segunda-feira, 24 de maio de 2010

Xiu! Não falem mal da nossa Administração!




Antes:


O nosso país adoptou durante algum tempo aquilo a que chamamos o “modelo francês” de Justiça Administrativa, de base objectivista cuja regra era a do recurso de anulação dos actos administrativos. Não havia, portanto, plena jurisdição, os meios de acesso à Justiça Administrativa eram restritos o que levava a uma protecção muito fraca dos particulares. O facto de o particular ter de ficcionar actos da Administração é um bom exemplo de como a protecção era muito débil. A Administração mantinha-se, durante imenso tempo, na inércia e os particulares nada podiam fazer a não ser esperar. Depois de um bom tempo passado, aí sim, poder-se-ia recorrer do suposto acto da Administração que, na realidade, mais não era que uma omissão de acto ou, como se chama no nosso contencioso, um acto tácito. Quando não houvesse um meio previsto para tutelar certos direitos, ter-se-ia de recorrer a Tribunais judiciais.



Depois:


Foi com a revisão constitucional de 1982 que ventos novos sopraram. Alargou-se o âmbito de jurisdição administrativa que levou a uma subjectivização do modelo da Justiça Administrativa.


O artigo 268º, n.º 3 da CRP (depois da revisão de 1982) passou a dispor “É garantido aos interessados recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos definitivos e executórios, independentemente da sua forma, bem como para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido.”


Há um novo meio de acesso à Justiça Administrativa: a acção de reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos.


A consequente alteração legislativa do ETAF e da LPTA trar-nos-á grandes modificações. Os direitos dos cidadãos passam a beneficiar de uma protecção mais alargada com a tutela dos seus direitos subjectivos, não obstante o regime regra continuar a ser o do contencioso de actos, passa a ser reconhecido o pedido de declaração de ilegalidade de normas. A acrescentar, há o regime de acções não especificadas que trás uma espécie de cláusula aberta permitindo o acesso aos tribunais para além das hipóteses tipificadas. Prevêem-se ainda meios acessórios (intimação para consulta de documentos, …). Os poderes do juiz administrativo são intensificados.


Não se pense, no entanto, que tudo estava resolvido. A ideia da jurisdição administrativa como jurisdição limitada não foi dissipada, estando ainda hoje a marchar para lá chegar.


É em 2002, com a aproximação ao modelo Alemão, que se vai dar uma Reforma profunda do modelo da Justiça Administrativa (no seguimento da revisão constitucional de 1989).


Os titulares de direitos e interesses legalmente protegidos podem recorrer contenciosamente perante quaisquer actos administrativos ilegais lesivos.


O acesso à Justiça como direito fundamental foi consagrado a fim de uma protecção jurisdicional efectiva


Os tribunais administrativos passam a gozar de todos os poderes normais de condenação e injunção, passando a prever-se a acção de reconhecimento de direitos e o recurso contra actos de forma igual.


Parece então termos chegado a um modelo mais subjectivista com a ideia do processo contencioso como um processo de partes com plenos poderes do juiz perante a Administração.


Não foram, apesar disso, eliminados todos os laivos objectivistas passados, veja-se, a título de exemplo, a posição do MP. No entanto não nos parece, de todo, que isso deva ser modificado pois também contribui para uma tutela plena.


Aqui chegados, a conclusão não parece ser outra que não a de que estamos perante um processo de partes! Foi difícil mas chegámos aqui e, por isso, não precisamos de falar tão mal da nossa Administração.

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