domingo, 18 de abril de 2010

Tarefa 2- Legitimidade processual: novos e velhos problemas.

Legitimidade das partes em processo administrativo

1.Legitimidade activa

Em matéria de legitimidade das partes em processo administrativo, rege o art.9º, nº1, CPTA, o qual institui um principio geral de legitimidade activa, superando, logo aí , a concepção tradicional que assentava num mero tratamento fragmentário das normas sobre legitimidade, tendo o legislador adoptado os conceitos já longamente trabalhados pela doutrina processual civilista (cfr. art. 26º CPC- o nº1, dispõe que o autor é parte legitima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legitima quando tem interesse directo em contradizer.O nº 2, por sua vez esclarece que o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção e que o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.Por último o nº3 do mesmo artigo vem dizer que , na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo réu. Dado o principio da unidade do sistema jurídico, e o principio entia non sunt multiplicanda, parece ser de advogar que a interpretação do art.9º, nº1, CPTA, seja com aquela que tem sido a interpretação do art.26º CPC.
Assim. dispõe o art. 9º, nº1,CPTA que o autor é considerado parte legitima quando alegue ser parte na relação material controvertida. Subjacente a este preceito está toda a discussão, de resto clássica, em torno das duas concepções da legitimidade processual no Direito Processual Civil, a qual veio recentemente a ser legalmente resolvida em favor da tese de aferição do pressuposto da legitimidade das partes em termos subjectivos- a tese subjectivista.
O art.9, nº1, 1ª parte CPTA, vem no entanto esclarecer que a regra geral de legitimidade activa não prejudica o nº2 do mesmo artigo, concernente à acção popular social, nem o que se estabelece no Código no âmbito da acção administrativa especial e no art. 40ºCPTA. Desta forma, necessário é concluir que a legitimidade activa se determina prima facie pela regulamentação especial em cada um dos meios processuais contemplados, nos termos da 1ª parte do nº1, do art, 9ªCPTA, e que o principio geral da legitimidade activa, na 2ª parte, se apresenta como mero denominador comum que opera em todos os casos em que a disposição especial é omissa.
Analisada a regra geral do art.9º, nº1 cpta, importa atermo-nos ao que dispõe o nº2 do mesmo preceito, o qual nos vem dizer que , independentemente do interesse pessoal na demanda, qualquer pessoa, bem como as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o MP têm legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados á defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, exemplificando-se com a saúde pública, ambiente, urbanismo, ordenamento territorial, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, Regiões Autónomas e Autarquias locais.Temos aqui a previsão com carácter genérico da acção popular social.

2.Legitimidade passiva

Quanto á legitimidade passiva no processo administrativo, cada acção deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor (art. 10º, nº1CPTA). A parte titular da posição jurídica passiva na relação material controvertida será, em regra, no contencioso administrativo, uma pessoa colectiva, pelo que configurará esta o réu.O art.10º, nº 1 CPTA, acrescenta que também que os terceiros contra- interessados, na medida em que sejam prejudicados directos com a procedência do pedido do autor, possam ser réus.Esta regra vale tanto no âmbito da acção administrativa comum, ainda que nesta última estes não surjam designados como contra-interessados.Os pedidos podem ser dirigidos, ainda , contra particulares ou concessionários, no âmbito das relações jurídico-administrativas que os envolvam com entidades públicas ou com outros particulares( art. 10º, nº7): trata-se aqui não de particulares contra-interessados, mas de sujeitos privados que são demandados em primeira linha, quando estes pela actividade que desenvolvem sejam equiparados a entes públicos -é o caso dos concessionários- ou quando estejam em causa pretensões contra eles de outros privados, perante a inércia administrativa (cfr. arts 37 nº3 e 100º nº3).É ónus processual do autor a identificação do réu na petição inicial( art. 78, nº2, als e) e f) CPTA).
O art.10º, nº 2 CPTA, contém , nesta sede, uma disposição inovadora que tem o seguinte teor: quando a acção tenha por objecto a acção ou omissão duma entidade pública , parte demandada é a pessoa colectiva pública ou, no caso do Estado, o ministério a cujo orgão seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre os orgãos em que recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos. No contencioso administrativo (de anulação) funcionava tradicionalmente a regra da atribuição de personalidade e capacidade judiciárias aos orgãos administrativos que tinham praticado o acto, regra afastada pelo novo regime que invoca largamente nesta matéria (assim, as consequências no anterior regime da regra de que o réu era o orgão, e não a pessoa colectiva, eram as de que o autor do acto, orgão, eram concedidos poderes processuais de sujeito passivo no litígio (art 26º LPTA), a competência do tribunal era determinada em razão do autor do acto ( artETAF), e o facto de os orgãos poderem representar-se por advogado, contrariamente ao Estado que era por MP em acções de responsabilidade civil contratual e extra-contratual (art 26º, nº1 LPTA e 69º, nº2 ETAF).Atende-se no facto de este sistema dualista de representação se manter ( art.11º, nº 2 CPTA) como reminiscência do anterior critério de legitimidade e como corolário da ideia de que o orgão, que é quem pratica o acto, é quem está melhor colocado para se defender). Quem defende aqui tais factos, no actual regime, é a entidade pública ou o ministério de cujos orgãos emanaram , e não esses orgãos , como acontecia no regime anterior em relação aos recursos contenciosos de anulação de actos administrativos e nos restantes processos impugnatórios. Este regime é consoante com o que é regra no Direito Processual Civil: personalidade judiciária têm, com efeito, todos aqueles que têm personalidade jurídica (art. 5º CPC), com algumas excepções em que é atribuída personalidade jurídica a entidades que não têm personalidade jurídica segundo um critério de diferenciação patrimonial e um critério de afectação do acto (art. 6º e 7º CPC). Esta opção normativa justifica-se por o estarmos perante um recurso, mas perante acção administrativa e bem assim pela necessidade de permitir a cumulação de impugnações com acções contratuais ou de responsabilidade, e.g., e ainda para evitar dificuldades frequentes na identificação correcta do orgão autor do acto impugnado, conforme vem expresso na Exposição de Motivos da proposta de lei n.º92. VIII. Contribuiram para esta mudança de paradigma, portanto, razões de processo administrativo e, em especial, os meios impugnatórios como "processos de partes", deixa de ter justificação o principio de que a legitimidade passiva competia aos orgaõs que tinham praticado o acto. Note-se ainda que a equiparação e as similitudes do art. 10º, nº2 CPTA, com os arts. 5º, 6º e 7º CPC ilustre, com efeito, não estarmos aqui perante uma norma sobre legitimidade processual, mas sim perante uma norma sobre personalidade judiciaria enxertada neste artigo.
Este principio quanto á legitimidade passiva, no entanto, pode dar azo a alguns problemas e daí que alguma doutrina o venha criticar.Com efeito, o conceito de pessoa colectiva pública não parece capaz de ser tido como conceito central na determinação do sujeito de imputação de condutas administrativas, em razão da complexidade da organização administrativa e da natureza multifacetada das modernas relações administrativas multilaterias. No moderno Estado Pós- social têm sido apontadas várias transformações relevantes na Administraçao Pública que levam aquela conclusão , como o facto de não haver uma só Administração Pública, mas várias Administrações Públicas, o descentramento da actividade administrativa que deixou de gravitar em torno do Governo, a superação do dogma da impermeabilidade da pessoas colectiva que obriga a dar importância ás relações interorgânicas e intraorgânicas, e, por último, o afastamento da teoria das relações especiais de poder.
A critica de fundo leva a conclusão de que têm de ser repensados os conceitos de pessoa colectiva pública e de orgão administrativo. Defende-se ainda que a nossa ordem jurídica relativiza a ideia de personalidade jurídica , dando antes primazia á actuação dos seus orgãos , a menos que se trate duma actuação de natureza patrimonial (v.g por responsabilidade civil, nomeadamente extracontratual), caso em que o sujeito tenderá a ser pessoa colectiva. Frisa-se que a regra geral de que são parte demandada as pessoas colectivas, e não os orgãos , é logo relativizada pela importante excepção relativamente ao Estado quanto aos ministérios ( art. 10º, nº2), solução que, segundo alguns, é a que aponta no sentido correcto, sobretudo neste caso pela consideração de que os ministérios, na verdade, prosseguem atribuições diferenciadas, e não tanto competências como os orgãos.É ainda necessário ter em conta a apreciação contenciosa de litígios nas relações interorgânicas e intraorgânicas (10º, nº6 CPTA ) na qual falha o principio geral.
Podem ainda acontecer hipóteses de divergência entre o orgão que representa a pessoa colectiva ou o ministério e o orgão autor do acto, problema que o art.11º, nº5 CPTA só nalguns casos resolverá. Na prática, deve ainda apontar-se que mesmo a regra do art 10º, nº2 CPTA, no plano da organização administrativa, acaba por assumir um caractér demasiado concentrador de competencias, na medida em que todo o contencioso da Administração directa do Estado é encaminhado para o Ministro, que é sempre a entidade demandada, revelando-se esta situação normativa particularmente desajustada no caso da Administração periférica do Estado, e extremamente despenalizador em Ministérios que tenham na sua dependência muitos serviços. Nalgumas situações também não parece viável a acção ser interposta contra a pessoa colectiva pública, como acontece no caso de impugnação dum acto administrativo por presidentes de orgãos colegiais em relação a actos praticados pelo respectivo orgão, bem como outras entidades, em defesa da legalidade administrativa, nos casos previstos na lei (art 55º, nº1CPTA): estamos no âmbito dos litígios intraorgânicos.Outra questão a resolver seria ainda a de saber se estão aqui abrangidas as acções ou omissões dos governadores civis e das assembleias distritais, se a legitimidade passiva pertence ao distrito, se ao ministério em cujas atribuições se insere a norma ou acto praticado ou omitido, se ao Ministério da Administração Interna, ou se pura e simplesmente se afasta a regra do art. 10º, nº2 CPTA, e se considera ser o governador civil ou assembleia distrital a parte demandada em juizo, pelo menos nas acções administrativas especiais.
Mas mesmo os Autores que criticam esta solução legislativa reconhecem-na como suficientemente aberta para resolver problemas de crise de identidade dos sujeitos administrativos (art 10, nº4, e art 78º, nº 3 CPTA), e que nessa medida é garantística dos direitos dos particulares face a Administração Pública. A nós parece-nos, como de resto a grande parte da doutrina, que a regra apresenta maiores vantagens (sobretudo para os particulares) do que desvantagens do ponto de vista pratico, e que teoricamente é mais consoante com o regime processual comum e com o entendimento de imputação de actos jurídicos e de personalidade jurídica (colectiva).
Esta norma do art.10º, nº2 CPTA, como dito, não obsta a que a acção seja considerada regularmente proposta quando na petição tenha sido indicado como réu o orgão que praticou o acto impugnado ou perante o qual fora formulada a pretensão do interessado, considerando-se neste caso, a acção proposta contra a pessoa colectiva publica ou, no caso de Estado, contra o ministério a que o orgão pertence (art 10º, nº4 CPTA).
Esta regra é completada pelo facto de a indicação na petição inicial do orgão que praticou ou devia ter praticado o acto é suficiente para que se considere indicada, quando o devesse ter sido, a pessoa colectiva publica ou o ministério, pelo que a citação que venha a ser dirigida ao orgão se considera feita, nesse caso, á pessoa colectiva ou ao ministério a que orgão pertence (art 78, nº3 CPTA).
Devem ainda ser intentados contra o Estado ou contra a pessoa colectiva pública a que pertençam os processos que tenham por objecto actos ou omissões de entidades administrativas independentes sem personalidade juridica (art 10º, nº3 CPTA).Esta regra não obsta também a que a acção tenha sido regularmente proposta quando na petição o tenha sido indicado como réu o orgão que praticou o acto, e não o Estado ou a pessoa colectiva a que a entidade administrativa independente pertence (10º, nº4 CPTA).
Refira-se ainda sumariamente que, quanto à cumulação de pedidos (art4º) , deduzidos contra diferentes pessoas colectivas ou ministérios, devem ser demandados as pessoas colectivas ou ministérios contra quem sejam dirigidas as pretensões formuladas(art 10, nº6), bem como que , quando a satisfação de uma ou mais pretensões deduzidas contra a Administração exija a colaboração doutras entidades para além daquela contra a qual e dirigido o pedido principal, cabe a esta parte contra quem é dirigido o pedido promover a respectiva intervenção no processo (art.10, nº8 CPTA), e isto sem prejuizo da aplicação subsidiária, quando tal se justifique, do disposto na lei processual civil (arts. 1º e 10º, nº8, 1ªparte).

Cátia Freire
16559
Subturma: 9

Sem comentários:

Enviar um comentário