terça-feira, 18 de maio de 2010

Os sistemas administrativos britânico e francês

Até aos sécs. XVII e XVIII vigorou na Europa um sistema administrativo caracterizado pela indiferenciação entre as funções administrativa e jurisdicional. Este modelo correspondia à tradicional Monarquia Absoluta em que o Rei era supremo administrador e juiz, concentrando-se, assim, no mesmo órgão o poder executivo e judicial. O modelo tradicional caracterizava-se também pela não subordinação da Administração Pública ao princípio da legalidade na medida em que ou simplesmente não existiam normas que regulassem a actuação da Administração, ou, existindo, não vinculavam o poder soberano. A concepção do Estado da época não se assemelhava em nada com o actual Estado de Direito, sendo insuficiente o sistema de garantias jurídicas dos particulares face à Administração. O sistema tradicional vigorou na Europa durante séculos até à Revolução Francesa, com a qual foi consagrado o princípio da separação de poderes e foram proclamados os direitos do Homem, podendo os particulares passar a invocar normas a seu favor na defesa de direitos ou interesses legítimos ofendidos pela Administração. A partir da Revolução Francesa passaram a vigorar na Europa dois modelos administrativos muito distintos.
O primeiro, de tipo britânico, pode ser configurado como um sistema de administração judiciária, dado o papel preponderante exercido pelos tribunais. O sistema britânico tem como características a separação de poderes, sendo vedado ao Rei imiscuir-se nos assuntos judiciais, e o facto de se tratar de um Estado de Direito, com a consagração de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos no Bill of Rights, ficando o Rei subordinado ao Direito (rule of law), especialmente ao direito consuetudinário (common law). Assim, há uma sujeição da Administração aos tribunais comuns, sendo os litígios entre entidades administrativas e particulares da competência destes tribunais, e não de tribunais especiais. Como consequência do rule of law, a Administração Pública não dispõe de qualquer tipo de privilégios, encontrando-se subordinada ao direito comum. Para além desta subordinação à lei, as decisões administrativas unilaterais não possuem força executória própria, não podendo ser impostas pela coacção sem uma prévia intervenção do poder judicial, ou seja, é precisa uma sentença judicial para executar as decisões da Administração. Quanto às garantias jurídicas dos particulares, os tribunais comuns gozam de plena jurisdição face à Administração Pública, podendo o juiz anular decisões ilegais e ordenar às autoridades administrativas que cumpram a lei.
Por sua vez, o sistema administrativo de tipo francês tem em comum com o sistema britânico o facto de ambos consagrarem a separação de poderes e o Estado de Direito, mas ao seguir a máxima de que “julgar a Administração é ainda administrar”, sujeita a Administração a tribunais administrativos, que eram na realidade órgãos da própria Administração, incumbidos de fiscalizar a legalidade dos seus actos. Esta particularidade prende-se com o facto de o princípio da separação de poderes ter sido levado a um extremo, de acordo com o qual o poder judicial não poderia interferir no funcionamento da Administração – a solução consagrada pelo sistema francês tem uma explicação histórica, pois os tribunais ofereciam resistência à implantação do Novo Regime e os órgãos políticos tiveram de tomar medidas para impedir essas intromissões no poder executivo. Para além de estar sujeito à fiscalização por órgãos próprios, a Administração, por dispor de poderes de autoridade e tendo que prosseguir o interesse público, não se encontrava ao mesmo nível que os particulares, pelo que se subordinava a um ramo de direito próprio, o Droit Administratif. Ao contrário do que sucede com o sistema britânico, a Administração não carece de uma sentença judicial para impor as suas decisões, gozando do privilégio da execução prévia, isto é, as decisões unilaterais da Administração possuem força executória própria, podendo ser impostas pela coacção aos particulares, sem qualquer intervenção dos tribunais. Tal como o sistema administrativo inglês, o modelo francês assenta num Estado de Direito, dispondo aos particulares um conjunto de garantias jurídicas contra abusos e ilegalidades da Administração Pública, no entanto, no caso francês essas garantias são efectivadas através dos tribunais administrativos, e não pelos tribunais comuns, que não dispõem de plena jurisdição, limitando-se a anular actos ilegais praticados pela Administração. Dada a autonomia reconhecida ao poder executivo relativamente aos tribunais, o modelo francês é também denominado por sistema de administração executiva ou modelo administrativista.
Curiosamente, a evolução de ambos os sistemas tem sido num sentido de aproximação. Assim, em Inglaterra têm vindo a surgir os administrative tribunals e em França aumentaram as relações entre os particulares e o Estado submetidas à fiscalização dos tribunais judiciais. Relativamente ao direito aplicável à Administração, enquanto em Inglaterra, dada a transição para o Estado social de Direito (aumentando a sua intervenção), começaram a aparecer cada vez mais leis administrativas; em França, a Administração passou a actuar sob o domínio do Direito Privado em várias situações. Quanto à execução das decisões da Administração, em Inglaterra, passaram a ser obrigatórias para os particulares as decisões dos administrative tribunals e, em França, passou a ser possível os particulares obterem a suspensão da eficácia de decisões unilaterais da Administração Pública. Em relação às garantias dos particulares, já havendo uma efectiva tutela dos seus direitos pelo sistema britânico, é de referir que a evolução sentiu-se mais no sistema francês no sentido de que já não é apenas possível anular actos ilegais da Administração Pública, mas também exigir-lhe determinados comportamentos devidos.
Esta aproximação dos dois sistemas, principalmente a nível do controlo jurisdicional, do direito regulador da Administração e no sistema de garantias jurídicas dos particulares deve-se em grande parte à europeização do direito administrativo, potencializada pela existência de fontes de direito comunitárias, determinantes na evolução legislativa de cada país, que permitem uma maior convergência das legislações nacionais.

Maria Teresa Taborda Ferreira, subturma 9, nº 16769

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