execução, já não se poder responsabilizar a Administração. O que não significa que não mantenha actualidade a acção de impugnação de acto administrativo, deduzida isoladamente, apesar de a lei parecer querer ir no sentido de que se deve optar pela impugnação e condenação, como se deduz do preceituado no artigo 51º nº4 do C.P.T.A. No entanto, acção de impugnação ,mantém actualidade, como bem explica o Prof. Mário Aroso de Almeida, uma vez que pode haver situações nas quais o particular quer ver o acto administrativo impugnado, imediatamente, mas não pretende que os seus efeitos se façam sentir de imediato, agindo de acordo com a sua liberdade de iniciativa privada e conciliando os meios administrativos que tem à sua disposição com as conveniências da sua vida privada. Podemos até ilustrar esta situação com um exemplo, citado pelo Prof. Mário Aroso de Almeida e que consiste na situação em que o particular pede a impugnação do acto de indeferimento do pedido de licença de construção de uma determinada obra, mas não pretende levar já a cabo essa mesma obra, preferindo pedir mais tarde a condenação da administração a cumprir, entendemos que nestas situações faz sentido que se possa deduzir em separado as duas acções, tendo a acção de impugnação do acto administrativo uma natureza e função autónoma da acção de condenação da administração da administração à prática de determinado acto. Entendimento diferente é aquele que é propugnado pelo Prof. Vasco Pereira da Silva que entende que o artigo 51º nº4 do C.P.T.A. é um preceito imperativo, não podendo a acção de impugnação ser deduzida desligada da acção de condenação à prática de acto devido.
Concluindo, podemos dizer que, em nossa opinião nenhuma das críticas que aqui foram expressas à acção de impugnação de acto administrativo deve proceder, a primeira porque se baseia na ideia já desactualizada de que a discricionariedade e autonomia da Administração saem afectadas com a autonomização da acção de condenação à prática de acto devido, pretendendo que tudo se mantenha como antes da Reforma de 1989, e que a acção de condenação seja reconduzida à acção de impugnação de acto de acto administrativo, fazendo levantar o espectro do recurso de anulação.
A segunda crítica, em sentido diametralmente oposto a esta última, propugna um corte radical com a acção de impugnação de acto administrativo, talvez por toda a carga do passado recurso de anulação que trás com ela, e pretende assim impor definitivamente o subjectivismo absoluto, mas, sem atender, pensamos, a que com esse “corte radical” com o passado se podem subverter interesses do particular, como os do exemplo supra citado.

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