segunda-feira, 24 de maio de 2010

RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO

I - Para que exista responsabilidade pelo risco, é necessário que se verifiquem os seguintes requisitos especificados no artigo 8º do DL. nº 48051, de 21.11.67: a) ocorrência de prejuízos especiais ou anormais; b) que sejam devidos ao funcionamento de serviços ou ao exercício de actividades excepcionalmente perigosas; e, c) inexistência de caso de força maior estranha ao funcionamento desses serviços ou ao exercício dessas actividades;
II - “Uma actividade é excepcionalmente perigosa quando for razoável esperar que dela possam resultar graves danos, isto é, danos que superem o que é normal esperar de uma qualquer outra actividade e que os prejuízos são anormais ou especiais quando ultrapassam os pequenos transtornos e prejuízos que são inerentes à actividade administrativa e que decorrem da natureza da própria actividade e se configuram como o custo a suportar pela integração social, ou seja, são danos que vão onerar pesada e especialmente apenas algum ou alguns cidadãos, sobrecarregando-os de forma desigual em relação a todos os demais.”;
III - Porque a transfusão efectuada consubstanciava um acto médico vulgar e corrente não era previsível que a mesma pudesse vir a provocar mais perigos do que aqueles que normalmente lhe estão associados, os quais não incluem o dano de uma intensidade tão forte como o que atingiu o marido da recorrente, pelo que a mesma, no momento em que foi realizada, não podia ser qualificada como uma actividade excepcionalmente perigosa.


Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

Vem interposto recurso da sentença do TAC de Lisboa que julgou improcedente a acção administrativa comum para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, intentada contra o R., na qual se pede a condenação deste a pagar à A., aqui Recorrente, o montante de € 2000.000,00, a título de indemnização por danos materiais e morais.
Em alegações são formuladas as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que, julgando improcedente a acção proposta pela A., absolveu o R. do pedido.
2. Não se pondo em causa a decisão sobre a matéria de facto tomada pela sentença recorrida, outro tanto já não se pode defender relativamente à sua fundamentação de direito.
3. Com efeito, e ao contrário do que acabou por concluir a sentença sindicada, no caso concreto dos autos, estamos perante um serviço público - serviço de sangue do Hospital de S. José - que desenvolve de forma manifesta uma actividade excepcionalmente perigosa e que esteve aqui na origem directa de danos anormais e especiais que, no fundo, se traduziram numa morte prematura e rodeada de enorme sofrimento para a vítima e para a A.
4. A interpretação do que se deve entender, para efeitos de aplicação do previsto no artº 8º do então aplicável Decreto-Lei 48.051, de 21.11.1967, por actividade excepcionalmente perigosa e prejuízos anormais e especiais provocados pelo funcionamento daquela actividade não pode ser de tal forma restritiva ao ponto de esvaziar ou tornar inútil o sentido e objectivo daquele preceito legal.
5. O que aqui ocorre e não pode deixar de subsumir-se ao disposto no citado artº 8º, é, no fundo, a seguinte situação: em consequência da manifesta impossibilidade de o Estado garantir em absoluto o não surgimento de qualquer infecção do sangue por via das transfusões, nos casos em que isso venha a verificar-se, ainda que com a observância das legis artis conhecidas a cada momento, caímos no campo da responsabilidade do Estado pelo risco decorrente do funcionamento de serviços que, assim, se revelam excepcionalmente perigosos (hoje, especialmente perigosos, nos termos da Lei 67/2007).
6. Os danos emergentes da actividade do R. aqui em causa não podem deixar de considerar-se anormais e especiais pela sua natureza, volume, extensão e actualidade.
7. Assim, em função dos factos dados por provados no que àqueles prejuízos respeita e atenta a natureza intrínseca de actividade excepcionalmente perigosa da recolha e transfusão de sangue, necessário se torna concluir que o R. deveria ter sido condenado a indemnizar a A. nos

termos impetrados, por se estar perante um caso de responsabilidade civil extracontratual pelo risco. Porque assim, ao decidir como decidiu, a sentença recorrida violou, por errónea interpretação e incorrecta aplicação, o disposto no artº 8º do Decreto-Lei 48.051, de 21.11.1967.

Não foram apresentadas contra-alegações.

A EMMP emitiu parecer a fls. 213 a 215, no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Os Factos
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
1) A A. foi casada com J... até à data da morte deste, ocorrida em 8 de Maio de 1991.
2) O falecido marido da A. sofreu um grave acidente ferroviário em 27 de Abril de 1984, na Estação de Caminhos de Ferro do Rossio.
3) Tendo dado entrada na urgência às 00h e 11 mn do dia 28 de Abril de 1984, foi nesse mesmo dia submetido a uma intervenção cirúrgica, no Hospital de Curry Cabral, no decurso da qual sofreu a amputação traumática de 1/3 da perna esquerda com esfacelo das partes moles acima do joelho.
4) Durante essa intervenção cirúrgica foram administrados a J... 2 litros de sangue - correspondentes a 4 unidades de sangue -, os quais tiveram a sua proveniência em dadores do Serviço de Sangue do Hospital de S. José, identificados com os n°s 93,924,150.927 e 15.091 (um 4° dador nunca chegou a ser identificado).
5) J... teve alta do Hospital Curry Cabral no dia 25 de Maio de
6) Embora privado de uma perna e, por esse facto, obrigado a uma radical alteração dos seus hábitos, o defunto marido da A., possuído de urna grande força anímica e de vontade de viver que sempre o caracterizara, regressou ao serviço, no Centro Regional de Segurança Social de Lisboa (Área de contribuintes).
7) No início do ano de 1991, a A. começou a notar uma alteração do comportamento do marido, achando-o anormalmente triste, cansado e, por vezes, distante, sem deixar de ter um relacionamento afectuoso para com ela e com a filha, então menor.
8) Em 11 de Abril de 1991, J..., já com graves problemas respiratórios e com enorme debilidade física, foi hospitalizado no Hospital Pulido Valente.
9) Faleceu neste Hospital devido a uma pneumonia - a pneumocistis carinii -, diagnóstico este que se enquadrava na evolução normal da infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV2).
10) J... tinha sido dador de sangue no Serviço de Sangue do Hospital de S. José em 28/05/71, 28/09/71 e 24/04/79, no Instituto Português de Oncologia
em 1976 e no Hospital de Santa Maria em Abril de 1980, em todas essas vezes com análises normais.
11) Em Agosto de 1989, aquando de uma doação de sangue no Instituto Português de Oncologia, foi-lhe detectado o vírus HIV2 positivo.
12) Aos dadores referidos em 4) não foi efectuada a serologia do HIV.
13) Dá-se por integralmente reproduzido o teor do relatório da Inspecção-Geral da Saúde datado de 20.12.2001, constante de fls. 15 a 17, dos autos em suporte de papel
14) A autora tomou conhecimento desse relatório na semana entre 18 e 22 de Fevereiro de 2002.
15) A A. instaurou, em 11.2.2005, uma acção administrativa comum contra o Estado Português, a qual tomou o n.° 371/05.2 BELSB, onde peticionava a condenação do réu a pagar-lhe o montante de € 200.000, a título de indemnização por danos materiais e morais, pelos fundamentos que constam de fls. 60 a 65, dos autos em suporte de papel, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido,
16) Nessa acção o MP foi citado em representação do Estado Português em 5.5.2005.
17) Nesse proc. n.° 371/05,2 BELSB, o réu foi absolvido da instância, por falta de legitimidade passiva, por decisão de 20.3.2006 transitada em julgado em 5.5.2006,
18) A autora teve conhecimento do facto referido em 11) em Outubro de 1993.
19) A presente acção foi intentada em 4.5.2006.
20) O réu foi nela citado em 27.7.2006.
21) O dador da unidade de sangue n° 150.927, em Abril de 1984, achava-se contaminado com o vírus HIV2 e, em consequência da transfusão dessa unidade de sangue, J... ficou contaminado com o vírus HIV2.
22) Se não fora essa transfusão de sangue contaminado, J... não teria falecido na data referida em 1) e em condições de profundo sofrimento.
23) Com a morte do seu marido e nas especiais condições em que ela ocorreu, a A. sofreu um tremendo abalo e urna enorme dor, sendo que ainda hoje sente dor.
24) A morte de J... provocou uma drástica redução das receitas familiares, ficando a autora numa dificílima situação económica.
25) A comunidade científica:
- em 1983, isolou o vírus do HIV1, posteriormente a esse isolamento, em data não concretamente apurada, descobriu o risco de contaminação pelo vírus do HIV1 por via da transfusão sanguínea e, após, surgiu a serologia ao HIV1, surgimento que se verificou em Portugal em 1985, sendo que o Hospital de S. José pelo menos em Novembro desse ano já a efectuava;
- em 1985, isolou o vírus do HIV2, posteriormente a esse isolamento, em data não concretamente apurada, descobriu o risco de contaminação peio vírus do HIV2 por via da transfusão sanguínea e, após, surgiu a serologia ao HIV2, surgimento que se verificou em Portugal em 1987, sendo que o Hospital de S. José nesse mesmo anoja a efectuava.
26) Os lotes de sangue referidos em 4) foram submetidos a todas as análises [despistagem de Hepatite B e de VDRL (sífilis)] que, na altura, dado o estado da ciência médica em Portugal, eram possíveis de ser efectuadas.


27) A autora, requereu, ao abrigo da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e com vista à instauração de acção declarativa de condenação, a concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa total de taxa de justiça e demais encargos com o processo e pagamento de honorários do patrono por si escolhido - Dr. Carlos Paisana -, o qual foi deferido por despacho de 14.3.2002 (cfr. fls. 24, dos autos em suporte de papel).

O Direito
A sentença recorrida julgou improcedente a acção administrativa comum para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, intentada contra o R., na qual se pede a condenação deste a pagar à A., aqui Recorrente, o montante de € 2000.000,00, a título de indemnização por danos materiais e morais sofridos pela morte do seu marido, que atribui a negligência hospitalar ou a actividade excepcionalmente perigosa.
Dado que a Recorrente aceitou a decisão recorrida no que se refere ao afastamento da responsabilidade por actos ilícitos (cfr. págs. 13 a 15 da sentença), apenas está em causa, no presente recurso, determinar se se verifica a responsabilidade pelo risco.
Sobre esta matéria a sentença recorrida estribando-se no Ac. do STA de 14.12.2005, proc. nº 0351/05, que se debruçou sobre um quadro fáctico em tudo semelhante ao dos autos (contaminação com HIV2 na sequência de uma transfusão sanguínea ocorrida em 30.01.1986, altura em que era impossível, em qualquer parte do mundo, saber que um indivíduo completamente saudável poderia ser portador de HIV2), concluiu pela improcedência do pedido indemnizatório fundado na responsabilidade pelo risco, “já que não se pode considerar a transfusão de sangue (recebida por J..., em 1984) como actividade excepcionalmente perigosa, já que, à época, o vírus que o infectou - HIV2 - era desconhecido.”

O assim decidido não merece censura.
Efectivamente, foi dado como provado na sentença recorrida que um dos dadores de sangue que foi usado na transfusão efectuada ao marido da Recorrente, estava contaminado com o HIV2, tendo por esta via sido transmitida a doença deste.
Provou-se, também, que a causa da morte e do sofrimento do mesmo foi essa transfusão de sangue contaminado.
Mais se provou que “os lotes de sangue referidos em 4) foram submetidos a todas as análises [despistagem de Hepatite B e de VDRL (sífilis)] que, na altura, dado o estado da ciência médica em Portugal, eram possíveis de ser efectuadas”.

Uma vez que aqui apenas está em causa a responsabilidade pelo risco, a questão que se coloca é a de saber se a transfusão de sangue pode ser qualificada como uma actividade excepcionalmente perigosa, e, sendo-o, se dela decorreram prejuízos especiais ou anormais, só assim sendo possível ressarcir os danos que ela causou à A., ao abrigo do art. 8º do DL. nº 48051, de 21.11.67.
De acordo com o preceituado neste normativo:


“O Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem pelos prejuízos especiais e anormais resultantes do funcionamento de serviços administrativos excepcionalmente perigosos ou de coisas e actividades da mesma natureza, salvo se, nos termos gerais, se provar que houve força maior estranha ao funcionamento desses serviços ou ao exercício dessas actividades, ou culpa das vítimas ou de terceiro, sendo neste caso a responsabilidade determinada segundo o grau de culpa de cada um.”
Assim, para que exista responsabilidade pelo risco, é necessário que se verifiquem os seguintes elementos especificados naquele preceito (dois positivos e um negativo): a) ocorrência de prejuízos especiais ou anormais; b) que sejam devidos ao funcionamento de serviços ou ao exercício de actividades excepcionalmente perigosas; e, c) inexistência de caso de força maior estranha ao funcionamento desses serviços ou ao exercício dessas actividades - cfr. neste sentido Prof. Gomes Canotilho, in O Problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos, pags. 271/272 e Acs. do STA de 19.11.99, rec. 43.358, de 29.05.2005, rec. 688/03 e de 01.03.2005, rec. 1610/03.
Sobre o entendimento de tais conceitos, escreve-se no Ac. do mesmo Tribunal, de 14.12.2005, rec. 0351/05 (acima indicado), o seguinte:
“Deste modo, poderá afirmar-se que uma actividade é excepcionalmente perigosa quando for razoável esperar que dela possam resultar graves danos, isto é, danos que superem o que é normal esperar de uma qualquer outra actividade e que os prejuízos são anormais ou especiais quando ultrapassam os pequenos transtornos e prejuízos que são inerentes à actividade administrativa e que decorrem da natureza da própria actividade e se configuram como o custo a suportar pela integração social, ou seja, são danos que vão onerar pesada e especialmente apenas algum ou alguns cidadãos, sobrecarregando-os de forma desigual em relação a todos os demais.
O que significa que o que caracteriza a excepcional perigosidade da actividade é a especial e significativa probabilidade dela importar, em si mesma e por si só, grave ou intensa lesão e o que qualifica a anormalidade ou a especialidade do prejuízo é o facto deste, pelo seu carácter e volume, exceder aquilo que é razoável fazer suportar ao cidadão normal socialmente integrado.
“Por prejuízo anormal deve entender-se aquele que se revista de certo peso ou gravidade, em termos de ultrapassar os limites daquilo que o cidadão tem de suportar enquanto membro da comunidade, isto é, que extravase dos encargos sociais normais exigíveis como contrapartida da existência e funcionamento dos serviços públicos. Prejuízo especial é aquele que não é imposto à generalidade das pessoas, mas que incide desigualmente sobre um grupo determinado.” - Acórdão deste STA de 05/11/2003 (rec. 1.100/02). No mesmo sentido podem ver-se, entre os mais recentes, os Acórdãos de 16/05/2002 (rec. 509/02, de 10/10/2002 (rec. 48.404), de 21/01/2003 (rec. 990/02), de 29/05/2003 (rec. 688/03), de 2/12/2002 (rec. 670/04) e de 01/03/2005 (rec. 1.610/03).
Nesta conformidade, e a coberto da responsabilidade pelo risco,


só devem merecer tutela os danos provocados uma actividade que, objectivamente, encerre um perigo que exceda o que é normal na actividade administrativa e, além disso, que recaiam apenas sobre um único cidadão ou um grupo restrito de cidadãos e que pela sua intensidade ou volume se distinguem dos são normalmente suportados pelo cidadão comum. O que vale por dizer que, sob pena de se gerarem insolúveis problemas financeiros às pessoas públicas demandadas, inviabilizadoras das suas actividades normais e correntes, serão de eliminar do conjunto dos danos indemnizáveis “as meras bagatelas, os sacrifícios ligeiros que, sendo custos de sociabilidade, são compensados por outras vantagens proporcionadas pela actuação das máquinas estadual e local” - vd. Acórdão de 13/01/2004 acima parcialmente transcrito.
Pode, pois, concluir-se - como o Ac. deste Tribunal de 19/11/98 (rec. 43.751) - que “o Estado e demais pessoas colectivas públicas - a coberto do disposto no art.º 8.º do DL 48.051 - só são sancionados com a obrigação de indemnizar os prejuízos que, em função da sua natureza, volume, extensão e actualidade, sejam suficientemente graves e afectem determinado cidadão ou grupo de cidadãos, impondo-lhes um sacrifício iniquamente desigual em confronto com a generalidade das pessoas” (Sublinhado nosso).”
Por outro lado, para que exista responsabilidade pelo risco é, também, necessária a consciência desse risco pelo agente causador dos danos, com imposição lícita de sacrifícios, com vista à prossecução de um interesse público mais valioso do que o interesse privado sacrificado (cfr. neste sentido Prof. Gomes Canotilho, obra citada, págs. 235/236 e art. 9º do DL nº 48051). Daí que, como bem refere a EMMP, muitos casos de responsabilidade civil por actos lícitos, praticados por entes públicos estejam expressamente consignados na lei, o mesmo acontecendo com os parâmetros para calcular o quantum indemnizatório - v.g., o caso das expropriações - com vista à prossecução do princípio da igualdade e à delimitação dos encargos dos entes Públicos (cfr. ob. cit., pág. 126).
Ora, no caso em apreço verifica-se que, o marido da A foi contaminado com o vírus da SIDA em resultado de uma transfusão sanguínea.
No entanto, após o isolamento do vírus HIV2 em 1983, e desconhecendo-se ainda as suas consequências e vias de transmissão, a transfusão de sangue não poderia ser considerada uma actividade excepcionalmente perigosa que o ente público pudesse prever como causador do dano, mas que, mesmo assim, decidisse praticá-la em nome dum interesse público relevante.
De facto, as transfusões sanguíneas constituem um tratamento médico vulgar desde há muitos anos praticados, pelo que pode dizer-se que, desde que rodeadas dos cuidados e normas de segurança exigíveis, são, em princípio, actos médicos seguros, dos quais não resultarão danos que atentem contra a vida ou afectem gravemente a saúde dos que deles careçam.
Aliás, ficou comprovado que “os lotes de sangue referidos em 4)

foram submetidos a todas as análises [despistagem de Hepatite B e de VDRL (sífilis)] que, na altura, dado o estado da ciência médica em Portugal, eram possíveis de ser efectuadas”. Ou seja, foram tomados os cuidados e observadas as normas de segurança exigíveis (face aos conhecimentos então disponíveis), para que não resultassem danos especiais ou anormais.
Assim sendo, e porque a transfusão efectuada consubstanciava um acto médico vulgar e corrente não era previsível que a mesma pudesse vir a provocar mais perigos do que aqueles que normalmente lhe estão associados, os quais não incluem o dano de uma intensidade tão forte como o que atingiu o marido da recorrente, pelo que a mesma, no momento em que foi realizada, não podia ser qualificada como uma actividade excepcionalmente perigosa.
É certo que essa transfusão, face ao citado desconhecimento, causou ao marido da A. prejuízos anormais, já que não é normal que um acto daquela natureza provoque a morte na pessoa que o recebe, e especiais visto que, das muitas transfusões ocorridas no mesmo período poucas terão tido tão infeliz desfecho.
No entanto, não basta a verificação destes prejuízos anormais ou especiais para se poder fazer funcionar a responsabilidade pelo risco, uma vez que esta está também dependente da verificação de outro requisito que é o de tais prejuízos terem resultado de uma actividade excepcionalmente perigosa. E, este, como já vimos não se verifica.
Termos em que, ao ter entendido que o R. não devia ser condenado a indemnizar a A., a sentença recorrida interpretou e aplicou correctamente o art. 8º do DL. nº 48.051, devendo manter-se, e, improcedendo as conclusões do presente recurso.

Pelo exposto, acordam em:
a) - negar provimento ao recurso, confirmando integralmente a sentença recorrida;
b) - condenar a Recorrente nas custas, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

Lisboa, 4 de Junho de 2009


Teresa Sousa
Coelho da Cunha
Gonçalves Pereira

Pedro Borges Rodrigues, subturma 12

Sem comentários:

Enviar um comentário