segunda-feira, 24 de maio de 2010

Tarefa 3 – O recurso hierárquico necessário tornou-se mesmo desnecessário ou ainda desempenha alguma função relevante?

Como temos vindo a analisar foram muitos os traumas do Contencioso Administrativo. No âmbito do recurso hierárquico necessário não foi excepção, uma vez que inicialmente este foi consagrado como condição de acesso à justiça administrativa. Assim, para aceder aos tribunais era necessário esgotar as garantias administrativas reduzindo a tutela dos particulares.
O Professor Vasco Pereira Da Silva já antes da reforma defendia a inconstitucionalidade da regra do recurso hierárquico necessário por variados motivos de entre os quais se destacam dois. Já nessa altura discordava da sua posição a jurisprudência e grande parte da doutrina. O primeiro grande argumento apresentado assentava na garantia do princípio constitucional da plenitude da tutela dos direitos dos particulares previsto no art.268º nº4 CRP, pois a impossibilidade de recurso contencioso quando não tinha existido previamente o recurso hierárquico consistia numa negação de um direito fundamental. O outro argumento, também tendo subjacente o princípio da tutela efectiva do art.268º nº4 da CRP, prendia-se com o efeito preclusivo da impugnação da decisão administrativa quando não tivesse previamente interposto o recurso hierárquico no prazo de 30 dias segundo o art. 168º do CPA, o que reduzia o prazo de impugnação de actos administrativos levando inclusive à inutilização do exercício desse direito.
Actualmente com a consagração do art.51º nº1 do CPTA, o recurso hierárquico necessário já não tem utilidade como forma de aceder aos tribunais, uma vez que se adoptou uma efectiva tutela jurisdicional directa sem necessidade de recurso ao meio gracioso anteriormente obrigatório.
Coloca-se então a dúvida sobre se existe ainda este recurso e qual a sua possível utilidade
Quanto à situação actual, o Professor considera que o legislador na reforma veio afastar expressa e indubitavelmente a necessidade de recurso hierárquico como condição de acesso à justiça administrativa assentando a sua posição em argumentos diferentes dos apresentados antes da reforma.
Desde logo, a possibilidade de impugnação contenciosa de todo e qualquer acto administrativo que seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, bem como dotado de eficácia externa de acordo com o art. 51º nº1 do CPTA. Outro argumento utilizado pelo Professor é a regra consagrada no art. 59º nº4 do CPTA que prevê o efeito suspensivo do prazo de impugnação contenciosa quando o particular primeiro recorra às garantias administrativas, cujo objectivo é conferir utilidade ao recurso hierárquico, uma vez que o particular que recorra a esse meio não fica prejudicado quanto à utilização dos meios contenciosos porque o prazo suspende-se a seu favor enquanto aguarda pela decisão da Administração.
Esta possibilidade confere eficácia à utilização de garantias administrativas porque se o particular optar por um meio, não invalida que utilize também o outro, valendo sempre a pena solicitar uma segunda opinião à administração.
Posição contrária antes e após a reforma, é a do Professor Mário Aroso De Almeida que defende uma interpretação restritiva do actual regime defendendo que apenas a regra geral do CPA foi revogada pelo novo regime de impugnação de actos do CPTA. Assim, os recursos hierárquicos necessários podem continuar a exigir-se como forma de aceder aos meios judiciais se tiver consagrado em legislação avulsa mesmo que anterior porque corresponderá a regras especiais e a revogação em causa foi de uma norma geral.
O Professor discorda desta interpretação restritiva por entender que a mesma contraria disposições constitucionais, bem como o regime jurídico consagrado no Código de Processo Administrativo. De entre os argumentos destaca-se a dificuldade em compatibilizar a regra geral de acesso à justiça independente de recurso hierárquico com regras especiais que exigissem o recurso. Se anteriormente o recurso era necessário para permitir a posterior impugnação, agora que a impugnação é independente do recurso esse meio tornou-se desnecessário. Assim como refere o Professor “considerar que, a partir de agora, o recurso hierárquico passou a ser sempre desnecessário (mesmo que útil), mas que ele pode continuar a ser exigido como condição prévia de impugnação, mesmo quando já não pode mais continuar a ser considerado como condição de impugnação, ou como pressuposto processual, é um absurdo”. Seria como diz o Professor criar um “recurso hierárquico desnecessário necessário”.
Outro dos argumentos invocados prende-se com a ideia que o que foi revogado foi a regra geral do recurso hierárquico, antes da reforma as normas que o Professor Mário Aroso qualifica como especiais não o eram porque só vinham confirmar o regime que resultava das regras gerais. Se ainda assim aceitássemos este argumento, o mesmo só podia valer para o futuro mas como já foi referido supra não é esse o entendimento do mesmo que considera que vale inclusivamente para situações anteriores.
Para resolver esta questão doutrinária, o Professor Vasco Pereira Da Silva propõe a solução mais adequada que seria no seu entender a revogação expressa das normas que consagram o recurso hierárquico necessário para garantir certeza e segurança jurídica bem como a generalização da regra que consagra o efeito suspensivo a todas as garantias administrativas. Assim satisfazia-se os interesses do particular, da Administração bem como o bom funcionamento da justiça administrativa.
Em suma, deve entender-se que caducam todas as normas que prevejam a necessidade de recurso hierárquico ou qualquer outro meio gracioso, pelo que todas as garantias administrativas se consideram facultativas uma vez que não impedem o particular de utilizar simultaneamente a via contenciosa.
Vanessa lemos Nunes Sub 12

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