sábado, 22 de maio de 2010

A impugnação de normas regulamentares e as vicissitudes do seu regime:

O contencioso para a impugnação de normas regulamentares está previsto nos arts.72º a 77º do Código de Procedimento dos Tribunais Administrativo (doravante CPTA).
É um regime aliciante para qualquer jurista, devido à sua complexidade e especificidades do seu regime.
Esta matéria encontra previsão constitucional expressa, neste caso no art.268º/5 da Constituição e constitui uma modalidade de acção administrativa especial.
É importante, antes de entrarmos no regime, referir que antes da reforma, era possível reagir contenciosamente contra regulamentos da administração por três formas:
A primeira seria por via incidental, em que o regulamento era apenas apreciado por via incidental, ou seja, como incidente da questão principal. O segundo meio processual era a declaração de ilegalidade de normas administrativas, mas, somente tratando-se de normas exequíveis por si mesmas, ou normas que já tivesse sido antes julgada ilegal. Por último, existia a impugnação de normas provenientes de regulamentos da administração local.
A primeira pergunta que se tem de colocar quanto à impugnação de normas regulamentares administrativas, é o que se deve entender por regulamentos administrativos. Esta discussão surge devido ao facto de, ao contrário dos actos administrativos, não existir numa definição de regulamento no código de procedimento administrativo. O Prof. Vasco Pereira da Silva resolve a questão referindo que, como o CPA afirma que actos administrativos são individuais e concretos (art.120º/CPA), não se estabelecendo nenhuma previsão para os regulamentos, estes serão “todas as disposições unilaterais que sejam só gerais, ou só abstractas, para além das que possuam ambas as características (…)”.
De tudo isto resulta o facto de, como afirmam Vasco Pereira da Silva e Vieira de Andrade, sejam considerados os planos como regulamentos administrativos.
Falando agora do regime, podemos dizer, como refere Vieira de Andrade, que existem duas modalidades de impugnação de normas regulamentares, pois admitem-se dois tipos de pedidos. São eles, o pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral e o pedido de declaração de ilegalidade no caso concreto.
Penso que esta primeira modalidade não suscita muitos problemas. Ao contrário, esta segunda modalidade suscita muitas questões. É perfeitamente compreensível que, uma norma geral e/ou abstracta como o regulamento, existindo um juízo de ilegalidade por parte do tribunal, esta declaração valha para todos os destinatários e conduza consequentemente ao seu afastamento da ordem jurídica, como acontece na declaração de ilegalidade com força obrigatória geral. Já não compreendemos que, um processo destinado a apreciar a legalidade de um regulamento da administração, tenho como resultado uma declaração de ilegalidade que só valha para o caso concreto. Ainda mais absurdo é quando é um autor popular a interpor a acção, pois este actua, em “em nome de todos”, se é que podemos dizer assim.
Concordamos com a posição de Vasco Pereira da Silva, que conclui que, deste imbróglio, resulta a inconstitucionalidade do art.73º/1, pois há a violação do art.268º/5 da Constituição, que permite a impugnação de normas regulamentares, não mencionando qualquer restrição a esse direito, violando, também, os princípios da igualdade, do Estado de Direito e da legalidade.
Quantos aos seus pressupostos processuais específicos, no que diz respeito à legitimidade, esta encontra-se consagrada para os particulares, pois são titulares de posições jurídicas subjectivas, para o autor popular (Art.9º/2 do CPTA) e para o autor público (Ministério Público).
O segundo pressuposto processual é, como refere Vasco Pereira da Silva, procedibilidade dos regulamentos, pois, neste caso, existem regras diferenciadas consoante o autor da acção. Se se tratar de uma acção interposta pelo Ministério Público (autor público), são impugnáveis todos os regulamentos, sejam estes exequíveis ou não exequíveis por si mesmos, tenha ou não existido prévia decisão judicial de não aplicação em três casos concretos (art.73ª/3).
Quanto à acção interposta por um particular ou uma acção popular, exige-se que tenha havido antes três sentenças de não aplicação do regulamento no caso concreto (art.73º/1), ou, tratar-se de regulamento administrativo imediatamente exequível (mas neste caso a decisão só vale para o caso concreto) (art.73º/2).
No que diz respeito ao interesse processual, este pode ser futuro, ou seja, este não tem de ser só actual (art.73º/1).
Por último, quanto à oportunidade do pedido de impugnação, este não se encontra sujeito a prazo, sendo que, assim, a declaração de ilegalidade pode ser pedida a todo o tempo, como refere o art.74º.
É importante referir ainda que, no que diz respeito à causa de pedir, esta tanto pode advir da ilegalidade directa, ou, ser derivado “da invalidade de actos praticados no âmbito do respectivo procedimento de aprovação” (art.72º/1).
Quantos aos efeitos da declaração de ilegalidade com força obrigatória geral o art.76º do CPTA, menciona que a delcração tem, em princípio, efeito retroactivo e repristinatório (art.76º/1). Digo, em princípio, pois o tribunal pode, nos termos do numero dois, determinar que os efeitos da decisão se verifiquem apenas da data do trânsito em julgado, por razões de segurança jurídica, de equidade ou de interesse com grande relevo, desde que estas razões sejam fundamentadas. Por fim, o nº3 do art.76º, refere ainda que, mesmo existindo retroactividade, esta não afecta os casos julgados, nem os actos administrativos que se tenham tornado inumpugnáveis, salvo, se o tribunal decidir o contrário, por a norma ser sancionatória e conteúdo menos favorável ao particular.
Há várias críticas a fazer a este regime. Vasco Pereira da Silva identifica, muito sabiamente, uma na qual concordamos. Trata-se do facto de o autor popular não ter os mesmos poderes que o autor público. É certo que o autor público (o Ministério Público) tem como objectivos, como refere a Constituição, de defesa da legalidade e do interesse público, mas, também é verdade que o autor popular também actua para essa mesma defesa da legalidade e interesse público, por isso não compreende a tratamento diferenciados dos dois na impugnação de normas regulamentares, pois o primeiro pode, em qualquer circunstâncias e sem os condicionalismos referidos supra, interpor uma acção, enquanto o autor popular está sujeito ao facto de se tratar de três casos concretos julgados em que culminou com a desaplicação da norma administrativa ou quando o regulamento produza os seus efeitos imediatamente. Não se compreende estas diferenças, até porque, sendo este regime mais objectivista, ao consagrar uma solução destas está a contradizer-se, pois haverá menos hipóteses de proteger o interesse público e legalidade.
Concordamos, assim, com a solução referida por Vasco Pereira da Silva que faz uma interpretação correctiva do art.73º/3, “(…) tanto em razão da congruência do sistema, como da natureza dos interesses em jogo, como ainda das regras gerais acerca da possibilidade de intervir como assistente, no sentido de considerar alargada, também ao particular, a possibilidade de se poder constituir como assistente do Ministério Público nos processo em questão”.
Por último, pensamos que será necessário mencionar o art.77º do CPTA, que fala da declaração de ilegalidade por omissão. Esta originalidade do direito português, foi, desde muito cedo defendida por João Caupers.
Este regime permite ao tribunal apreciar se há ilegalidade por omissão de normas regulamentares devidas. Este dever de regulamentar pode advir de forma directa (ou seja, da referência expressa de uma lei) ou de forma indirecta (que decorra da incompletude ou inexequibilidade de uma lei) (art.77º/1).
Se o tribunal entender que existe este dever e ele não foi concretizado, de acordo com o art.77º/2, deve dar conhecimento à entidade competente, fixando prazo para que a omissão seja suprida, desde que, esse prazo não seja inferior a seis meses.
Quanto à natureza desta sentença, de acordo com Vieira de Andrade e Mário Aroso de Almeida, estamos perante uma sentença condenatória, pois está a fixar-se um prazo, Vasco Pereira da Silva, não obstante de referir que é permitido ao tribunal estipular uma sanção pecuniária compulsória (art.3º/2 do CPTA), para o Professor esta sentença, de iure constituto, aproxima-se mais de uma sentença de cariz declarativa.

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