sexta-feira, 23 de abril de 2010

Tarefa 2 - O processo administrativo como processo a um acto ou como processo de partes

Parece não haver qualquer dúvida de que o processo administrativo é, hoje em dia, um processo de partes.
Para uma melhor compreensão deste tema, há que recuar até ao modelo francês de administração em que o contencioso administrativo era de tipo objectivo com a mera função de verificação da legalidade de uma actuação administrativa. Neste modelo processo administrativo não era reconhecido o direito subjectivo das partes.
A Administração e o particular estavam em juízo para colaborar com o Tribunal na prossecução da legalidade e do interesse público não podendo nunca prosseguirem interesses próprios. De um ponto de vista substantivo não se considerava que existisse sequer relação jurídica entre Administração e particulares, ou a existir seria uma relação de soberania em que o particular era alvo desse poder. Não eram reconhecidos ao particular qualquer direito subjectivo perante a Administração. Assim nem a Administração nem particulares eram consideradas partes no processo administrativo.
No prisma tradicional do contencioso Administrativo, marcado pelos vários “traumas da infância difícil” que teve, impera a ideia de que o particular não é uma parte processual pois não impõe qualquer direito que tenha perante a Administração.
Contudo, concordando com o Professor Vasco Pereira da Silva, há um enorme contrasenso na ideia de que o particular estava em juízo apenas para defesa da legalidade e interesse público, como um colaborador do Tribunal e não para proteger os seus próprios direitos lesados por algum procedimento ilegal da Administração. O particular não teria assim qualquer interesse em ir a juízo a não ser, como o Professor Vasco Pereira Silva refere, motivado por um impulso altruísta. Apesar de a Constituição de 1976 e a reforma de 1984/85 terem apontado para uma transformação do Contencioso Administrativo num processo de partes continuaram a subsistir várias normas que indicavam o contrário, tornando reduzidas qualquer hipótese de intervenção processual dos sujeitos.
Também a Administração, na óptica de objectivista, não era considerada como parte no processo administrativo, era sim um auxiliar do tribunal na tarefa de estabelecimento da legalidade e do interesse público. Tal deriva da fase do “pecado original” caracterizada pela promiscuidade entre Administração e Justiça, onde distinguir a função administrativa e judicial era uma tarefa bastante difícil, pois só se poderá falar em processo de partes quando o juiz fosse um terceiro, imparcial, na causa em litígio. Ora neste caso o interesse da Administração era o mesmo do Tribunal. Só a Constituição de 1976 vem afastar esta promiscuidade até então existente, porém e apesar da reforma de 1984/85 ter equiparado as intervenções dos particulares às da Administração pública enquanto partes num processo o legislador continuava a apelidar a Administração de “autoridade recorrida”, fazendo assim menção a um poder autoritário da mesma perante os particulares.
Contudo, nos dias de hoje, num sistema de contencioso administrativo jurisdicionalizado tanto o particular como a Administração são partes no processo em que defendem os seus direitos perante um juiz. O particular defende a lesão de um direito que detenha e a Administração defende a legalidade e os interesses públicos. Ambas as partes estão em pé de igualdade, devendo ambas colaborar com o juiz na prossecução da justiça.
O Código de processo nos tribunais administrativos (CPTA) estabelece que tanto particulares como Administração são partes no processo administrativo, recorrendo à consagração do princípio da igualdade efectiva da participação processual no seu artigo 6º, que vem em definitivo afastar qualquer vestígio do modelo objectivista do processo administrativo.
Esta ideia de igualdade de partes no processo administrativo deve ser aliada aos princípios da cooperação e da boa fé processual constantes no artigo 8º do CPTA, com o intuito de uma colaboração entre as partes, respectivos mandatários e magistrados para que se atinja a adequada resolução de litígios, como refere o artigo 8º nº1, assim como a boa fé das partes de forma a evitar diligências e actos inúteis que tenham como único fim atrasar o processo, podendo as partes, quando incumprido seja este principio, ser sancionadas.
Podemos de facto constatar como o CPTA consagra o processo administrativo como um processo de partes, quando no seu artigo 6º se refere além das possibilidades de intervenção no processo, como a possibilidade de qualquer dos sujeitos processuais vir a ser sancionado pelo tribunal por litigância de má fé, ora tal possibilidade de sancionamento dos comportamentos de litigância de má fé das partes (particulares e Administração) vem responsabilizá-las por tais actos.
Esta ideia de que o processo administrativo é um processo de partes está “intimamente” ligada ao conceito de legitimidade processual, constante dos artigos 9º e seguintes do CPTA, assim como este se encontra conexo à qualidade de parte.
Deste modo, e em jeito de conclusão, será fácil vislumbrar as enormes vantagens de considerar o particular e a Administração como partes no processo administrativo, e não como meros auxiliares e colaboradores dos tribunais na sua função judicial, transformando-o num processo de partes, em que as partes poderão opor, defender e ver acautelados os direitos que lhes assistem perante um juiz imparcial que irá procurar a justiça da decisão. É de facto inconcebível que num sistema administrativo, como o nosso, em que a função administrativa e a função jurisdicional não se confundem, possa admitir um processo em que não exista direitos subjectivos dos sujeitos numa relação jurídica controvertida.

Marta Oliveira
Subturma 9

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