sexta-feira, 21 de maio de 2010

O Recurso Hierárquico (Des)Necessário

O recurso hierárquico é um meio de impugnação de actos administrativos praticados por um órgão subalterno perante o seu superior hierárquico com o intuito de que este proceda à sua renovação ou substituição.
O Prof. Freitas do Amaral considera que o essencial para que haja recurso hierárquico é a existência de uma relação de hierarquia (com poderes de direcção, superintendência e disciplina).
Para o Prof. Marcello Caetano apenas seria necessário que o órgão que praticou o acto estivesse sujeito ao poder de superintendência do órgão ao qual se recorre.
Na hipótese de o acto ter sido praticado no âmbito da sua competência exclusiva, surgem-nos 3 posições diversas: o Prof. Marcello Caetano defendia que, apesar de o superior hierárquico não poder revogar o acto, poderia este emitir uma ordem ao subalterno para que esse o fizesse; José Robin de Andrade considera que o superior pode, ele próprio, revogar o acto do subalterno, não obstante constar da sua competência exclusiva; Prof. Freitas do Amaral é da opinião que não há recurso hierárquico nestes casos, uma vez que não existe poder de supervisão.
Não desconsiderando este debate, o que nos importa tratar é especificamente o recurso hierárquico necessário. O recurso hierárquico necessário mais não é que uma impugnação administrativa necessária, que serve de pressuposto ao acesso à via contenciosa, isto é, antes de recorrer ao tribunal, o particular teria que recorrer para o superior hierárquico.
Antes da revisão constitucional de 1989 e respectiva reforma do CPTA, o Prof. Vasco Pereira da Silva rumava contra toda a maré acusando a existência de um recurso necessário inconstitucional, servindo-se como argumentos: violação do direito fundamental de recurso contencioso por parte dos particulares (art. 268º/4 CRP); a não utilização de uma garantia constitucional inutilizaria o direito de acesso aos tribunais, pondo em causa a separação entre Administração e Justiça (arts. 114º, 205 e 206º CRP) na hipótese de não haver interposição prévia do recurso hierárquico, no prazo de 30 dias (art. 168º/2 CPA), haveria uma súbita redução do prazo para a impugnação do acto administrativa, inutilizando-se o direito; violação do princípio da desconcentração administrativa que prevê a impugnação imediata dos actos dos subalternos sempre que lesivos, independentemente da organização e hierarquia administrativas (art. 267º/2 CRP).
Os Profs. Mário Aroso de Almeida, Vieira de Andrade e Rogério Soares sempre se pronunciaram contra a inconstitucionalidade de tais normas. O Ac. TC nº 499/96, seguindo a esteira destes autores vem dizer que “Não se pode concluir, porém, que seja hoje inconstitucional qualquer exigência de recurso hierárquico necessário. Quando a interposição deste recurso não obsta a que o particular interponha no futuro, utilmente, em caso de indeferimento, recurso contencioso, não terá sido violado o direito de acesso aos tribunais administrativos (…). Estará em causa, simplesmente, uma ordenação de processo jurisdicional (…).”
Com a dita reforma, o legislador vem, em nosso entender, dar razão ao Prof. Vasco Pereira da Silva e afasta por completo o recurso hierárquico necessário, e, para tal poder-se-á alegar as seguintes justificações: o art. 51º/1 CPTA somente afasta a impugnabilidade contenciosa de qualquer acto administrativo susceptível de lesar direitos e caracterizado de eficácia externa, em parte alguma mencionando o recurso necessário; art. 59º/5 CPTA declara o livre recurso à impugnação por via contenciosa; art. 59º/4 CPTA estabelece o efeito suspensivo do prazo de impugnação pela via contenciosa. Finda a exposição de argumentos vem o Prof. Vasco Pereira da Silva indicar a última utilidade deste recurso: o pedido de uma “2ª opinião” à Administração, antes de partir para meios “menos graciosos” e mais dispendiosos de tutela.
Uma outra, e maioritária, posição doutrinária (Profs. Mário Aroso de Almeida, Vieira de Andrade e Rogério Soares), acompanhados pela jurisprudência (nomeadamente no Ac. STA 07/01/09) considera que o recurso necessário ainda não desapareceu do nosso ordenamento, afirmando que se deve fazer uma interpretação restritiva do CPTA, considerando-o a regra geral que não revogou todos os diplomas avulsos que ainda fazem referência a este tipo de recurso por serem normas especiais.
Vem a Prof. Vasco Pereira da Silva criticar esta posição constatando que seria uma contradição absurda o CPTA acabar com um pressuposto processual que ainda vigoraria para situações específicas. Além do mais, há que atentar que antes da reforma essas normas não eram especiais, porque o seriam agora? Este Prof. vem ainda dizer que a fazer-se a interpretação sugerida pelos outros autores manter-se-ia a inconstitucionalidade que existia antes da reforma, defendendo que há uma caducidade por falta do objecto das normas (recurso hierárquico como pressuposto da acção contenciosa).
Posto isto, o particular lesado por um acto administrativo conta como alternativas: a) recorrer directamente à impugnação contenciosa; b) servir-se do recurso hierárquico gozando do efeito suspensivo e só então servir-se da via contenciosa; c) servir-se do mesmo recurso hierárquico e sem esperar pela sua decisão interpor a acção no tribunal competente.
Em jeito de conclusão, apesar de não suportada pela restante doutrina e jurisprudência, aprece-nos mais correcta a posição do Prof. Vasco Pereira da Silva, por todos os argumentos atrás mencionados, apenas recorreríamos à figura da revogação tácita ao invés da da caducidade das normas “pseudo-especiais”.
Catarina Medeiros
Turma 9 Nº 16548

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