A questão dos modelos de justiça administrativa foi muito controvertida na história política e constitucional dos Estados.
Antes das Revoluções Liberais, vigorava um Sistema Administrativo Tradicional, caracterizado essencialmente por uma indiferenciação das funções Administrativa e Jurisdicionais (Rei exercia simultaneamente as duas funções), e uma ausência de subordinação da Administração Pública ao principio da legalidade, com os consequentes reflexos nas garantias dos particulares.
No entanto, este cenário veio alterar-se em virtude da Grande Revolução em Inglaterra- 1688, e Revolução Francesa-1789. Estas, vieram produzir efeitos nos respectivos sistemas administrativos, dando portanto origem a dois modelos de Administração bem diferentes: sistema de tipo Britânico, de administração judiciária, (dado o forte prestigio do poder judicial) ou modelo subjectivista, na designação adoptada por Vieira de Andrade, em virtude de ter em consideração a “tutela de direitos dos particulares”, por contraposição ao sistema de tipo Francês, de administração executiva (devido a autonomia do poder executivo relativamente aos tribunais) ou modelo objectivista, na linha da posição deste Professor, por visar a “defesa da legalidade e interesse publico”.
A comparação dos sistemas Inglês/ Francês representa portanto o contraste de modelos de Justiça Administrativa.
Começando a minha exposição pelo sistema de Administração Judiciária Britânico, este, apresenta como características fundamentais: a separação de poderes, através da consideração dos poderes Administrativos e Judiciais como poderes autónomos e independentes, que se limitam um ao outro mas que, como afirma Vasco Pereira da Silva” sem que isso significasse a sua integração em qualquer entidade superior…”. Em 1689, os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos Britânicos ficaram consagrados no Bill of Rights, que determinou ainda a submissão de todos ( incluindo o Rei e Administração) ás regras de direito comum, consagrando-se por esta via o “Império do Direito - Rule of Law”. Nestes termos, imperava uma unidade de Jurisdição, uma vez que o controlo jurisdicional da Administração era exercido por courts of law, também denominados Tribunais comuns, não se fazendo por isso qualquer distinção dos meios processuais a utilizar em virtude de se tratar de litígios que surgissem entre os particulares e Administração ou relativamente ás relações dos particulares entre si - todos são da competência dos tribunais comuns. Como já referenciado, o direito regulador da Administração é o mesmo pelo que se regem os cidadãos-direito comum-, não havendo portanto lugar a qualquer tipo de privilégios de autoridade pública. De referir ainda que as decisões administrativas estavam neste sistema, sujeitas a sentença do tribunal, ou seja na dependência de intervenção judicial para revestir de eficácia e imperatividade aquela decisão. Isto significa que no sistema administrativo de tipo Britânico está vedado á administração a execução, por si mesma, das suas decisões, ou seja é-lhe negada força executória própria, afigurando-se por isso determinante a intervenção dos Tribunais. Neste modelo, os tribunais comuns gozam de amplos poderes de jurisdição não apenas em relação á Administração Pública, como em face de qualquer cidadão ou entidade privada, o que assegura um eficaz sistema de combate a ilegalidades e abusos por parte da Administração e assim garantindo uma melhor protecção dos particulares, do que aquela fornecida pelo sistema de tipo Francês, como adiante se analisará. Como refere Freitas do Amaral :” Se as leis conferem alguns poderes de autoridade pública aos órgãos administrativos, este são considerados como tribunais inferiores e, se excederem os seus poderes (actuação ultra vires), o particular cujos direitos tenham sido violados pode recorrer a um tribunal superior, normalmente o King’s Bench, solicitando um mandado ou ordem do tribunal á autoridade para que faça ou deixe de fazer alguma coisa”.
Por sua vez, o sistema Administrativo de Tipo Francês ou de Administração executiva, é muito centralizado no governo e por isso “ era visto como instrumento de realização do interesse público, na época concebido como interesse do Estado…”.
Este modelo de administração desenvolveu-se após a Revolução de 1789, que marcou o início da fase que o Professor Vasco Pereira da Silva designa de “ Pecado Original” do Contencioso Administrativo, uma vez que uma interpretação “distorcida” da separação de poderes criou uma enorme confusão entre os poderes administrativo e judicial, dando portanto origem a um sistema em que “o administrador era juiz e o juiz era administrador”. Em 1799 foram criados Tribunais Administrativos ( que eram órgãos da administração e não verdadeiros Tribunais), cuja função era julgar com independência e imparcialidade outros órgãos da Administração- foi o caso do Conseil d’Etat e Conseils de Préfecture. A Administração Pública Francesa, fica portanto, depois da Revolução, apenas subordinada á jurisdição dos Tribunais e direito Administrativos, verificando-se aqui uma grande diferença relativamente ao Sistema de tipo Judicial, já analisado, e em que vigora o principio do common law É, pois a ideia de um Estado “todo-poderoso”, que está na base da construção do sistema de administração executiva e que “ vai obrigar á criação de um contencioso “especial”, pois é “inconcebível” o seu julgamento por um qualquer juiz”. Reflectindo o entendimento de diferença de posições entre Particulares e Administração que já vigorava,( em virtude de esta prosseguir funções de direito público e actuar para a satisfação das necessidades colectivas), este contencioso “especial” vinha conferir-lhes amplos poderes de autoridade sobre os cidadãos, que forma a que lhes pudessem ser impostas as suas decisões. O direito Administrativo dotava nestes termos a Administração Pública de um conjunto de poderes sobre os cidadãos, entre os quais se destacava o do “ privilégio de execução prévia”. Este, permitia-lhe executar as suas decisões através de autoridade própria, sem que tivesse de recorrer á intervenção judicial para garantir o respeito e dotar de eficácia as suas decisões. Tinham nestes termos força executória própria, podendo ser coactivamente impostas aos particulares sem necessidade de para tal, reclamar a intervenção do poder judicial. (contrariamente ao que ocorria no sistema inglês, onde vimos que as decisões unilaterais da administração não têm força executória própria). Finalmente de referir, que as garantias dos particulares, sendo no sistema francês asseguradas por Tribunais Administrativos e não por Tribunais comuns( a semelhança do que sucedia nos sistemas de tipo Britânico), demonstram a necessidade de se recorrer aqueles sempre que se quiserem defender de eventuais abusos ou ilegalidades. Fica portanto demonstrado a menor protecção dos particulares face á Administração neste sistema, do que aquele outro que é oferecido pelo sistema de tipo britânico ou de administração judiciária, já analisado.
Em jeito de conclusão, podemos apontar como principais critérios diferenciadores dos dois sistemas: a centralização/descentralização da organização administrativa; unidade ( tribunais comuns) / dualidade( Tribunais Administrativos) de jurisdições quanto ao controlo da Administração; direito privado/ publico regulador da mesma; força executória própria das decisões unilaterais da administração/ dependência de sentença para a tornar eficaz…
Assim, apesar dos diferentes pontos de partida e das diferenças formais na construção do respectivo sistema, “ conforme se vise, primacialmente, a defesa da legalidade ou juridicidade administrativa, ou se pretenda, principalmente, assegurar a protecção dos direitos dos particulares”como refere Vieira de Andrade, os dois modelos têm em ultima instância, em comum, o facto de ambos procurarem alcançar a máxima eficiência administrativa. Nestes termos, a evolução verificada no séc. XX e o facto de pertencerem á UE, tem vindo contribuir para uma aproximação significativa dos sistemas, conferindo-lhes pois, uma maior maleabilidade. Tem-se neste sentido, vindo a assistir a uma verdadeira homogeneização dos modelos de Administração, ainda que o contraste das tradições nacionais continue visível, sobretudo ao nível do controlo jurisdicional da Administração (unidade / dualidade de jurisdições). Mais uma vez seguindo a linha de pensamento deste Professor se conclui que hoje a “finalidade da justiça administrativa há-de ser assegurar a juridicidade da actividade administrativa e que esta não se reduz á protecção jurídica dos direitos e interesses dos particulares que se dirigem aos tribunais, inclui também, senão principalmente, a garantia da prossecução do interesse público e de outros interesses comunitários, com os quais muitas vezes concorrem, aliás, interesses individuais de outros particulares.”
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