sexta-feira, 9 de abril de 2010

Tarefa 2 - Processo administrativo: processo de actos ou processo de partes?

Na legislação actual portuguesa, o processo Administrativo é um processo de partes, ou seja, estão em causa direitos subjectivos dos particulares perante a Administração.
O processo de partes é muito diferente do processo de actos, e cabe-me aqui distinguir os dois tipos de processo administrativo. No modelo clássico, o processo administrativo era concebido como um processo de actos, uma vez que era destinado à verificação da legalidade da actuação da Administração. O particular era considerado como um mero objecto, um "administrado" e não como um sujeito, pois nem ele nem a Administração eram partes, estando em juízo somente para colaborar com o tribunal, com vista à defesa da legalidade e do interesse público.
Esta concepção clássica correspondia assim a um modelo objectivista, que negava a qualidade de parte dos particulares e da Administração no contencioso e a titularidade de direitos subjectivos aos privados perante a actuação administrativa.
O recurso de anulação era considerado como um "processo feito a um acto", destinado a verificar a legalidade do exercício autoritário de poderes administrativos. A Administração seguia o mesmo interesse que o tribunal, ou seja, a defesa da legalidade e do interesse público, o que decorria da confusão entre administrar e julgar.
A este processo de actos contrapõe-se o processo de partes, que foi expressamente consagrado na Constituição de 1976, através da integração do Contencioso Administrativo no poder judicial, e consequentemente, no Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). Neste processo de partes, que corresponde a um modelo subjectivista da justiça administrativa, a Administração e o particular são partes no processo, defendendo as suas posições perante o juiz, que tem um papel de terceiro no processo. No artigo 6º do CPTA, consagra-se o princípio da igualdade de partes, entre a Administração e os particulares. A igualdade dos sujeitos processuais é completada pelo artigo 8º do CPTA, que consagra o princípio da cooperação e boa fé processual. A propósito deste princípio, deve referir-se que o nº 3 do art. 8º tem como objectivo a facultação, por parte das entidades administrativas ao tribunal, de elementos de prova favoráveis à Administração e aos particulares, como aliás refere o Professor Vasco Pereira da Silva, não correspondendo a nenhum caso de desigualdade em relação aos próprios particulares.
Este modelo subjectivista destina-se igualmente a garantir a protecção dos direitos dos particulares, através da consagração nos artigos 209º e 268º/4 da Constituição, num contencioso plenamente jurisdicionalizado.
Neste âmbito, é importante referir que a legitimidade, enquanto pressuposto processual em relação aos sujeitos, está associada à qualidade de parte, uma vez que decorre da alegação da posição de parte na relação material controvertida (artigo 9º e seguintes do CPTA). Em relação à legitimidade activa, o autor só é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida, ou seja, quando alegar a titularidade de direitos subjectivos ou de posições de vantagem na relação jurídica administrativa. Esta alegação pelo autor vale para todos os meios processuais e pedidos, dado que todo o Contencioso Administrativo está plenamente jurisdicionalizado e subjectivizado. Segundo a perspectiva do Professor Vasco Pereira da Silva, todas as posições substantivas de vantagem dos particulares face à Administração devem ser consideradas como direitos subjectivos, não se justificando mais a distinção clássica entre direitos subjectivos, interesses legítimos e interesses difusos.
Mas para além dos particulares, também têm legitimidade activa os sujeitos referidos no nº 2 do art. 9º do CPTA, incluindo as autarquias locais e o Ministério Público. Este último tem o papel de sujeito processual, no que diz respeito à acção pública. Relativamente à acção popular, também regulada no art. 9º/2 do CPTA, esta constitui o poder de intervenção processual dos particulares e das pessoas colectivas, cuja actuação tem lugar independentemente de terem ou não interesse pessoal na demanda.
Assim, ao lado dos particulares, que actuam para a defesa dos seus interesses próprios, há que considerar também como sujeitos processuais o actor público e o actor popular, que actuam tendo em vista a tutela da legalidade e do interesse público, desempenhando uma função objectiva, ao invés da função subjectiva, de tutela efectiva e plena dos direitos dos particulares.
Aqui chegados, importa referir as vantagens e inconvenientes de cada um dos modelos. Em relação ao modelo objectivista, uma das vantagens é a de estabelecer garantias mais amplas de defesa da legalidade (e consequentemente, também dos interesses dos particulares, especialmente nas situações de interesses difusos), principalmente em extensão, uma vez que há uma tendência para alargar a legitimidade de acesso aos tribunais, quer seja contra actos individuais ou contra normas, tanto na acção particular como na acção colectiva, na acção pública e na popular.
A finalidade da justiça administrativa não é apenas a protecção jurídica dos direitos dos particulares, mas também a garantia da prossecução do interesse público e outros interesses comunitários. Sendo a actuação da Administração muitas vezes favorável aos particulares, importa acautelar o interesse público. Outra vantagem deste modelo é que, mesmo do ponto de vista dos direitos e interesses dos particulares, o facto de se considerar a Administração como poder não é só fonte de privilégios, mas também importa a existência de especiais deveres ou limitações, que resultam em favor dos administrados, como por exemplo, o ónus da prova ou o direito de recurso de decisões judiciais.
No entanto, o modelo objectivista também possui desvantagens, tais como a ligação do acto administrativo ao contencioso administrativo. Este contencioso objectivo não implica a existência de direitos subjectivos do particular e tudo vai girar à volta do acto administrativo: este é «pressuposto, objecto, "parte" única, meio de prova, medida da sentença», utilizando a expressão referida pelo Professor Vasco Pereira da Silva.
A concepção clássica do Contencioso Administrativo preocupou-se com a anulação do acto administrativo e o principal meio processual, o recurso de anulação, foi concebido como um «processo feito a um acto», nas palavras de Maurice Hauriou. No Estado Liberal, o acto administrativo era visto como uma manifestação autoritária do poder do Estado em relação a um determinado particular, no âmbito de uma Administração Agressiva, cujo objectivo era o de garantir essencialmente a segurança dos particulares, quer através da polícia, quer através das forças armadas, uma vez que a actuação administrativa tinha de ser reduzida apenas ao mínimo.
O particular era visto como um mero "objecto" do poder público e não como um sujeito jurídico e a doutrina considerou que ele não era titular de direitos face à Administração e que só actuava em juízo para a defesa de legalidade e do interesse público, correspondendo este entendimento, defendido por Hauriou, à concepção objectivista do processo feito a um acto. Outro entendimento da doutrina, seguido por Otto Mayer, foi considerar que o particular era titular de posições
jurídicas substantivas perante a Administração, mas os pretensos “direitos subjectivos” eram apenas reflexos do direito objectivo. De acordo com a primeira orientação da doutrina, do "processo ao acto", o particular não era titular de direitos subjectivos e o seu interesse na anulação do acto era o mesmo que o interesse da Administração, ou seja, o interesse público e a defesa da legalidade.
Com o surgimento do Estado Social, houve uma mudança de paradigma, mas o acto administrativo continuou a existir e verificou-se particularmente em Portugal, em que a concepção clássica e em especial, a noção de acto definitivo e executório, adoptada e teorizada por Marcello Caetano, foi consagrada pela legislação administrativa.
Contudo, sucedem-se múltiplas formas de actuação administrativa, e para além do acto administrativo, passam a existir os regulamentos, planos, contratos, entre outras formas de actuação da Administração. O acto administrativo deixa de estar ligado à concepção da Administração Agressiva (ou "de polícia"), e transforma-se num acto administrativo favorável e constitutivo de direitos, no âmbito de uma Administração Prestadora.
Todas estas alterações levaram à necessidade de procurar uma noção de Direito Administrativo adequada ao Estado Social e à Administração Prestadora, surgindo assim duas posições distintas da doutrina. Para a doutrina alemã, considerava-se a relação jurídica como o conceito dominante do Direito Administrativo, enquanto que para grande parte da doutrina italiana, o tema central era o procedimento administrativo. A orientação da doutrina alemã corresponde à concepção subjectivista do Direito Administrativo, que se caracteriza pela defesa dos direitos subjectivos dos particulares como fundamento de um relacionamento jurídico entre a Administração e o particular. Por outro lado, a orientação italiana segue uma perspectiva mais objectivista do Direito Administrativo, relacionada com a defesa do interesse público e da sua realização através da participação dos privados. O Professor Vasco Pereira da Silva adopta a perspectiva subjectivista, correspondente à relação jurídica entre a Administração e os particulares, entendendo que é o modo mais correcto de conceber esse relacionamento num Estado de Direito. O particular é um sujeito jurídico autónomo e tem uma posição igual à da Administração, de acordo com o princípio da igualdade entre partes.
A relação jurídica administrativa é consagrada no actual direito português, designadamente, através dos artigos 212º/3, 266º e 268º/4 e 5 da CRP, de vários artigos do CPTA e do art. 1º e 4º do ETAF.
Apesar da perspectiva adoptada, há que ter em conta a importância do procedimento administrativo, entendendo as relações procedimentais como modalidade de relações jurídicas, valorizando a dimensão procedimental dos direitos subjectivos.
Finalmente, em relação ao modelo subjectivista, pode apontar-se, como grande vantagem, o facto de atribuir uma protecção mais intensa aos particulares que sejam titulares de direitos perante a Administração. A evolução de grande parte dos sistemas administrativos demonstra isso mesmo, uma tendência para a subjectivização da justiça administrativa, devido à insuficiência do modelo clássico objectivista para garantir uma protecção judicial efectiva dos direitos dos particulares, cuja importância é cada vez maior.
Actualmente é consensual que o processo administrativo é um litígio entre partes, portanto, um processo jurisdicional, na sua origem. No entanto, o próprio modelo subjectivista tem também desvantagens, uma das quais é a inexistência da acção popular como uma figura geral, como ocorre na Alemanha. Semelhante situação acontece na acção pública, que é limitada à impugnação directa de normas.
O Professor Vieira de Andrade entende que a melhor solução seria a de combinar diversos aspectos dos dois sistemas (objectivista e subjectivista), de modo a retirar as vantagens de cada um deles, tendo em conta que não se pode descurar nenhum dos modelos referidos.

Bibliografia:
“A Justiça Administrativa (Lições) ” – Vieira de Andrade
"O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise" - Vasco Pereira da Silva

Raquel Amaral, Sub-turma 5, Nº 16835

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