sexta-feira, 21 de maio de 2010

Impugnabilidade ou irrecorribilidade de acto administrativo como pressuposto processual de impugnação.

I. Ao tratar do conceito de acto administrativo impugnável, importa esclarecer que nos encontramos no âmbito da acção administrativa especial (arts.46.º e ss. CPTA), caracterizando-a sumariamente.
A acção administrativa especial é-o em relação à acção administrativa comum (arts.37.º a 45.º), a qual é aplicável a todos os litígios cujo âmbito de apreciação se inscreva na jurisdição administrativa que nem no CPTA, nem em legislação avulsa, sejam objecto de regulação especial (art.37.º, nº1). Com efeito, o processo comum é aquele que é aplicável a todos os casos a que não corresponda processo especial, ao passo que o processo especial é aquele que se aplica nos casos expressamente previstos na lei (art.460.º, n.º2, CPC). O art.37.º, n.º2, contém uma enumeração exemplificativa dos processos que seguem a forma da acção administrativa comum. Nos casos em que se recorra à acção administrativa comum, seguir-se-á o regime do processo declarativo regulado no CPC, nas formas ordinária, sumária e sumaríssima (art.35.º, n.º1, CPTA, e art.461.º CPC). É admitida genericamente a cumulação de pedidos a que correspondam diferentes formas de processo, ultrapassando o CPTA a distinção entre esta divisão dicotómica ao mandar aplicar ao processo a forma da acção administrativa especial, com as adaptações necessárias ao caso concreto (art.5.º, n.º1).
A acção administrativa especial regula, por sua vez, os litígios cujo objecto sejam pretensões emergentes da emissão ou da omissão de actos administrativos ou de normas de direito administrativo (art.46.º, n.º1), tendo três tipos de pedidos: a impugnação de actos (arts.50.º a 65.º), a condenação à prática de acto legalmente devido (arts.66.º a 71.º) e a impugnação e declaração de ilegalidade da omissão de normas (arts.72.º a 77.º). O conjunto que compõem a acção administrativa especial têm cada um deles um regime processual específico que os aproxima de verdadeiros meios processuais autónomos, embora, nos aspectos essenciais, comunguem duma tramitação comum (arts.78.º a 96.º).
Deste quadro legislativo ressalta a natureza dualista do nosso sistema processual administrativo. O critério distintivo das duas formas de processo – a comum e a especial – foi a de estar, ou não, em causa a prática ou a omissão de manifestações de poder público, a existência, ou não, duma relação jurídica tendencialmente paritária entre as partes. Esta diferença é manifesta no caso da utilização da acção administrativa especial, em vez da comum, quando se pratiquem actos administrativos na execução dos contratos (cfr.art.47.º, n.º2, al.d)).

II. Quando falamos de acto administrativo impugnável, situamo-nos desde logo no âmbito da acção administrativa especial, mais especificamente na impugnação de actos administrativos (arts.50.º a 65.º). A impugnação de actos administrativos tem por objecto a anulação ou a declaração de nulidade ou inexistência desse acto (art.50.º, n.º1), sendo, portanto, a sua função o controlo da invalidade daqueles. Como resulta da definição do objecto da impugnação de actos, as sentenças aqui serão a um tempo constitutivas, quando sejam de anulação do acto (art.4.º, n.º2, al.c), CPC), e a outro tempo declarativas ou de simples apreciação, quando se dirijam à declaração de nulidade ou inexistência (art.4.º, n.º2, al.a), CPC).
A seguir à caracterização da impugnação de actos administrativos como pedido típico da acção administrativa especial, a lei processual vem falar-nos do que seja um acto administrativo impugnável. Assim, ainda que insertos em procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos (art.51.º, n.º1). Este princípio corresponde a uma fundamental inovação no contencioso administrativo e na defesa dos direitos dos particulares contra a Administração, sendo agora o novo paradigma o de que qualquer acto lesivo dos direitos dos particulares é recorrível, independentemente de ser horizontal ou verticalmente definitivo. De qualquer acto lesivo cabe recurso imediato para os tribunais, mesmo que ainda caiba recurso hierárquico: com efeito, já não é precisa a definitividade vertical do acto administrativo para poder ser impugnado contenciosamente (art.59.º, n.º4 e 5). Parece, pois, que já não há recursos hierárquicos necessários, sendo sempre facultativos (art.167.º, n.º1, CPA), salvo quando haja uma determinação expressa e inequívoca de lei posterior ao CPTA nesse sentido, mas
Precisamos agora, antes de mais, de esclarecer o que seja um acto administrativo para efeitos do art.51.º para compreender o que seja um acto administrativo impugnável.
O conceito de acto administrativo deve ir buscar-se ao art.120.º CPA, que, pressupondo um conceito material deste, diz sê-lo a decisão de órgão da Administração que ao abrigo de normas de Direito Público vise produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, e isto independentemente da forma sob a qual forem emitidas, i.e., mesmo que em forma de regulamento ou contidas em diploma legislativo (art.52.º, n.º1). Excluem-se, assim, do conceito de acto administrativo, logo tão-pouco do de actos impugnáveis, os puros actos instrumentais, as operações materiais e os comportamentos. Porém, atente-se em que o conceito de acto administrativo impugnável não coincide inteiramente com o de acto administrativo. Por um lado, aquele conceito é mais vasto que este na dimensão orgânica, pois não depende da qualidade administrativa do seu autor, incluindo não só decisões de entidades privadas com poderes públicos, como ainda de entidades de entidades não integradas na Administração Pública (art.51.º, n.º2). Por outro lado, é mais restrito, porquanto só abrange as decisões administrativas com eficácia externa, ainda que insertas em procedimento administrativo, em especial os actos cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos (art.51.º, n.º1), ao passo que o conceito de acto administrativo pode englobar actos internos.
Acto administrativo com eficácia externa será aquele que seja passível de constituir efeitos nas relações jurídico-administrativas externas, independentemente da sua eficácia concreta. Incluem-se neste conceito ainda os actos destacáveis do procedimento, i.e., aqueles que, embora insertos num procedimento, produzam efeitos jurídicos externos autonomamente, sem ser através do acto principal do procedimento, mas, por outro lado, excluem-se, em princípio, os actos internos, aqueles que visem produzir efeitos nas relações interpessoais, atingindo apenas os aspectos orgânicos das relações especiais de poder ou as relações interorgânicas administrativas. A inimpugnabilidade de actos internos, porém, pode conhecer excepções nomeadamente a respeito da legitimidade do órgão colegial para impugnar os actos do colégio e dos órgãos para a impugnação de actos doutros órgãos da mesma pessoa colectiva (art.55.º, n.º1, al.e)).
Já quanto às decisões administrativas preliminares que determinem peremptoriamente a decisão final dum procedimento com efeitos externos, mas que não tenham capacidade de por si constituírem esses efeitos que só se produzirão através da decisão final, nestes casos pode admitir-se a impugnabilidade de tais actos, na medida em que causem lesões na esfera jurídica dos particulares. A admissibilidade desta hipótese de impugnabilidade antecipada não faz impender sobre o particular um ónus de impugnação, ou seja, o não exercício do direito de impugnar estas decisões preliminares nunca poderia precludir o direito à impugnação das decisões finais (art.51.º, n.º3).
A impugnabilidade de actos meramente confirmativos é admissível (art.53.º), e tem como pressuposto evitar que se reabrissem permanentemente litígios, defraudando a estabilidade inerente ao prazo de impugnação dos actos administrativos (cfr., ainda, art.9.º, n.º2, CPA).
A lei admite ainda a impugnabilidade de actos administrativos ineficazes ou não executórios (art.54.º), cuja impugnação era excluída ao abrigo da anterior legislação (art.25.º LPTA). Esta é possível em dois casos: a execução esteja já em curso ou quando for seguro ou muito provável que o acto produza os seus efeitos, maxime quando exista um termo inicial ou uma condição suspensiva de provável verificação, sobretudo se impura ou potestativa (art.54.º, n.º1, als.a) e b)).
Problemas maiores colocam a impugnabilidade de actos de indeferimento expresso em sede da impugnação de actos administrativos, na medida em que o meio idóneo será aqui a acção de condenação da Administração à prática do acto devido (art.67.º, n.º1, al.b)). Com efeito, se contra um acto de indeferimento for deduzido um pedido de estrita anulação, o tribunal convida o autor a substituir a petição para o efeito de formular o adequado pedido de condenação à prática do acto devido (art.51.º, n.º4). Isto não deve, porém, impedir a impugnabilidade autónoma de decisões de indeferimento, nomeadamente quando o particular demonstre um interesse relevante ou até mesmo um direito à anulação ou à declaração de nulidade do acto. É também admissível a cumulação de pedido de condenação com pedido de anulação, sem desistência da formulação autónoma deste último, bem como nos casos de indeferimento parcial da pretensão ou quando o indeferimento seja um efeito indirecto como no caso dos actos positivos de duplo efeito, bem como ainda no caso dos actos concludentes dos quais resulte a impossibilidade de prover o requerimento doutrem. Estes pedidos, todavia, admitem e podem carecer de cumulação com o pedido de condenação à prática do acto devido.

Cátia Freire
nº 16559
subturma 9

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