sexta-feira, 21 de maio de 2010

Recurso hierarquico (des)necessário?!


Será mesmo recurso hierárquico necessário? Ou é, pelo contrário desnecessário?
Primeiro, designa-se de Recurso Hierárquico pois trata-se de um meio de impugnação de um acto administrativo praticado por um órgão subalterno, perante o respectivo superior hierárquico. Com o objectivo de obter a revogação ou a substituição do acto recorrido.O recurso hierárquico tem sempre uma estrutura tripartida:
1) - o recorrente - o particular que interpõe o recurso;
2) - o recorrido - órgão subalterno de cuja decisão se recorre;
3) - a autoridade de recurso - órgão superior para quem se recorre.

Estes pressupostos são essenciais para que possa haver um recurso hierárquico. É obrigatório haver hierarquia; teve de ser praticado um acto administrativo por um subalterno; e este subalterno não pode ter competência exclusiva atribuída por lei. Fora destes pressupostos não há recurso hierárquico.
Recurso hierárquico necessário é então a faculdade que o particular tem de impugnar um acto praticado por um subalterno junto do seu superior hierárquico. No entanto, atentemos ao facto de as normas do novo processo administrativo, ao consagrarem a regra da impugnabilidade dos actos administrativos em razão da eficácia externa e da lesão dos direitos dos particulares, afastarem explicitamente a exigência de um recurso hierárquico necessário (art. 51º/1 do CPTA).
Relativamente aos recursos, temos de distinguir entre recursos contenciosos e recursos graciosos. Ambos são meios de impugnação de actos de autoridade e regulados pelo mesmo direito. Contudo, existem algumas diferenças de natureza. Os recursos graciosos integram-se na função administrativa, podem ter por fundamento a ilegalidade, a injustiça ou a inconveniência do acto recorrido e, decidem-se por acto administrativo. Por outro lado, os recursos contenciosos pertencem à função jurisdicional, tem apenas como fundamento a ilegalidade e decidem-se através de sentença.
A figura do recurso hierárquico necessário constava da Constituição de 76 na sua sua versão original, ainda que de forma disfarçada.Era um espécie de recurso sine qua non da impugnação contenciosa que possibilitava aos administrados atacar actos praticados por um órgão administrativo perante o autor do acto, superior hierárquico ou qualquer outro órgão com poderes para superintender o órgão admninistrativo. Com a 2ª revisão constitucional em 1989, o legislador constituinte vem, omitir expressões como “definitividade e executoriedade” do art.268º. Ora estas duas expressões eram os pais do recurso hierárquico necessário.Este facto constitui o ponto de viragem para o contencioso administrativo, pois antes girava à volta do acto administrativo e, agora passa a girar em torno do sujeito.A doutrina alemã também se pronunciou sobre o assunto, concluindo, maioritariamente, que o acto administrativo é contenciosamente impugnável desde que seja “lesivo” para o particular.. Em Portugal, também o assunto é divergente na nossa doutrina. O Professor Vasco Pereira da Silva é um acérrimo defensor da reforma do contencioso “pós-traumático” e, tem vindo a entender que o recurso hierárquico necessário passou, a partir da revisão constitucional de 1989, a ser inconstitucional. Quer com isto o Professor significar que, o recurso hierárquico necessário, padece de uma inconstitucionalidade superveniente em razão desta alteração ao artigo 268ª. De facto parece argumento suficiente o de que o legislador constitucional não “destruiria” os iniciadores do recurso hierárquico necessário a seu belo prazer para que se ,mantivesse tudo igual. O Professor Vasco Pereira da Silva acrescenta argumentos de ordem jurídica, nomeadamente o facto de a exigência de um recurso hierárquico para que o particular possa impugnar contenciosamente o acto administrativo que lhe é lesivo constituir uma violação manifesta do artigo 268º, epígrafado de “ Direitos e garantias dos administrados”. Este artigo 268ª prevê no seu número 4 que “é garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva”. Ora se o administrado tem de aguardar, praticamente, um ano ou mais (pois é conhecido a morosidade do sistema) por uma impugnação administrativa, não tem também tutela jurisdicional efectiva, um acesso directo aos tribunais, art. 59º nº 5, do CPTA.Mas a inconstitucionalidade da exigência de um recurso hierárquico necessário contraria ainda outros preceitos constitucionais, no entendimento do mesmo Professor, tais como o 114º,o 205º e o 266º, que mais não são do que materialização do princípio da separação entre a Administração e Justiça, cuja repetida violação constituiu o principal culpado da “infância traumática” do Contencioso Administrativo, ainda em França.O artigo 51º/1 do CPTA, vem comprovar o que se diz, consagrando a impugnabilidade contenciosa de qualquer acto administrativo que seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, ou que seja dotado de eficácia externa.
O art. 59º/4 reforça esta ideia, uma vez que prevê que a suspensão do prazo para a impugnação contenciosa não impede ao interessado proceder à impugnação, bem como de requerer a adopção de providências cautelares. Significa que o administrado pode, ao mesmo tempo, recorrer administrativa e contenciosamente do acto que lesou os seus interesses, o que denota que, o recurso hierárquico não é pressuposto processual para Impugnação contenciosa.Deste modo, assistimos a um desdobramento da garantia constitucional de acesso à justiça administrativa em dois direitos fundamentais: o recurso de anulação (268º/4) e 268º/5; e a afirmação do principio da protecção jurisdicional plena e efectiva dos particulares.Assim, o Professor defende a inconstitucionalidade usando, para tanto os seguintes argumentos: o CPTA não tem alcance para revogar as múltiplas determinações legais avulsas que instituem impugnações administrativas necessárias e que, não cabe à Constituição da República Portuguesa estabelecer os pressupostos de que possa depender a impugnação contenciosa de actos administrativos.
O CPTA, aprovado pela Lei 15/ 2002 é, antes de mais, uma lei ordinária, do mesmo modo que são também leis ordinárias as que especialmente dispensam a impugnação administrativa necessária. Assim, desde que os diplomes extravagantes sejam posteriores ao CPTA derrogam-no, segundo o principio- lei ordinária posterior revoga lei ordinária anterior. A CRP é a Lei Fundamental do Estado, sendo superior hierarquicamente.
Por oposição ao Professor Vasco Pereira da Silva, temos o Professor Mário Aroso de Almeida. Para este último Professor apesar de o recurso hierárquico necessário ter deixado de ser previsto no CPTA, não significa que este deixasse de existir. O recurso hierárquico continua a existir, no entanto passou a ser facultativo. As decisões administrativas continuam a estar sujeitas a impugnação administrativa necessária nos casos em que isso esteja expressamente previsto na lei, em resultado de uma opção consciente e deliberada do legislador, quando este a considere justificada. O CPTA não exige, assim, em termos gerais, que os actos administrativos tenham sido objecto de prévia impugnação administrativa para que possam ser objecto de impugnação contenciosa. O Professor Vasco da Silva Pereira rejeita esta ideia, afirmando que, se assim fosse, as regras especiais, antes da reforma, de especiais não tinham nada, e só serviriam, nesse caso, para confirmar ou reiterar a regra geral, pelo que se devem considerar revogadas pela revogação da regra geral. Pois, em suma, para este autor o recurso hierárquico necessário é inconstitucional, apesar da jurisprudência se pronunciar no sentido da não inconstitucionalidade do recurso hierárquico necessário (Acórdão do Tribunal Constitucional n. 499/96). Defendendo esta tese, podemos afirmar que o recurso hierárquico necessário de certa forma não protege os particulares, pois não há hipótese de recorrer ao tribunal e até certo ponto podemos dizer, que se põe em causa o Princípio da Separação de Poderes, ou seja, configura a violação do princípio da separação entre a administração e a justiça (art. 205º e ss., 266º e ss da CRP), dado que faz precludir o direito de acesso ao tribunal.Em conclusão, é comum dizer-se que o CPTA revogou a regra geral do recurso hierárquico necessário introduzindo o recurso hierárquico facultativo. O particular continua a dispor precisamente das mesmas garantias graciosas administrativas, tem é mais opções para entrar na via contenciosa. E caso siga a via contenciosa poderá ter pela frente um longo caminho a percorrer, desde os tribunais de círculo aos tribunais de recurso, como o Tribunal Central Administrativo e o próprio Supremo Tribunal Administrativo, podendo sempre ultrapassar fronteiras nacionais e chegar ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias ( o que não seria o mais desejável, tal necessidade).
Ana Rita Arcanjo Medalho, subturma5

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