segunda-feira, 24 de maio de 2010

A Modificação Objectiva da Instância - artº. 45 CPTA

A modificação objectiva da instância prevista no artº 45 do CPTA consiste em uma especificidade da acção administrativa comum em comparação com o processo civil que é a tramitação que, de um modo geral, segue. Consiste na possibilidade de o juiz, num processo dirigido contra a Administração, quando se verifique uma situação de impossibilidade absoluta ou de prejuízo excepcional para o interesse público no cumprimento de deveres a que deveria ser condenada a entidade administrativa, julgar improcedente o pedido, apesar de o particular ter razão, e convidar as partes a acordarem numa indemnização e, na falta de acordo, a fixar tal indemnização, a pedido do autor, sem prejuízo, no entanto, de o autor, na falta de acordo, optar por um pedido autónomo de reparação de danos. Preceito este que é visto por Vieira de Andrade como não sendo mais do que um poder de reconhecimento antecipado da existência de causas legitimas de inexecução da sentença, sendo alias, nesta perspectiva ainda mais exigente do que o 163º que se basta com o grave prejuízo. Isto acompanhado do reconhecimento do direito a uma indemnização de montante a fixar. Contudo é o próprio Vieira de Andrade a admitir que o preceito apresenta ambiguidades quanto a saber se tal possibilidade é ou não de funcionamento oficioso, também quanto à compreensão de uma decisão improcedente quando o particular tem razão quanto ao fundo e, por fim, em como este pode reagir caso não concorde com a decisão do tribunal, e aqui, tal como o autor refere, parece incontestável que deve admitir-se o direito ao recurso. Posição esta que não poderia deixar de ser contraditada por Vasco Pereira da Silva (e de tanta outra doutrina que igualmente faz criticas à norma em causa) que considera o preceito um cheque em branco passado pelo legislador ao juiz e que seria inconstitucional por violação do princípio da separação de poderes, do principio do pedido e do principio da plenitude da tutela do particular.
Essa possibilidade é alargada à acção administrativa especial, nos termos do artº. 49, e até aos processos urgentes, de acordo com o artº. 102 nº 5 sendo que neste ultimo caso o tribunal não chega sequer a proferir a sentença pretendida. É ainda de mencionar duas decisões do STA em que o mesmo conclui o seguinte:

“O art. 45º, 1 do CPTA, não afasta a possibilidade da indemnização aí prevista ser concedida, nos casos em que o autor é um Sindicato, agindo, na defesa dos interesses individuais dos trabalhadores que representa, na medida em que a referida indemnização, a ser devida, se repercute directamente na esfera jurídica dos trabalhadores representados. No caso de se tornar legalmente impossível, por força de diploma legislativo posterior à instauração da acção, satisfazer a pretensão apresentada por um sindicato de emissão de normas regulamentares em defesa dos direitos e interesses individuais de associados seus, que são identificados, é de apreciar a possibilidade de estes serem indemnizados, nos termos do art. 45.º do CPTA.”


“O art.º 102, n.º 5, do CPTA consagra para os processos urgentes a possibilidade, estabelecida no art.º 45, n.º 1, para a acção administrativa comum (e também especial, por força da norma remissiva contida no art.º 49), de modificação objectiva da instância.
II - Com estes preceitos visou-se enxertar uma fase executiva num processo declarativo, procurando antecipar o juízo sobre a existência de causa legítima de inexecução de uma sentença, evitando que o processo termine com uma decisão meramente formal de declaração de impossibilidade da lide.
III - Modificação da instância decorrente de determinadas circunstâncias traduzidas na fórmula de que para a satisfação dos interesses do autor exista uma situação de impossibilidade absoluta. IV - Essa fórmula coloca a necessidade de emitir dois juízos: primeiro, a verificação de que na hipótese de a acção proceder ocorre uma impossibilidade objectiva de satisfazer a pretensão do autor, depois, a constatação de que a satisfação dos interesses do autor só é viável se os fundamentos - factuais e jurídicos - invocados se mostrarem procedentes, o que impõe a necessidade de os analisar.
V - Donde resulta, como uma consequência inultrapassável evidenciada pelos objectivos e razão de ser do preceito (a modificação da instância), que, a pretensão enunciada na acção tem que ser viável no plano jurídico, ou seja, tem que ser de procedência.
VI - Só essa sequência permite o passo seguinte, o da modificação objectiva da instância, realidade, aliás, suficientemente sublinhada (e mais clarificada) no art.º 45, n.º 1, quando, em relação à Administração, a ré, fala nos deveres a que seria condenada (não fora a impossibilidade ou o excepcional prejuízo) o que, desde logo, deixa perceber que era necessário proceder-se à análise da situação e concluir pela condenação.
VII - Só depois, nos planos lógico e cronológico, será possível dar o passo subsequente, convidar as partes a acordarem, no prazo de 20 dias, no montante da indemnização a que o autor tem direito, seguindo-se os trâmites previstos no artigo 45.º.
VIII - Esses trâmites estão fixados nos n.ºs 3 e 4 do art.º 45, e são os seguintes: na falta de acordo o autor pode requerer a fixação judicial da indemnização devida, devendo o tribunal, nesse caso, ordenar as diligências instrutórias que considere necessárias, após o que fixa o montante da indemnização devida.
IX - O (novo) pedido do autor, resultante da modificação da instância, o pedido de indemnização de todos os danos sofridos, tem que se sustentar em factos - pois só ele os conhece - e razões jurídicas que lhe possam conferir credibilidade e que se apresentam como uma ampliação da causa de pedir que acrescerá à causa de pedir inicial.
X - Quando a lei concede ao autor a possibilidade de requerer a fixação judicial de uma indemnização está a pedir-lhe que a peça, se a pretender (tanto mais que o n.º 5 do preceito lhe confere a possibilidade "de optar por deduzir pedido autónomo de reparação de todos os danos resultantes da actuação ilegítima da administração"), mas está a exigir-lhe, igualmente, como em relação a qualquer outro pedido formulado em juízo, que explicite os factos que lhe servem de suporte e as normas que delimitam os seus contornos.
XI - Esta indemnização tem uma finalidade meramente reparadora, sem quaisquer intuitos sancionatórios, é o próprio n.º 4 que o sublinha (aliás, indemnizar visa compensar e relaciona-se com factos próprios do lesado, enquanto sancionar visa punir e prende-se com factos exclusivos do infractor).
XII - A circunstância de o n.º 3 do art.º 45 estabelecer, depois, que o tribunal deverá ordenar as diligências instrutórias que considere necessárias deixa perceber que as partes, podendo fazê-lo como é óbvio, não estão obrigadas a apresentar a prova desses factos.”

Numa perspectiva que mais se aproxima, portanto, da visão de Vieira de Andrade, na medida em que nenhum problema de inconstitucionalidade é levantado.

O que me parece é que é uma norma que ao conferir tal margem de liberdade ao legislador, perante os princípios invocados por Vasco Pereira da Silva, parece de facto, pelo menos à primeira vista, um tanto o quanto perigosa sobretudo no que toca à protecção das posições subjectivas dos particulares. Contudo não se pode deixar de concordar com a posição do STA, que considero como sendo uma visão mais pratica da questão, e sobretudo se tivermos em conta princípios como o da economia processual e da efectividade da decisão que, entre os aspectos, serve de justificação do preceito.

Vanessa Rodrigues, 16905, subt 12

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