sábado, 17 de abril de 2010

Tarefa 1: Sistema Francês e Sistema Inglês

A possibilidade de reacção contra a administração pública é uma realidade não muito antiga, mas hoje em dia ninguém discute a consagração desse direito aos particulares. Porém, a evolução do contencioso administrativo demonstra que para se chegar a essa realidade actual foi preciso ultrapassar uma série de fases que nem sempre se mostraram líquidas.
Recuando um pouco é de referir que o Contencioso Administrativo nasce com a Revolução Francesa de 1789, numa clara reacção contra o Antigo Regime e que assenta essencialmente na jurisprudência do Conselho de Estado. A criação do Conselho de Estado tinha como principais objectivos, ao abrigo do princípio da separação de poderes, a instituição de um contencioso especial para a actuação da administração pública, obstando assim à intervenção dos tribunais judiciais nesse campo. O Conseil d' État funcionaria, então, como um juíz privativo da administração.
O professor Vasco Pereira da Silva, na sua obra "O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise", faz uso de uma terminologia sui generis que nos ajuda a perceber melhor a evolução do contencioso administrativo nos principais sistemas administrativos, maxime o sistema francês e o sistema anglo-saxónico.
A época pós Revolução Francesa corresponde a denominada fase do Pecado Original, onde o grande pecado passaria pela confusão que existia entre julgar e administrar. Ao abrigo da separação de poderes, os tribunais comuns estavam proibidos de interferir na esfera jurídica da administração, isto porque os autores da revolução entendiam que julgar a administração seria ainda administrar, e nessa medida os tribunais comuns estariam a fazer uso de um poder que não lhes pertencia. É uma clara interpretação errada do princípio da separação de poderes, da qual veio a surgir o sistema denominado de administrador-juíz. O que se pode retirar deste sistema é que em relação ao antigo regime nada mudou poque o Estado continua a surgir como um ente intangível que não está sujeito a qualquer poder judicial. Esta é a realidade francesa.
A situação era diferente no Reino Unido, onde cada poder coabitava com autonomia, limitando-se de forma recíproca, mas sem que existisse uma integração numa entidade mais elevada, o que levou à submissão da administração às regras do direito comum. Posto isto, alguns teóricos concluíram que no Reino Unido não existia Direito Administrativo, aquando uma comparação entre sistemas. Continuando no sistema inglês, é de salientar que com a passagem para o Estado Social viveram-se momentos conturbados. Com uma administração prestadora, a intervenção dos poderes públicos nos vários quadrantes sociais leva à criação de entidades e de normas administrativas, surgindo mesmo algumas especificidades contenciosas, até ao nível dos tribunais. No entanto, o que teoricamente era o sistema inglês afastava-o da realidade, porque o controlo judicial era menor dada a discricionariedade que era atribuída ao juíz do tribunal comum, existindo por outro lado regras distintas, ao nível do processo, para as relações administrativas. Esta constatação culminou com a criação de órgãos administrativos especiais com tarefas administrativas e jurisdicionais.
Em França, por outro lado, assistia-se a uma jurisdicionalização do Contencioso Administrativo. O "quase-tribunal" passou a ser um verdadeiro tribunal, protegendo os interesses dos particulares. É denominda fase do Baptismo, onde a jurisprudência do Conselho de Estado se impôs devido ao seu prestígio. Assim sendo a ideia de pecado original era cada vez mais mitigada, já que justiça e poder administrativo cada vez mais se autonomizavam. É aqui que os dois sistemas em análise se aproximam, pois ambos têm entidades fiscalizadoras da actuação administrativa, embora em França fossem tribunais na verdadeira acepção da palavra, enquanto no Reino Unido eram entidades administrativas especiais.
Em último lugar, mas não menos importante, surge a fase do Crisma ou da Confirmação, onde o juíz goza de plenos poderes face à administração e onde se consagra uma efectiva dimensão subjectiva destinada à protecção dos particulares. Esta Confirmação verifica-se em primeiro lugar na Constituição - constitucionalização - e depois ao nível europeu - europeização. Em França é o Conselho Constitucional que vai consagrar ao nível da lei fundamental a importancia do contencisos adminstrativo, confirmando a existência de verdadeiros tribunais administrativos e a sua efectiva importância na defesa dos interesses dos particulares. Já no Reino Unido, a realidade jurídica levou a consideração do Contencioso como parte integrante da constituição material.
O papel dos juízes foi fundamental, do ponto de vista da criação.
Por último cumpre dizer que para a mudança de paradigma no Contencioso Administrativo é fruto das regras comunitárias - europeização - tanto ao nível das fontes, a denominada integração vertical, quer ao nível dos princípios, na chamada integração horizontal.
Concluíndo, o sistema administrativo em Portugal é claramente "filho" do sistema francês, sistema este que passou por várias fases e obstáculos, o que lhe confere uma natureza firme e ponderada na consagração e na adequação da Justiça Administrativa aos interesses dos particulares.
Gonçalo Frutuoso, subturma 12

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