segunda-feira, 24 de maio de 2010

A acção especial de impugnação de normas.
A acção especial de impugnação de normas foi expressamente consagrada nos arts 46.º/1 e 2, c) em conjugação com o art. 72.º CPTA, tratando-se de casos em que uma norma administrativa está viciada de ilegalidade e portanto é susceptível de lesar os direitos e interesses dos seus destinatários.
Por essa razão e porque o art. 2.º CPTA, em conjugação com o art. 268.º/5 CRP, consagrou o Princípio da tutela jurisdicional efectiva, segundo o qual os interesses dos sujeitos afectados por uma conduta da Administração devem ser tutelados de forma o mais abrangente possível, deve permitir-se a utilização de meios contenciosos por quem alegue a lesão por uma norma administrativa ou susceptibilidade de essa lesão acontecer.
Assim o princípio da tutela jurisdicional efectiva veio reforçar não só o controlo da legalidade da actuação administrativa, mas também veio reforçar a tutela dos particulares, permitindo que estes impugnem normas, desde que estas sejam susceptíveis de os prejudicar e desde que se preencham os pressupostos de aplicação deste tipo de acção, consagrados no art. 73.º CPTA.
Apesar da impugnação de normas (em especial de regulamentos administrativos) ter já uma longa história no âmbito do contencioso administrativo português, tanto em termos legislativos como jurisprudenciais, a verdade é que inicialmente se colocavam alguns problemas relativos à susceptibilidade da impugnação de regulamentos.
A primeira questão relacionava-se com o facto dos regulamentos administrativos (e restantes normas) terem um carácter geral e abstracto, sendo indeterminados e indetermináveis quanto aos sujeitos e situações jurídicas a que se aplicariam, pelo que, geralmente, não produziriam lesões directas nas esferas dos particulares, sendo a lesão resultante não directamente da norma mas sim do acto administrativo que lhe desse praticabilidade e cujos efeitos se repercutiriam de forma imediata nas esferas jurídicas dos destinatários. Quanto à lesão pelo acto administrativo seria então aplicável a acção especial de impugnação de actos e não a acção de impugnação de normas.
No entanto, com a reforma do contencioso administrativo e com a consagração de uma tutela efectiva, estes problemas deixaram de ser relevantes, uma vez que o que se pretende é a efectiva protecção dos destinatários das normas, pelo que se estas os lesarem poderão ser impugnadas, independentemente da existência de um acto de aplicação da norma e da existência, em caso afirmativo, da sua cumulativa impugnação.
O segundo problema relacionava-se com a ideia tradicional da insusceptibilidade de impugnação de regulamentos governamentais, devido a um princípio de respeito e protecção da autoridade normativa do Governo, uma vez que esta poderia ter na sua génese determinadas orientações políticas, mesmo que secundárias, e em relação a estas deveria existir protecção da vontade do poder legislativo do Executivo, sob pena de violação do princípio da separação de poderes.
Estes problemas foram igualmente resolvidos através da separação formal entre actos legislativos e actos regulamentares do Governo, sendo os últimos sindicáveis pelos tribunais administrativos.
Assim se obstou a todos os problemas relacionados com a insusceptibilidade de impugnação contenciosa de normas emitidas pela Administração, o que se traduziu na consagração da acção especial para estes casos.
Coloca-se, no entanto, a questão relativa ao regime da impugnação, que, igualmente, conheceu uma evolução ao longo da história do contencioso administrativo português. Foram já admitidos três regimes distintos: A impugnabilidade indirecta e a impugnabilidade directa (dentro desta pode-se ainda distinguir a impugnação imediata da condicionada).
Quanto à impugnabilidade indirecta, ela constitui um caso em que a norma administrativa não pode ser impugnada contenciosamente pelo simples facto de poder ser lesiva para os seus destinatários. Neste caso é necessário que se impune directamente o próprio acto de aplicação da norma, uma vez que, segundo o entendimento acima descrito, era o acto administrativo o causador de lesão da esfera dos seus destinatários e não a norma administrativa cuja lesão nunca seria directa. Ora, como vimos este entendimento foi abandonado, tendo sido consagrada a possibilidade de impugnação directa, isto é, da própria norma administrativa.
Nestes casos assegura-se uma tutela efectiva máxima dos direitos e interesses dos cidadãos, o que se enquadra no regime constitucional que surgiu em 1997, uma vez que, de acordo com o art. 268.º/5 CRP os cidadãos têm direito a impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesivas dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
Relativamente à impugnação directa imediata, esta ocorre quando apenas seja exigido, para que seja admitida a acção, que o destinatário da norma tenha sofrido uma lesão (ou mera susceptibilidade de a sofrer) na sua esfera jurídica, lesão essa que possa ser imputada à norma que se impugna.
No entanto, a solução consagrada no direito português foi outra, tratando-se de um regime de impugnação directa condicionada.
Trata-se de um caso de impugnação directa porque é possível impugnar a própria norma considerada ilegal, regime em harmonia com o referido art. 268.º/5 CRP. No entanto, essa impugnação é condicionada a certos pressupostos consagrados no art. 73.º CPTA.
Para que se possa entender o regime legal é necessário diferenciar os casos em que a impugnação se reconduz a um pedido de declaração pelo tribunal de ilegalidade com força obrigatória geral da norma dos casos em que apenas se pretende a desaplicação da norma ao caso concreto.
Nos casos em que se pretende a declaração com força obrigatória geral, esta só pode ser requerida pelos cidadãos lesados nos casos em que tenha existido recusa de aplicação da norma, pelo tribunal, em três casos concretos e desde que essa recusa se tenha baseado na ilegalidade da norma: art. 73.º/1 CPTA. É de referir que o conhecimento pelo Ministério Público destes casos o incumbe no dever de pedir contenciosamente a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral: art. 73.º/4 CPTA.
Esta necessidade de recusa de aplicação em três casos concretos só não é necessária quando a acção contenciosa seja interposta pelo Ministério Público, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, quer por conhecimento oficioso, quer por requerimento das entidades a que se refere o art. 9.º/2, se estas se puderem constituir como assistentes no respectivo processo.
Assim, relativamente à declaração com força obrigatória geral é necessário o preenchimento de pressupostos bastante rígidos, o que se compreende dado que se trata de um caso de eliminação da ordem jurídica de uma norma administrativa, o que terá reflexos para todos os cidadãos e não apenas para os interessados na acção contenciosa. Isto em nada afecta a tutela efectiva dos direitos dos particulares, uma vez que, para o caso concreto, poderão sempre suscitar a questão da ilegalidade da norma.
Efectivamente, de acordo com o art. 73.º/2, o lesado pela norma administrativa pode impugná-la, pedindo a declaração de ilegalidade circunscrita ao caso concreto, isto é, essa declaração apenas produzirá efeitos para aquele caso e em relação àquele lesado. É de salientar que tal só será possível no caso de se tratar de uma norma auto-exequível isto é, a norma produz por si só os efeitos jurídicos visados, sem dependência de uma acto administrativo ou jurisdicional que a aplique. Tal entendimento, expressamente consagrado no CPTA, harmoniza-se com o que foi dito relativamente à possibilidade de impugnação directa de normas, dado que sendo o critério relevante o da lesividade, a impugnação só fará sentido quando a norma seja susceptível por si só de prejudicar os sujeitos, numa palavra, quando a norma seja auto-exequível.
Caso os efeitos da norma estejam dependentes de um acto administrativo ou jurisdicional, então será este que deverá ser impugnado e não a própria norma, que deixará, indirectamente, de produzir quaisquer efeitos no caso concreto, uma vez que deixa de existir o acto que lhe concedeu eficácia.
Desta forma, o CPTA assegura uma protecção efectiva e total dos destinatários de normas administrativas ilegais no caso concreto, cumprindo o preceituado no art. 268.º/5 CRP. No entanto, quanto à declaração de normas com força obrigatória geral estabelece pressupostos objectivos mais rígidos, entendendo que verdadeiramente já não se trata, neste caso, da protecção de interesses pessoais (que estão sempre assegurados pela declaração de ilegalidade circunscrita ao caso concreto) mas sim a tutela do interesse público na legalidade da actuação administrativa.

Marta Sofia Antunes, Turma A-1, n.º 16952.

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