segunda-feira, 24 de maio de 2010

A declaração de ilegalidade por omissão: breve comentário.

O art. 46.º/1 e n.º2, d) em conjugação com o art. 77.º CPTA permite a declaração de ilegalidade da não emanação de uma norma que devesse ter sido emitida ao abrigo de disposições de direito administrativo.
Assim é necessário que não tenha sido emitida norma e que essa emissão seja legalmente devida pela Administração, em termos a conferir, de acordo com a legislação administrativa aplicável ao caso em apreço.
O CPTA optou pelo enquadramento sistemático da declaração de ilegalidade por omissão na mesma secção da impugnação de normas por ilegalidade, tratando-se ambos os casos de uma acção administrativa especial cujo objecto são normas, seja pela ilegalidade da sua existência, seja pela ilegalidade da sua omissão.
As normas, para efeitos da acção contenciosa, devem ser interpretadas num sentido lato como todas as disposições de carácter geral e abstracto, que visem a produção de efeitos permanentes numa relação intersubjectiva, englobando-se nesta opção, para lá do paradigmático regulamento administrativo, os casos de planos, estatutos ou regimentos.
Assim, relativamente a todos estes casos é possível ao interessado intentar uma acção autónoma para que a Administração emita a norma em falta, quando ela for legalmente devida. Caso não seja não pode vir o poder judicial exigir que se pratique tal norma, dado que tal violaria o Princípio da separação de poderes por interposição do poder judicial no âmbito de mérito da Administração.
A consagração desta forma de acção vem assim concretizar de forma mais densa o princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art. 268.º/4 CRP, assegurando que os direitos dos cidadãos são efectivamente concretizados através da emissão das necessárias normas administrativas.
A acção de declaração de ilegalidade por omissão foi inspirada na fiscalização da inconstitucionalidade por omissão, consagrada no art. 283.º CRP, uma vez que a própria figura e seus pressupostos se aproximam claramente do sucedâneo constitucional.
Em termos de regime legal rege o disposto no art. 77º CPTA. Nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, esta acção contenciosa apenas se destina aos casos em que a norma, de acordo com as disposições de direito administrativo aplicáveis, seja necessária para dar exequibilidade a actos legislativos carentes de regulamentação.
Assim, para que a declaração de ilegalidade por omissão proceda é necessário que legalmente aquela norma fosse devida por ser necessária à produção de efeitos jurídicos de actos legislativos. O tribunal deve então verificar se estamos perante a omissão de um regulamento necessário à execução de determinadas leis que, apesar de se encontrarem em vigor, não produzem ainda qualquer efeito jurídico directo por faltar a sua regulamentação, tarefa da competência da Administração.
Alguma doutrina, nomeadamente o Professor Viera de Andrade, tem-se pronunciado pela possibilidade de aplicação da acção de declaração de ilegalidade por omissão a casos em que a própria Administração se vinculou à emissão de regulamentos, quer se trate de uma auto-vinculação da Administração em sentido próprio, quer porque tal vinculação resulta dos princípios jurídicos aplicáveis a um determinado caso concreto.
De iure condendo entendo que se trata de uma posição a aplaudir, mas tendo em conta o regime legal vigente e os pressupostos expressos de forma inequívoca no art. 77.º CPTA não me parece que a esses casos também se possa aplicar este tipo de acção.
Em termos de legitimidade activa, o art. 77.º/1 estabelece que ela apenas pertence a quem alegue um prejuízo que resulte directamente da omissão, sendo igualmente central o critério da lesividade de posições jurídicas activas. Assim, é necessário que se trate de um prejuízo directo e actual.
É igualmente aceite a legitimidade do Ministério Público e admite-se a acção popular pública por parte das pessoas e entidades a que se refere o art. 9.º/2 CPTA, relativamente aos interesses que defendem.
Quanto aos efeitos da declaração de ilegalidade por omissão, o tribunal dá conhecimento da situação à entidade competente para emitir a norma e estabelece um prazo, nunca inferior a seis meses, para que esta supra a omissão através da emissão da norma que assim dará exequibilidade ao correspondente acto legislativo, de acordo como o preceituado no art. 77.º/2 CPTA.
Quanto ao prazo a fixar pelo tribunal, este deve ser um prazo razoável, segundo o qual, de acordo com as regras de experiencia, seja possível à entidade administrativa emitir a norma e preparar-se para os efeitos daí advenientes. Pelo exposto não se entende porque razão o art. 72.º/2 estabelece um prazo mínimo de seis meses, quando existem casos em que a emissão da norma pode ser feita em período menor. De qualquer forma é este o enquadramento legal, pelo que o prazo de seis meses está sempre assegurado.
Discute-se ainda qual a natureza desta sentença: declarativa ou condenatória. Entendo que o tribunal, ao fixar um prazo para o cumprimento da sentença, está já a condenar a Administração na sua execução e não apenas a declarar a existência de uma ilegalidade por omissão, recomendando que se pratique o acto.

Marta Sofia Antunes, Turma A-1, n.º 16952

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