quinta-feira, 22 de abril de 2010

O pedido de condenação ao acto administrativo devido tem vindo a ocupar o espaço do processo de impugnação?

Para tomarmos posição acerca desta matéria, convém, antes de tudo, explicitar em termos breves o regime.
Como refere o Prof. Vasco Pereira da Silva, a acção de administração à prática do acto devido, “constitui uma das principais manifestações da mudança do paradigma na lógica do contencioso administrativo que, ao passar da mera anulação para a plena jurisdição, deixa de estar limitado na sua tarefa de julgamento (…) superando muitos dos respectivos “traumas de infância””.
Este tipo de acção constitui uma modalidade de acção especial, e está prevista nos arts.66º e ss do CPTA e foi concebido a partir da uma revisão constitucional (a de 1997), que no seu art.268º/4 passou a referir que a garantia da tutela judicial efectiva dos direitos dos particulares haveria de incluir “a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos”.
Quanto ao objecto desta acção, esta contém duas modalidades, que correspondem a dois pedidos principais. Segundo o nº1 do art.66º, pode estar em causa a condenação à prática de um acto devido ilegalmente omitido ou recusado.
O que quer lei dizer com “acto devido”? Partilhamos da opinião de Vieira de Andrade, que refere que o acto devido é “ (…) aquele acto administrativo que, nas perspectiva do autor, deveria ter sido emitido e não foi, quer tenha havido uma pura omissão ou uma recusa (…)”. De referir ainda que “acto devido” não tem, obrigatoriamente, de ser um acto administrativo vinculado perante a lei, podendo, neste caso, albergar “momentos discricionários””.
No art. 66º/3 consagra-se uma regra que, em bom rigor, é repetitiva, pois já existe a regra geral do art.3º/2. O art.66º/3 refere que, no âmbito desta acção, o tribunal pode impor, sanção pecuniária compulsória destinada a prevenir o incumprimento.
Quais os requisitos ou pressupostos desta acção? Neste caso, basta olharmos para o art.67º, que, em termos gerais nos diz que deve sempre existir um procedimento prévio da iniciativa do interessado, que será, na maior parte das vezes, um requerimento dirigido ao órgão competente para obter a prática de um acto administrativo, consubstanciando depois um dos comportamentos descritos nas alienas do art.67º/1.
Continuando esta viagem singela pela acção de condenação à prática do acto devido, é necessário referir que, em relação à legitimidade, além de ter legitimidade quem alegue ser titular de um direito legalmente protegido dirigido à emissão de um acto (art.68º/1/a)), o CPTA vem estender a legitimidade às pessoas colectivas públicas ou privadas em relação aos direitos que lhes cumpre defender, ao Ministério Público, estando em causa ofensa aos direitos fundamentais (art.68º/1/a) e b), e às pessoas e entidades referidas no art.9º/2 (alínea d). Quanto à legitimidade passiva, estabelece-se no art.68º/2 que, além da entidade competente responsável pela omissão ou recusa, são obrigatoriamente demandados os contra-interessados, existindo aqui um litisconsórcio necessário.
No que diz respeito aos prazos, o art. 69º diz que estes dependem de ter havido inércia do órgão ou um indeferimento. Em caso de inércia o prazo será de um ano, que conta a partir do termo do prazo legal para emissão do acto administrativo. Quando estiver em causa um indeferimento, o prazo é de três meses.
Quanto ao disposto no art.70º, neste artigo prevê-se a possibilidade de integrar no objecto do processo também pedidos que dizem respeito a actos de indeferimento (nº1), e a actos de deferimento parcial (nº3), que sejam praticadas pela administração na pendência no processo. Isto tem uma explicação, que se deve ao facto de se pretender que a acção ainda tenha efeito útil e que o objecto do processo das acções de condenação corresponda à concreta relação jurídica material, tal como se configura no momento em que a decisão vai ser proferida.
Por último, importa ainda assinalar a pronúncia do tribunal, caso proceda a acção, será sempre condenatória, ou seja, o tribunal deve condenar o órgão à prática do acto devido. Aqui se vê a grande diferença para com a acção de impugnação.
Depois de este excurso sobre o regime da acção de condenação à prática do acto devido, importa explicitar a questão que foi levantada e tomar posição sobre ela.
A primeira sub pergunta à questão levantada é a seguinte: Esta afirmação é falsa ou verdadeira? Temos que responder que ela é claramente verdadeira. Passamos a explicar porquê.
Em primeiro lugar é útil referir uma discussão que existe na Alemanha, que é a questão de saber quando se utiliza a acção de anulação e quando deve ter lugar a acção para o cumprimento de um dever. Na verdade, entre nós, como refere o Prof. Vasco Pereira da Silva, esta questão não tem relevância teórica ou prática, pois a anulação e condenação são duas espécies de pedidos que correspondem à mesma acção, não se colocando aqui problemas de denegação de justiça. Por outro lado, esta questão não tem relevância, pois o legislador resolveu a questão dos conflitos de pedidos, sendo que a preferência ou prevalência caiu sobre o pedido de condenação, em relação ao de anulação. É aqui que está uma dos fundamentos da questão colocada. Na realidade, se o autor apresentou um pedido de condenação isto implica automaticamente o afastamento do acto administrativo da ordem jurídica, pois, como Vasco Pereira da Silva e Mário Aroso de Almeida muito bem referem, o legislador português consagrou como objecto do processo o direito do particular na concreta relação jurídica administrativa, ou seja, adoptou-se neste tipo de acção, uma concepção ampla de objecto de processo, em que o objecto do mesmo nunca é o acto administrativo, mas sim o direito do particular a uma determinada conduta da administração pública, que é o mesmo que dizer que o que está em causa é o direito subjectivo do particular no quadro da concreta relação jurídica administrativa. Tudo é retirado através de uma leitura do art.66º/2.
Isto tudo para dizer que o facto da acção à condenação à prática do acto devido estar caracterizado desta forma, faz com que haja uma preferência por parte dos particulares por esta forma de tutela, perdendo o acto de impugnação autonomia conceptual, estando a discussão que é feita na Alemanha completamente afastada no contencioso administrativo português.
Em segundo lugar, para dar substância à nossa afirmação, temos que invocar ainda outro argumento, a meu ver, preponderante. O CPTA, no seu art.51º/4 vem prever que se um particular, que apresentou um pedido de anulação, em vez de condenação, deve ser convidado a fazer o pedido adequado. Mais uma vez, como refere Vasco Pereira da Silva, o CPTA considera que aquilo a que é objecto do processo não é o acto administrativo, mas sim o direito do particular à conduta devida. Como este convite do tribunal dá vantagens ao autor, ele na maior partes das vezes aceitará tal convite. Mais uma vez há aqui a preterição da impugnação administrativa em benefício da condenação à prática do acto devido.
Concluímos referindo, que, depois do exposto, é óbvio que o acto de condenação à pratica do acto devido têm tendência a alargar, cada vez mais ocupando um espaço que sempre foi da “clássica” acção de impugnação.

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