sexta-feira, 21 de maio de 2010

LEGITIMIDADE / INTERESSE PROCESSUAL

Pressupostos processuais autónomos?

Legitimidade processual englobando o interesse processual?

O interesse processual engloba-se num conceito latu sensu de interesse que, porém, não se identifica com o pressuposto da legitimidade mas apenas partilham de comum o mesmo conceito fundamento: o interesse.

Este conceito latu sensu desdobra- se em vários subtipos que expressam necessidades especificas para o regular funcionamento do direito processual, leia-se, dão conteúdo à garantia fundamental de acesso à justiça. Qualquer restrição ao acesso aos tribunais (no sentido de afectação negativa ao conteúdo dos direitos, liberdades e garantias, sem nos ser necessário, como é doutrina do Prof. Reis Novais, indagar sobre a distinção entre restrições, condicionamentos, limitações, etc, pois qualquer que seja a subsunção concreta a uma destas qualificações, e ainda nos restaria saber se tal distinção é possível, o seu regime constitucional terá necessariamente de ser o mesmo- o art.18 CRP) terá de ser constitucionalmente permitida à luz das normas contidas no art.18 CRP, de modo que em primeiro lugar é necessário perceber que o acesso aos tribunais está teleologicamente ordenado à salvaguarda- com a eficácia de caso julgado- das diversas situações jurídicas imputadas na esfera jurídica de um sujeito e por isso apenas poderá ser afectado negativamente quando não colocar em causa este seu desígnio constitucional. Para tal tarefa, o primeiro conceito-fundamento que delimitará tal garantia constitucional é o interesse.

Porém, como comecei por dizer, este conceito latu sensu desdobra-se em várias manifestações específicas, numa cadência que começa num tipo mais geral e que (pode) assume tipos mais específicos quando a própria questão de direito assim o exigir. A primeiro formulação do interesse, mais geral, atende apenas à configuração da relação jurídica controvertida. Tal é expressamente dito no art. 26/3 CPC (Na falta de indicação da lei em contrário são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida) e também afirmado no art.9 CPTA (n1: o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida; n2: independentemente de ter interesse pessoal na demanda (…), o que configura os casos do n1 como aqueles em que existe interesse pessoal- em todo o caso mesmo que não existisse esta formulação do n2 o entendimento teria de ser o mesmo) e no art.10 CPTA (n1: cada acção deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor; ou seja, a primeira parte do n1 diz respeito à primeira formulação do conceito de interesse- o interesse pessoal que resulta directamente da relação material controvertida). Portanto a primeira formulação do conceito entende que existe interesse nos sujeitos activo e passivo da relação material controvertida. Porém, esta formulação de interesse pode ser alargado de modo a englobar outras pessoas ou mesmo entidades que à partida estariam excluídas. Este tipo de situações podem ser englobadas em dois tipos: 1.situações de interesses indirectos ou dispersos como no caso do art.9/2 CPTA; 2. situações em que, mercê da especificidade da relação controvertida, existe um ajustamento do que se considera titulares dos interesses, como por ex as situações do art.55/1-b),c), d) e e), de fora fica a al.a) que reproduz o conceito de legitimidade do art.9/1 aplicado à impugnação de actos administrativos e a al.f) que manda aplicar a este tipo de acções o disposto no art.9/2. O caso paradigmático deste segundo tipo de situações é a da legitimidade do MP considerando-se que possui interesse pois é defensor da legalidade democrática, possuindo portanto interesse em impugnar actos administrativos ilegais. Nestas hipóteses encontramos um alargamento da legitimidade como consequência do alargamento do conceito de interesse relevante para aferição da legitimidade, alargamento que possui de fundamento a especificidade de certo tipo de relações jurídicas, que se subsumem à primeira parte do n1 do art.9 (Sem prejuízo do disposto no número seguinte e do que no art.40 e no âmbito da acção administrativa especial se estabelece neste código) ou, numa análise comparada com o direito processual civil, seria o que se subsumiria à primeira parte do n3 do art.26 CPC (Na falta de indicação da lei em contrário).

Esta formulação de interesse é teleologicamente ordenada para uma primeira delimitação da garantia de acesso aos tribunais, que partindo directamente da relação controvertida (que como vimos, muitas vezes, em situações específicas, é entendida de forma bastante alargada) apenas impede a legitimidade a quem não tenha nenhuma real situação jurídica imputada na sua esfera a ser tutelada e , por conseguinte, não se pode dizer que tal formulação de interesse possa afectar negativamente o acesso à justiça.

Até agora temos vindo a analisar uma determinada configuração do conceito de interesse que, nos moldes estabelecidos, serve de fundamento a um pressuposto processual: o da legitimidade. Parte-se de um centro dogmático- a relação material controvertida- a partir do qual qualquer pessoa adquire legitimidade processual e nalguns casos essa mesma legitimidade, como vimos, é alargada numa formulação mais ampla da questão de direito. Noutras situações, porém, é acrescentado um quid para que se possa considerar que existe interesse no processo - leia-se: interesse em que seja proferida uma decisão de mérito. Não basta que se pertença a um lado activo ou passivo da relação controvertida (quer entendida num sentido estrito quer entendida num sentido amplo), não basta que exista legitimidade, mas também (quid) que se verifique uma determinada situação, que constitui para o legislador um interesse específico que, devido ao pedido formulado ao tribunal , se não se verificar no caso concreto não existe benefício para o autor na decisão de mérito e procedência do pedido. É uma outra acepção /desdobramento do conceito de interesse e que justifica, quando for exigida, a constituição de um pressuposto processual: o de interesse processual (ou necessidade de tutela judicial). Um exemplo paradigmático é a norma que resulta do art.54/1 CPTA, que nos diz a impugnação de um acto que não tenha começado a produzir efeitos jurídicos só é admitida quando já tenha produzido efeitos materiais - já esteja a ser executado - ou quando seja muito provável que o acto irá produzir os seus efeitos jurídicos. Se não se verificar alguma destas duas situações o acto pode ser impugnado por faltar um interesse do autor que se traduza numa necessidade de tutela judicial. Significa isto que nestes casos o legislador entende que a verificação de um interesse como é configurado para se determinar a legitimidade (que não se discute que exista) não é suficiente para que possa haver uma decisão de mérito sobre a causa, necessitando-se para tal a verificação de um outro interesse específico, criando assim para estes casos uma dupla verificação de interesse que constitui um o pressuposto da legitimidade processual, o outro o pressuposto da necessidade de tutela judicial. O tipo de interesse que justifica a legitimidade não é do mesmo tipo do que o que justifica o pressuposto da necessidade de tutela, sendo ambos desdobramentos do conceito base de interesse mas possuindo campos de aplicação distintos, constituindo por isso pressupostos autónomos, embora interligados, pois se é certo que nalguns casos a legitimidade pode não ser suficiente para existir interesse numa decisão de mérito, também é certo que se não houver legitimidade nunca poderá haver interesse na tutela judicial. Outro exemplo é-nos dado pelos arts.64 e 65 CPTA na consideração de que se o acto impugnado for objecto de revogação a acção só pode prosseguir se a revogação não possuir efeitos retroactivos.

Pode-se entender que a necessidade de tutela judicial não se distingue do pressuposto da legitimidade processual, alegando para o efeito o art.26/2 CPC que nos diz que o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção. Embora seja discutível, parece-me que tal conceito de utilidade terá de ser interpretado de acordo com o n3 do mesmo artigo de modo a que para existir a utilidade referida no n2 basta que os efeitos da procedência da acção sejam imputados na esfera jurídica do demandante (legitimidade activa) ou do demandado (legitimidade passiva). Apenas com esta interpretação me parece possível uma coerência entre a utilidade referida no n2 e a titularidade do interesse (aferido com base no conceito de utilidade do n2) nos sujeitos da relação material controvertida referida no n3. Além do mais se considerássemos que a necessidade de tutela estaria sempre englobada na legitimidade então teríamos de impor ao autor que demonstrasse sempre o tal quid de interesse, a sua boa-fé no recurso aos tribunais, que teria alguma vantagem material na decisão de mérito. Parece- me que a exigência de justificação de tal interesse para todos os casos não é fundamentada, pois a existir deve ser com base em considerações específicas de determinado tipo de pedido, como vimos acontecer com a não possibilidade de impugnar um acto que seja ineficaz se não tiver começado a produzir efeitos materiais ou sem que haja forte probabilidade de vir a ser eficaz. Será sempre necessário que seja o legislador a considerar em que casos não basta o interesse baseado na configuração da relação controvertido sob pena de um restrição constitucionalmente inadmissível ao acesso aos tribunais, pois que num sistema jurídico de matriz liberal deve ser o particular a entender subjectivamente se necessita ou não de recorrer aos meios judiciais, bastando em regra para o Direito que este seja parte numa questão de direito, tudo o mais deve ficar sujeito apenas ao juízo do próprio particular.

Paulo Alexandre Lopes

Subturma 1

Nº 16813

Sem comentários:

Enviar um comentário