quarta-feira, 21 de abril de 2010

A definitividade vertical: o recurso hierárquico necessário

A definitividade vertical: o recurso hierárquico necessário

A aceitação da definitividade vertical, plasmada no recurso hierárquico necessário, como requisito de impugnabilidade dos actos administrativos é alvo de querela doutrinária. Pode-se falar da existência de dois grandes grupos de opiniões. Um que entende que o recurso hierárquico necessário pode ser objecto de uma interpretação conforme ao nº4 do art. 268º da C.R.P. e portanto quando seja exigido não é causa de inconstitucional, e um outro grupo que defende a inconstitucionalidade material do recurso hierárquico necessário face ao disposto no referido nº4 do art. 268º da C.R.P..
Esta divergência doutrinária começou em 1989 com a redacção do nº4 do art. 268º C.R.P. (introduzido pela Lei nº1/89, de 8 de Julho) e da sua compatibilidade com as disposições que prevêem impugnações administrativas necessárias. Durante a vigência da L.P.T.A. foi suscitada por alguma doutrina, por exemplo, Paulo Otero e Vasco Pereira da Silva, a questão da inconstitucionalidade superveniente do art. 25º deste diploma face à alteração constitucional. O art. 25º da L.P.T.A. referia que "só é admissível recurso dos actos definitivos e executórios" e com o preceito constitucional na versão 1989 deixou de se centrar a admissibilidade de recurso contencioso na definitividade do acto e passou a centrar-se na lesividade que o acto pode provocar. A favor da compatibilidade do art. 25º da L.P.T.A. com o nº 4 do art. 268º, redacção de 1989, manifestaram-se Vieira de Andrade e Mário Aroso de Almeida.
Esta questão foi apreciada, por diversas vezes, pelo Supremo Tribunal Administrativo e pelo Tribunal Constitucional, a jurisprudência de ambos os tribunais pronunciou-se pela não inconstitucionalidade do art. 25º da L.P.T.A., pois a consagração na lei da impugnação administrativa necessária, não viola, só por si, o nº4 do art. 268º C.R.P., tal só se verificaria se o direito de acesso ao tribunal consagrado no art. 20º da C.R.P. fosse restringido ou suprimido de forma intolerável, o que dificilmente se verificaria com a consagração da impugnação administrativa necessária, já que o administrado pode sempre vir a impugnar judicialmente o acto que põe fim ao procedimento (veja-se os acórdãos do STA: 03.02.1996 rec. 41.058; 18.04.2002 rec.46.058 e do TC nº86/84; nº39/88; nº499/96 e nº 40/01). Como refere Aroso de Almeida não cabe à Constituição estabelecer os pressupostos de que possa depender a impugnação de actos administrativos em termos de se afirmar que se não forem objecto de expressa previsão constitucional não são legítimos.
Esta querela tomou nova força, com a nova redacção do nº4 do art. 268º C.R.P. (dada pela Lei 1/97, de 20 de Outubro) esta nova redacção consagrava o direito à tutela jurisdicional efectiva possibilitando a impugnação de todos os actos que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados. Mais uma vez, o STA e o TC pronunciaram-se pela compatibilidade dos preceitos, o art. 25º da L.P.T.A., bem como das normas avulsas que impõe a impugnação administrativa necessária como pressuposto para a impugnação contenciosa, com o preceito constitucional. Veja-se, por exemplo o Acórdão do TC nº 425/99 que refere "Por outro lado, da obrigatoriedade de um prévio recurso hierárquico não resulta a inviabilização, ou sequer, a inadequação da tutela de direitos e interesses dos particulares. Apenas se impõe a necessidade de impugnação hierárquica prévia dos actos de órgãos de subalternos, ficando, em qualquer caso assegurado o posterior recurso contencioso.".
Assim andavam as coisas antes da entrada em vigor do C.P.T.A., e após a sua entrada em vigor, a 1 de janeiro de 2004, poucas coisas mudaram. Quem se pronunciava a favor da inconstitucionalidade da impugnação administrativa necessária continua com a mesma opinião, e quem dizia que não havia inconstitucionalidade continua a defender a mesma posição. Para alguns o que o C.P.T.A. se limitou a fazer foi concretizar a norma constitucional, não existindo qualquer incompatibilidade com as normas que prevejam impugnações administrativas necessárias, para estes autores, nomeadamente, Aroso de Almeida e Vieira de Andrade, o que aconteceu foi que o legislador do C.P.T.A. concretizou a vontade do legislador constitucional, de alargamento da garantia de recurso contencioso directo de quaisquer actos administrativos que lesem os direitos e interesses dos administrados, invertendo a antiga regra de recurso hierárquico necessário para a nova regra de recurso hierárquico facultativo. Deste modo, o administrado pode optar entre três soluções como decorre do art. 51º/1 e art. 59º nº4 e 5 C.P.T.A.:
1) só impugnar o acto contenciosamente,
2) só impugnar o acto administrativamente,
3) impugnar o acto administrativamente e contenciosamente.
Esta doutrina admite que a regra, hoje, é a do carácter facultativo da impugnação administrativa, mas isto não põe em causa as disposições legais especiais que previam e continuam a prever impugnações administrativas necessárias, pois tais normas especiais não foram revogadas nem pelo C.P.T.A. nem por qualquer outro diploma legal. Por isso, tais normas continuam em vigor como defendem Vieira de Andrade e Mário Aroso de Almeida. Para Aroso de Almeida o C.P.T.A. não tem o alcance de revogar as múltiplas normas especiais avulsas que instituem impugnações administrativas necessárias. Vieira de Andrade alerta que haverá inconstitucionalidade se os pressupostos exigidos pela lei ordinária para alcançar a via contenciosa forem extremamente gravosos, isto é, suprimindo ou restringindo intoleravelmente o acesso ao tribunal (art. 20º C.R.P.) ou, por qualquer outra forma prejudicar de forma desproporcionada a protecção judicial efectiva dos administrados, concluindo que isto ,por regra, não acontece na impugnação administrativa.
A doutrina que defendia a inconstitucionalidade da impugnação administrativa necessária reforça essa posição. Para esta doutrina os art. 51º nº1 e 59º nº4 e 5 do C.P.T.A. reflectem uma vontade legislativa de afastar definitivamente a impugnação administrativa necessária por imposição constitucional. Vasco Pereira da Silva refere que a impugnação administrativa necessária perdeu toda a utilidade e constitui um condicionalismo desnecessário, visto que o seu único objectivo era permitir o recurso contencioso, e hoje face ao C.P.T.A. a impugnação administrativa tem sempre carácter facultativo. Para este autor, o afastamento do recurso hierárquico vale tanto para as disposições do C.P.A. que regulam o recurso hierárquico necessário, como relativamente a qualquer lei avulsa que consagre a sua obrigatoriedade, estas caducam por falta de objecto. Pereira da Silva refere ainda que passa a valer a pena, na perspectiva do administrado, solicitar uma "segunda opinião" à Administração, visto que o seu direito de impugnação contenciosa não fica precludido pelo decurso do prazo, e o administrado pode logo aí ver satisfeita a sua pretensão.
De jure condendo ou de jure constituendo a opinião de Vasco Pereira da Silva parece-me a melhor doutrina. De jure constituto não vejo como as normas do C.P.T.A. (art. 51º nº1 e art. 59º nº 4 e 5) podem revogar ou fazer caducar as normas avulsas que impõem a existência de recurso hierárquico necessário, estas normas avulsas constituem para mim regras especiais (que impõem impugnação administrativa necessária) por contraposição ao regime regra do C.P.T.A. que consagra a impugnação administrativa como facultativa. Se o legislador não as revogou é porque entendeu que elas deveriam continuar a vigorar. E não encontro razões para considerar que a impugnação administrativa necessária é inconstitucional, pois não restringe intoleravelmente o acesso ao tribunal (art. 20º C.R.P.), que continua a ser possível após a impugnação administrativa necessária. Esta opinião tem por isso de ser entendida com a ressalva da garantia da tutela judicial em todos os casos concretos, ou seja, o condicionamento não pode ser de tal modo restritivo que impeça o recurso contencioso, o que por regime regra não acontece com a impugnação administrativa necessária. Assim a regra é a de que o recurso administrativo é facultativo (art. 51 nº1 C.P.T.A.), mas quando uma norma avulsa preveja a necessidade de impugnação administrativa necessária, ela mantém-se em vigor enquanto não for revogada pelo legislador, quando tal aconteça constitui um pressuposto processual necessário para a abertura da via contenciosa (veja-se o Ac. do STA de 28 de Dezembro de 2006 proc. 01061/06.

Doutrina Consultada:
Almeida, Mário Aroso de, O novo regime do processo nos tribunais administrativos;
Andrade, J. C. Vieira de, A justiça administrativa;
Silva, Vasco Pereira da, O contencioso administrativo no divã da psicanálise.

Jurisprudência Consultada:

STA:
Ac. 03.02.1996 rec.41.608; Ac. 18.04.2002 rec.46.058; Ac. de 28.12.2006 pr.01061/06.

TC:
Ac. nº 86/84; Ac. nº39/88; Ac. nº499/96; Ac. nº40/01; Ac. nº425/99.

Trabalho Realizado:
Cláudia Elias
nº 16567
Subturma 1


Sem comentários:

Enviar um comentário