sábado, 22 de maio de 2010

O recurso hierárquico necessário tornou-se mesmo desnecessário ou ainda desempenha alguma função relevante?




A necessidade ou desnecessidade de recurso hierárquico necessário como única forma de chegar ao recurso contencioso, tem sido um tema de grande discussão no seio da doutrina.
Com efeito, antes da Revisão Constitucional de 1989,o recurso contencioso era constitucionalmente assegurado em relação a todos os actos definitivos e executórios, ou seja era exigência do texto constitucional, como requisito para o recurso contencioso, que este tivesse por objecto um acto administrativo definitivo e executório.
Todavia, a Reforma Constitucional, veio alterar o sentido do actual 268º/4 da Constituição da Republica Portuguesa (doravante CRP), retirando-lhe a exigência da definitividade dos actos recorríveis, ou por outras palavras, eliminando o requisito (até então indispensável), de ter de se tratar de um acto definitivo e executório para que pudesse ser susceptível de recurso contencioso. Nestes termos, alterou-se significativamente o paradigma do acto administrativo recorrível, deixando de ser constitucionalmente admissível impor-se ao particular o prévio esgotamento das vias administrativas como única forma de acesso aos meios contenciosos. Assim, acto administrativo recorrível já não é mais o que é definitivo e executório, mas sim aquele susceptível de causar a lesão dos direitos e interesses legítimos dos particulares (51º/1 CPTA).
Estava nestes termos aberta uma grande polémica em torno da constitucionalidade do recurso hierárquico, dependendo do sentido atribuído a norma do 268/4 CRP, que na versão actual parece alargar a garantia do recurso contencioso, uma vez que prescinde da expressa exigência de ter por objecto, acto administrativo e executório.
Parte da doutrina, como é o caso dos Professores Vasco Pereira da Silva e Paulo Otero, defende a inconstitucionalidade superveniente das leis avulsas que exijam a definitividade vertical do acto, para que possa ser deduzido recurso, concluindo que cabe sempre recurso contencioso de Acto administrativo com eficácia externa mesmo que não verticalmente definitivo (Paulo Otero) . E parte, sustenta que a alteração operada com a reforma visou apenas reformular o recurso contencioso, e não proibir a exigência de definitividade do acto para deduzir recurso, tendo sido esta, a posição adoptada por Rogério Ehrhardt Soares, Freitas do Amaral, Mário Aroso de Almeida e Vieira de Andrade. Entendem portanto estes autores que não terá sido suprimida a exigência de que o recurso contencioso seja precedido de recurso hierárquico necessário para formação e um acto administrativo verticalmente definitivo.
Nestes termos, e segundo -se a linha de pensamento quanto a esta ultima posição, e em especial do Professor Mário Aroso de Almeida, o cerne da questão está em saber se os artigos 51º/1 e 4 e 59º/4 e 5 CPTA vieram definitivamente eliminar a exigência de recurso hierárquico necessário prevista no 167º CPA, que continua a dispor este pode ser facultativo ou necessário. Este Professor considera que, não obstante a letra da lei, a entrada em vigor do CPTA não teve como objectivo eliminar definitivamente a figura do recurso hierárquico necessário. Considera que, se permanecem de pé as normas avulsas que o impõem, não se justifica o desaparecimento do seu regime geral estabelecido no CPA, negando o autor por esta via ao CPTA “o alcance de revogar as múltiplas determinações legais avulsas que instituem impugnações administrativas necessárias, impondo o recurso á via da impugnação administrativa como pressuposto de acesso á via contenciosa.” Defende por sua vez, um alcance diferente do mesmo, uma reinterpretação. Considera portanto, que o recurso hierárquico necessário genericamente previsto no CPA, deve ser reinterpretado numa “versão actualista”, ou seja, admitindo-o apenas quando seja expressa e conscientemente uma opção do legislador. Quer isto dizer que para Mário Aroso de Almeida, o que o CPTA vem consagrar, é que por regra, todos os actos administrativos com eficácia externa poderão ser objecto de impugnação contenciosa, e que consequentemente só estarão sujeitos a recurso hierárquico necessário quando expressamente previsto na lei. Esta interpretação, que consagra portanto a “substituição do modelo tradicional de concentração de poderes pela aceitação da possibilidade de a lei instituir casos avulsos de impugnação administrativa necessária, designadamente de recurso hierárquico necessário...” está pois reflectida na exigência constitucional do 267/2 CRP, que prevê a desconcentração administrativa e põe, por esta via termo á posição autoritária da administração vigente até então, e que impunha que os particulares apenas pudessem impugnar contenciosamente o acto definitivo e executório, ou seja, actos cuja ultima palavra fosse sempre da administração. Tal como tem sido entendimento da jurisprudência, entende não ser necessário que a CRP consagre os pressupostos processuais de que depende a impugnação contenciosa dos actos administrativos. Pelo contrário, entende como único limite para a exigência de recurso hierárquico necessário, o princípio consagrado no 18º/2 CRP, no sentido de essa mesma exigência não o poder contrariar. Defende portanto como único limite para a exigência de recurso hierárquico necessário, a inadmissibilidade de um condicionamento excessivo de exercício de direitos fundamentais dos particulares, ou seja “devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos”, invocando neste sentido o Ac. 499/96.
O professor Vieira de Andrade, defende na linha do pensamento de Mário Aroso de Almeida, que da substituição do 268º/4 CRP, não se pode retirar a inconstitucionalidade de qualquer exigência recurso hierárquico necessário, não considerando por isso aceitável o mero argumento formal de que CRP deixou de expressamente prever essa possibilidade. Para Vieira de Andrade, o recurso hierárquico necessário não constitui uma desvantagem, sendo antes uma alternativa para os administrados. Considera-se portanto, que este não constitui um atraso na recomendada celeridade processual, já que “ o tempo do recurso hierárquico poderá ser recuperado no prazo do recurso contencioso ou servir para compensar as desvantagens da curteza deste.”, nem tão pouco prejudica o particular, uma vez que a possibilidade de interpor recurso contencioso não fica precludida. Assim, considera que só não será exigível o recurso hierárquico necessário legalmente previsto, quando este não suspenda imediatamente a execução da decisão administrativa, ou ainda quando o prazo para a interposição de recurso hierárquico necessário seja tão curto que importe a constituição de uma restrição injustificada de direitos fundamentais, e que nesse sentido contrarie disposto no 18º/2 CRP.
Posição contrária é defendida, como já referido pelos Professores Vasco Pereira da Silva e Paulo Otero. Estes, sustentam a inconstitucionalidade superveniente do recurso hierárquico necessário, afirmando que cabe sempre recurso contencioso de Acto administrativo com eficácia externa mesmo que não verticalmente definitivo. Considera Paulo Otero que continuar a afirmar a exigência de definitividade vertical é negar a alteração do art. 268º/4 CRP, é restringir o exercício de um direito fundamental sem que para essa restrição haja fundamento expresso ( art 18º/2 CRP). No mesmo sentido, Vasco Pereira da Silva, considera que o recurso hierárquico necessário já não é mais necessário. No entanto, pode continuar a ser útil, se o particular entender ser preferível accionar a via do recurso hierárquico em vez de optar pelo recurso contencioso, uma vez que pode por essa via poupar meios e custos, e por outro lado, terá sempre disponível a via contenciosa para recorrer dessa decisão, uma vez que o recurso hierárquico implica a suspensão do prazo para dedução de recurso contencioso (art. 59º/5 CPTA)
Neste sentido, parece ter sido intenção do legislador, eliminar da nossa ordem jurídica o recurso hierárquico como pressuposto processual para o acesso à via contenciosa. Considera-se portanto que este constitui um obstáculo inútil ao acesso a via contenciosa, e que as normas especiais que o consagram, não podem deixar de ser vistas como normas viciadas por inconstitucionalidade superveniente, uma vez que limitam nesses termos o acesso á justiça.









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