sexta-feira, 9 de abril de 2010

Tarefa 1 - Sistemas administrativos de tipo francês e de tipo britânico

O Contencioso Administrativo surgiu na Revolução Francesa e foi marcado por uma ligação da Administração à Justiça, que corresponde à fase do "pecado original", havendo assim uma confusão entre administrar e julgar.
No sistema administrativo de tipo francês ou de administração executiva, o nascimento do Contencioso Administrativo encontra-se essencialmente ligado à noção de Estado. O princípio da separação de poderes é um dos elementos essenciais deste novo modelo de Estado, tendo sido proclamado expressamente, em 1789, com a Revolução Francesa. Segundo este princípio, havia uma separação entre o poder executivo e o poder judicial, sendo Montesquieu quem integrou a separação de poderes no Estado. A interpretação do princípio da separação de poderes era completamente diferente da que vigorava em Inglaterra, dado que o poder executivo não podia interferir na competência dos tribunais, mas o poder judicial também não podia intervir no funcionamento administrativo.
Foi também estabelecida a enunciação dos direitos subjectivos invocáveis pelo cidadão contra o Estado, nos termos do art. 16º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.
Com a Revolução Francesa, criou-se ainda um contencioso especial para a Administração, tratando-se assim de um sistema centralizado e concentrado. Esta criação de órgãos administrativos especiais, como por exemplo, a criação do Conselho de Estado, justificou-se pela defesa da Administração traduzida na proibição dos tribunais comuns julgarem os litígios administrativos. O Conselho de Estado foi criado como juiz privativo da Administração no período classificado de "justiça reservada" de 1799 a 1872. Este órgão da administração tinha funções consultivas e também funções de resolução dos litígios administrativos, através da emissão de "pareceres", que eram sujeitos a homologação do Chefe de Estado. Mais tarde, a partir de 1872, as decisões do Conselho de Estado passam a ser definitivas, através da delegação de poderes do executivo, num período designado de "justiça delegada". O modelo continuava a ser o do administrador-juiz, apesar da mudança do período da "justiça reservada" para a "justiça delegada". Não foi ainda nesta altura que o Conselho de Estado se transformou num verdadeiro tribunal.
Este sistema da justiça delegada, como sistema liberal, pretendia atribuir a protecção dos direitos dos cidadãos a uma entidade independente e como sistema administrativo, atribuía à Administração uma posição especial no processo.
Há uma certa continuidade entre os modelos de Estado Absoluto e Liberal, devido a um compromisso entre elementos autoritários e liberais, que está na origem do conceito de Estado.
O acto administrativo agressivo, a organização concentrada e centralizada e o contencioso administrativo "meio" administrativo e "meio" jurisdicional, são elementos integrantes do modelo do liberalismo político, concretizado nos países que adoptaram este sistema de administração executiva.
Assim, no Estado Liberal, o particular era visto como um mero objecto do poder público e não como um sujeito jurídico, titular de direitos e deveres. Existia nesta altura uma confusão entre direito subjectivo e direito objectivo, pois falava-se num direito subjectivo do particular à legalidade objectiva, o que na realidade não corresponde a uma protecção jurídica subjectiva do particular, como entende o Professor Vasco Pereira da Silva. De um lado, situava-se o particular, considerado como titular de direitos de liberdade contra o Estado e por outro lado, a Administração, considerada como uma pessoa jurídica fechada, semelhante ao particular. Desta forma, ao longo do século XIX, considera-se que os órgãos administrativos não têm a mesma posição que os particulares, uma vez que exercem funções de interesse público, dispondo de poderes de autoridade e de privilégios. Nessa medida, os particulares não dispõem desses poderes de autoridade e a Administração está sujeita a deveres e restrições especiais que também não vigoram relativamente aos particulares, nascendo assim um conjunto de normas jurídicas de direito público, distintas do direito privado.
Em França, o processo de transformação dos órgãos de controlo da Administração em verdadeiros tribunais administrativos foi lento e duradouro. Com o surgimento do Estado Social ligado à "fase do baptismo" do Contencioso Administrativo, para utilizar a expressão referida pelo Professor Vasco Pereira da Silva, os litígios entre a Administração e os particulares passam a ser julgados por verdadeiros tribunais.
Na fase da "confirmação" do Contencioso Administrativo, afirma-se uma dupla dimensão: uma dimensão jurisdicional, em que o juiz é independente e goza de plenos poderes face à Administração, e uma dimensão subjectiva, correspondente à consagração da protecção efectiva e total dos direitos dos particulares.
A natureza jurisdicional dos tribunais administrativos adquire natureza constitucional, através da intervenção criadora do Conselho. A jurisdicionalização plena do Contencioso Administrativo foi um processo longo que só terminou com a ajuda da jurisprudência constitucional.
O "milagre" continuado da jurisdicionalização plena do Contencioso Administrativo ocorre aquando da sentença do Conselho Constitucional de 1980, que consagrou expressamente a identidade de natureza dos tribunais comuns e dos tribunais administrativos, constitucionalizando a Justiça Administrativa. A sentença do Conselho Constitucional de 1987 reafirma e desenvolve a independência das jurisdições administrativas, constitucionalizando o Direito Administrativo. Consagra-se assim, um modelo de Contencioso Administrativo realizado por verdadeiros tribunais e não por órgãos dependentes da Administração, com o objectivo de garantir uma protecção efectiva e plena dos direitos dos particulares. Surgem também reformas legislativas do sistema francês do Contencioso Administrativo.
Este processo de constitucionalização, tal como da europeização, aproxima o Contencioso Administrativo dos países europeus, afastando quaisquer fronteiras entre os sistemas.
A europeização contribuiu para a superação dos "traumas de infância" do Contencioso Administrativo, a par da constitucionalização, visando a garantia de uma efectiva e plena tutela jurisdicionalizada e subjectivizada.
Existe ainda uma alteração do paradigma do Contencioso Administrativo, designadamente em relação à tutela cautelar e urgente, e à regulação dos direitos dos cidadãos nas relações de procedimento administrativo.
Este sistema de administração executiva, que nasceu em França, vigora hoje em quase todos os países continentais da Europa ocidental, incluindo Portugal, desde 1832.
No sistema francês, é conferido à Administração Pública um conjunto de poderes sobre os cidadãos e entre esses poderes, o mais importante é o privilégio da execução prévia, que permite à Administração executar as suas próprias decisões. Estas decisões têm em regra força executória própria e, sem nenhuma intervenção prévia necessária do poder judicial, podem ser impostas pela coacção aos particulares.

No sistema administrativo de tipo britânico ou de administração judiciária, a separação de poderes significava a autonomia e independência de cada um dos poderes, através de uma limitação recíproca dos mesmos, mas daí resultava a sujeição da Administração aos tribunais comuns e às regras do direito comum. Os litígios entre as entidades administrativas e os particulares eram da jurisdição dos tribunais comuns e não da competência de tribunais especiais. Em consequência da consagração do império do direito (ou rule of law), o Rei, os outros órgãos e agentes da Administração Pública, os municípios e os particulares estão todos submetidos ao direito comum, não dispondo assim de privilégios ou prerrogativas de autoridade pública. Ainda segundo o princípio da separação de poderes, o Rei não podia resolver questões contenciosas, sendo também proibido de dar ordens aos juízes. O Rei ficou ainda sujeito ao direito, especialmente ao direito consuetudinário, que resultava de costumes sancionados pelos tribunais (common law). Os direitos, liberdades e garantias de todos os cidadãos ingleses foram consagrados no Bill of Rights (1689),que estabeleceu que o direito comum era aplicável a todos os britânicos, de qualquer parte da Grã-Bretanha. Nos primórdios, o sistema podia ser assim caracterizado pela não existência de Direito Administrativo.
Mas com o surgimento da Administração Prestadora, o sistema britânico vai passar por dificuldades, no que respeita à ligação entre Direito e Justiça Administrativa, que não tinham ocorrido na fase do "pecado original". Devido à intervenção dos poderes públicos a nível económico, social e cultural nos finais do século XIX e século XX, surgem normas reguladoras da actividade administrativa e assim se começou a criar e a aplicar Direito Administrativo no Reino Unido.
O controlo da Administração pelos tribunais comuns, enquadrados num poder judicial independente, revela-se ineficiente, graças à criação dos "administrative tribunals" (órgãos administrativos especiais). Estes órgãos possuem tarefas administrativas, mas também jurisdicionais, de controlo da actuação da Administração. Esta situação levou a uma "confusão" das relações entre Administração e Justiça, que se manifestou pela intervenção conjugada dos "administrative tribunals" com os "courts" (tribunais comuns). Diferentemente do sistema francês, em que na fase do "baptismo" do Contencioso Administrativo, os órgãos administrativos especiais transformaram-se em verdadeiros tribunais, no sistema britânico, surgiram os "administrative tribunals" que têm poderes de fiscalização da Administração, embora a "última palavra" tenha sempre que caber aos tribunais comuns ("courts") e não aos órgãos administrativos especiais. Nos dois sistemas, quem controla a Administração são tribunais independentes e autónomos, mas no sistema de administração executiva são os tribunais especiais, e no sistema de administração judiciária são os tribunais comuns.
Na fase da "confirmação" ou do crisma do Contencioso Administrativo, o Reino Unido, só nos anos 70, adquiriu dimensão constitucional. A esta "constitucionalização" acresce uma "especialização" progressiva do Contencioso Administrativo, designadamente através da reforma de 1977, que criou um tribunal especializado em matérias administrativas, no âmbito de uma unidade de jurisdição ("Queen's Bench Division" do "High Court") e da reforma de 1992, que estabeleceu alterações em matéria de garantias administrativas, nomeadamente a introdução de regras procedimentais. Esta última reforma contribuiu também para ser elevado a princípio da constituição material a regra segundo a qual existe um controlo do poder judicial relativamente às decisões das entidades administrativas.
Relativamente à europeização do Contencioso Administrativo, a expressão de "Processo Administrativo Europeu" tem cada vez mais sentido, especialmente na actualidade. No sistema britânico, existe uma grande influência do Direito Europeu no Direito Administrativo.
É particularmente evidente a influência da constitucionalização e da europeização no que diz respeito à organização do sistema de garantias dos particulares, designadamente através da compatibilização das garantias administrativas e das judiciais. Os particulares podem assim sempre impugnar as decisões das entidades administrativas junto de um tribunal comum. Relativamente aos meios processuais, também existe uma grande influência, devido ao direito de acesso a um julgamento equitativo e ao Direito Cautelar Europeu, que implicou um alargamento da tutela cautelar.
Este sistema de administração judiciária, com origem em Inglaterra, vigora actualmente na generalidade dos países anglo-saxónicos, incluindo os Estados Unidos da América.

Conclusão:
A evolução dos sistemas administrativos britânico e francês no século XX determinou em alguns aspectos uma relativa aproximação entre os dois modelos. O sistema britânico é um sistema descentralizado, apesar de nos últimos anos se ter tornado algo mais centralizado e o sistema francês também já não é um sistema totalmente centralizado e concentrado.
No que respeita ao controlo jurisdicional da Administração, só aparentemente há essa referida aproximação, uma vez que a administração britânica continua sujeita ao controlo dos tribunais comuns, apesar do surgimento dos "administrative tribunals". Por seu lado, em França, embora tenha aumentado o número de situações em que a Administração actua à luz do direito privado, o controlo administrativo continua a pertencer aos tribunais administrativos.
No século XX, surgiram na Inglaterra os "administrative tribunals" que, não sendo verdadeiros tribunais, são órgãos administrativos independentes para decidir questões administrativas. As suas decisões são obrigatórias para os particulares e não necessitam de confirmação judicial prévia para serem impostas por coacção. Deste modo, estes órgãos administrativos britânicos dispõem de poderes análogos aos do privilégio da execução prévia, típico do sistema francês. No entanto, a Administração Pública continua a não executar as suas decisões por autoridade própria, dependendo da sentença do tribunal comum. Por outro lado, no sistema francês, os particulares podem obter dos tribunais administrativos a suspensão da eficácia das decisões unilaterais administrativas.
Uma certa aproximação entre os dois sistemas também se efectivou na passagem do Estado Liberal para o Estado Social, uma vez que em Inglaterra surgiram milhares de legislações em matéria administrativa e a Administração francesa teve de passar a actuar, em diversas situações, sob a luz do direito privado, como por exemplo, no caso das empresas públicas.
Em último lugar, quanto às garantias jurídicas dos particulares, em Inglaterra, a Administração está sujeita aos tribunais comuns, assim como os particulares. No sistema francês, a Administração é independente do poder judicial, podendo os tribunais administrativos anular as decisões ilegais das autoridades ou condenar ao pagamento de indemnizações.
No entanto, no sistema francês, as garantias dos particulares face à Administração são menores do que no sistema britânico, uma vez que a administração tem poderes de autoridade, ao contrário deste último sistema. Em França, os cidadãos dispõem de um sistema de garantias jurídicas contra os abusos e ilegalidades da Administração Pública, existindo assim um sistema de plena jurisdição dos tribunais comuns face à entidade administrativa.

Bibliografia:
"O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise" - Vasco Pereira da Silva
"Curso de Direito Administrativo" - Diogo Freitas do Amaral

Raquel Amaral, Sub-turma 5, Nº 16835

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