terça-feira, 13 de abril de 2010

Tarefa 1: Sistema Francês e Sistema Britânico

Hoje em dia é cada vez mais comum e cada vez menos discutível, a possibilidade de um particular reagir contra a Administração Pública, fazendo valer os seus direitos.Contudo, não podemos pensar que sempre assim foi. Na verdade, a evolução histórica do Contencioso Administrativo revela que até atingirmos o estádio em que hoje nos encontramos, muito “sofreu” o Contencioso Administrativo, ultrapassando diversos obstáculos que cooperaram para a formação do que é actualmente.
Para melhor compreendermos esta evolução, e seguindo a indicação da tarefa sugerida, propomo-nos a analisar, brevemente, aqueles que foram os sistemas mais marcantes do Contencioso Administrativo: o sistema francês e o sistema britânico.Para tal seguimos as metafóricas fases escolhidas pelo Professor Vasco Pereira da Silva, na sua obra O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise.
Assim sendo, convém começar por referir que o Contencioso Administrativo surge na sequência da Revolução Francesa e como reacção ao Antigo Regime, reacção essa que se corporiza na criação do Conselho de Estado como juiz privativo da Administração e que tinha como objectivo obstar à actuação dos tribunais judiciais, e na criação de um contencioso especial para a Administração.A época que se inicia com a Revolução Francesa é intitulada pelo Professor já referido como Fase do Pecado Original, sendo que esse pecado original consistiria no facto de se ter instituído uma confusão entre Administração e Justiça, entre as tarefas de administrar e julgar, na medida em que os tribunais comuns estavam proibidos de interferir na esfera da Administração, com base no Principio da Separação de Poderes, pois entendiam os revolucionários franceses que “julgar a Administração é ainda administrar” e, portanto, se os tribunais comuns julgassem a Administração estavam a usufruir de um poder que não era o seu. Esta era uma interpretação errada do principio da separação de poderes, mas da qual resultou um sistema em que o administrador era juiz e o juiz era administrador. Tudo isto resultou da ideia de Estado vinda do Antigo Regime: Estado todo-poderoso, sendo impensável o seu julgamento por um qualquer juiz.Diferentemente se passaram as coisas no Reino Unido, no qual, vigorando um Principio da Separação de Poderes segundo o qual cada poder era autónomo e independente, limitados reciprocamente, mas sem que isso significasse a sua integração em qualquer entidade superior, se verificou a submissão da Administração aos tribunais e às regras de “direito comum”. Por isto, e confrontando o sistema inglês com o sistema francês, afirmou Dicey que na Inglaterra não existia Direito Administrativo.Com a passagem para o Estado Social e o surgimento da Administração Prestadora, o sistema britânico vive momentos atribulados. De facto, “da intervenção dos poderes públicos na vida económica, social e cultural, resulta a criação de normas reguladoras da actividade administrativa, o reconhecimento a certas autoridades administrativas de poderes de autotutela das suas decisões e, até, o aparecimento de especificidades contenciosas, mesmo no que respeita ao funcionamento dos tribunais, em que a jurisdição única não afasta uma progressiva especialização”, como refere o Professor Vasco Pereira da Silva, na obra já referida. Contudo, aquilo que teoricamente era o sistema de Justiça Administrativa britânico, afastava-se do que era a realidade, pois o juiz do tribunal comum agiria com alguma discricionariedade, tornando menos efectivo o controlo judicial; existiam regras processuais diferentes para os litígios administrativos. Do reconhecimento desta situação, resultou a criação de órgãos administrativos especiais, com tarefas administrativas e jurisdicionais.
Enquanto, o sistema britânico passava por todas estas mudanças, já o sistema francês, se encontrava numa fase em que, passo-a-passo, se ia assistindo a uma jurisdicionalização do Contencioso Administrativo, dado que aquele que era um quase tribunal se transformou num verdadeiro tribunal apenas por força da sua actuação, e num tribunal que tinha em vista proteger os direitos dos particulares. Esta foi a Fase do Baptismo, na qual as decisões do Conselho de Estado, que ainda na primeira fase deixaram de exigir a homologação do Chefe de Estado, se autonomizaram e se impuseram; um órgão que era consultivo passou a ser jurisdicional, devido ao seu prestígio. Desta forma, o sistema francês afastava-se cada vez mais do pecado original, cada vez mais a Justiça Administrativa se autonomiza em relação ao poder administrativo.Nesta altura verificou-se uma ligeira aproximação entre os dois sistemas em análise, dado que em ambos, apesar de percursos diferentes, existiam agora entidades autónomas encarregadas de fiscalizar a Administração: em França, verdadeiros tribunais; no Reino Unido, entidades administrativas especiais.
Por fim, surgiu a Fase do Crisma ou Confirmação, em que se assiste, por um lado, à reafirmação da natureza jurisdicionalizada, em que o “juiz goza de plenos poderes face à Administração, e, por outro lado, à consagração da dimensão subjectiva destinada à protecção integral e efectiva dos direitos dos particulares”, como refere o Professor já indicado.Esta Confirmação verifica-se, primeiro, ao nível da Constituição – constitucionalização – e, depois, ao nível do Direito Europeu - europeização.No caso do sistema francês, vai ser o Conselho Constitucional a consagrar ao nível da lei fundamental, “que o Contencioso Administrativo é tarefa de verdadeiros tribunais e que os particulares gozam de direitos de acesso ao processo para a defesa das suas posições subjectivas em face da Administração” (citando o Professor já referido). Importantes no caminho desta confirmação são as posteriores reformas legislativas do sistema francês.Já no sistema britânico, “ o crescimento notável de processos relativos ao controlo judicial das decisões de autoridades públicas levou à consideração do Contencioso Administrativo como parte integrante da Constituição material” (idem). Para tal também contribuiu a actuação criadora dos juízes. Paralelamente, assiste-se também a uma progressiva especialização do Contencioso Administrativo.Nesta altura, deparamo-nos, novamente, com uma aproximação entre os dois sistemas.Para terminar a nossa viagem pela evolução destes dois sistemas, apraz-nos apenas dizer que a “ mudança de paradigma do Contencioso Administrativo é também resultado da sua europeização” (idem), na medida em que nos tempos que correm são cada vez mais importantes as fontes europeias em matéria de Contencioso Administrativo, quer ao nível das fontes de Direito Comunitário (integração vertical), quer ao nível dos princípios consagrados pela União Europeia no âmbito do Processo Administrativo (integração horizontal).
Em jeito de conclusão, resta-nos apenas referir que consideramos, salvo melhores opiniões, mais coerente, e daí mais vantajoso, o sistema de Contencioso Administrativo francês, por nos parecer que toda a sua evolução foi mais ponderada em face de cada situação nova, e não tão repentino e brusco, como nos pareceu ser a evolução do sistema britânico. Talvez seja uma opinião influenciada pela realidade em que vivemos, importada do sistema francês. Contudo, não deixamos de a defender, pois somos da opinião que a “vida” do sistema francês decorreu com normalidade, num crescente melhoramento e em face de cada obstáculo, transmitindo-nos a ideia de conseguir realizar melhor e mais adequadamente a Justiça Administrativa.
Cátia Martins, subturma 12

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