sexta-feira, 21 de maio de 2010

Pode o juiz administrativo carrear factos novos para o processo ou isso fará dele uma parte processual?

Tradicionalmente, o objecto do processo era visto numa perspectiva dualista, consoante se tratasse do contencioso de anulação ou do contencioso das acções (contratos, responsabilidade civil).
No entanto, a reforma do contencioso Administrativo veio por termo a esta dualidade de perspectivas e conferir ao juiz administrativo, independentemente dos meios processuais em causa, a plenitude dos poderes necessários á tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares - art. 268º/4 CRP e 2º CPTA. Veio-se nestes termos, dar cumprimento ao modelo constitucional de um contencioso administrativo plenamente jurisdicionalizado e subjectivizado.
O art. 95º/1 CPTA, veio estabelecer que na sentença ou acordão final devem ser apreciadas todas as questões que tenham sido submetidas pelas partes ao tribunal e apenas estas. Esta norma, parece á partida ter o alcance de determinar que o objecto do processo é configurado essencialmente pelas alegações das partes, vinculando nestes termos o juiz, ao princípio do dispositivo: o objecto do processo está na disponibilidade das partes, a quem cabe o ónus de alegação, a invocação dos factos integrantes da causa de pedir, e a sua respectiva prova.
Assim, esta parece vir impedir o juiz administrativo de carrear para o processo factos novos, sob pena de desrespeito do referido preceito legal.
No entanto, e em razão da visão subjectivista do contencioso administrativo, é agora necessário considerar-se sempre o pedido, tanto na sua vertente imediata, como na mediata, isto é quer aquele que respeita aos efeitos que a parte pretende ver concretizados -pedido imediato- ,quer o pedido mediato, ou seja o direito que o efeito atrás pedido visa tutelar, ligando-se sempre os efeitos pretendidos ao(s) direito(s) que se visa proteger.
Quanto a este último, pode nem ser sequer alegado pelo particular. No entanto o juíz administrativo tem de o ter em conta, de forma a poder ser concretizado o princípio do contencioso de plena jurisdição, com a atribuição ao juiz, da plenitude dos poderes necessários á tutela efectiva dos direitos das particulares.
Como refere Vasco Pereira da Silva “ o que a norma do artigo 95º/2 CPTA consagra, é o dever de o juiz “identificar” causas de invalidade dos actos administrativos distintas das alegadas, sempre tendo como limite os factos trazidos a juízo e o modo como foram trazidos a juízo pelas partes. Do que se trata não é, portanto de” introduzir” factos novos, mas sim de” identificar “ ou individualizar ilegalidades dentro dos actos administrativos, distintas das referenciadas pelo autor, desde que elas resultem - ou possam vir a resultar - das alegações das partes que introduziram os factos em juízo”.
Mais, também o princípio do inquisitório, na definição do Prof.Teixeira de Sousa “ permite que o tribunal investigue e esclareça os factos relevantes para a apreciação da acção”. Assim, considera-se que ao lado dos factos trazidos a juízo pelas partes e que vinculam o juiz por força do principio dispositivo, também os factos instrumentais (os que indiciam os factos essenciais) e que podem auxiliar o tribunal na sua demonstração, cabem nos poderes do juíz sem grandes restrições – podendo conhecer de factos instrumentais não alegados, e tomar diligências probatórias a seu respeito.
Em suma, podemos dizer que houve no plano funcional uma intensificação dos poderes do juiz administrativo, com uma ampliação dos poderes de conhecer do objecto do processo. No entanto, este tem de estar sempre limitado pelo objecto processual, tal como configurado pelas partes, sob pena de se transformar numa verdadeira parte processual.
O que nos leva a concluir então, que a resposta tem de ser SIM… o juiz pode carrear para o processo factos novos sem que isso faça dele uma parte processual, desde que com respeito pelos limites que lhe são impostos.
Neste sentido, salienta Vasco Pereira da Silva que “a plenitude e eficácia da protecção jurídica subjectiva, bem como da tutela da legalidade e do interesse publico, obrigam também a superação de visões formalistas e estáticas do objecto do processo e á sua substituição por uma perspectiva material e dinâmica, que considere os desenvolvimentos posteriores da relação jurídica administrativa.”

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